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Estudo sugere a Doria encerrar PPP para fabricação de remédios

Encomendada pelo governo a fundação da USP, análise se encaixa em planos anunciados para o futuro da Furp

22 out 2019 - 05h11
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SÃO PAULO - Um estudo encomendado pelo governo João Doria (PSDB) propõe encerrar contrato que concedeu uma fábrica de remédios à iniciativa privada, após a unidade se tornar alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) e de investigações do Ministério Público. O documento sustenta que, com o fim da concessão, o governo estancaria prejuízo e ainda conseguiria abater parte da dívida que tem com a concessionária, acusada de descumprir o contrato ao deixar de fazer investimentos em infraestrutura.

A fábrica da Fundação para o Remédio Popular (Furp), autarquia da Secretaria Estadual da Saúde, foi concedida em 2013 por meio de uma Parceria Público-Privada assinada pelo então governador Geraldo Alckmin à Concessionária Paulista de Medicamentos (CPM), controlada pela farmacêutica EMS.

Pelo contrato, o governo estadual se comprometeu na época a comprar remédios de uma cesta com 96 medicamentos fabricados pela concessionária, com preços calculados com base em tabela da Anvisa. A regra, porém, acabou provocando um descolamento entre esses preços e os valores de mercado - mais baixos. Por deixar de pagar o valor "cheio" de contrato, o governo acumula hoje uma dívida de ao menos R$ 72 milhões, segundo cálculos do estudo. A PPP é válida até 2028.

O caso se tornou alvo de uma CPI na Assembleia Legislativa de São Paulo, que também analisa a denúncia de que teria havido pagamento de propina relacionada à construção da fábrica, que consta na delação premiada de dois executivos da Camargo Corrêa ao Ministério Público Estadual.

Elaborado pela Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi), ligada à Universidade de São Paulo (USP), o estudo se encaixa nos planos para a autarquia anunciados por Doria, que já disse considerar extinguí-la. O governo ainda deve enviar um projeto de lei sobre o tema até o fim do mês. Além da Furp, estão na mira do governo outras duas entidades na área da Saúde: a Fundação Oncocentro (Fosp), que deve ser desmembrada, e a Superintendência de Controle de Endemias (Sucen).

A análise considerou as possibilidades de revisar as regras de remuneração à empresa, sem rescindir a PPP, ou repactuar o contrato para alinhar os preços a valores de mercado. Nenhuma das duas opções foi considerada economicamente viável para o governo.

"A onerosidade do contrato atual, mesmo após a recomposição de seu EEF (equilíbrio econômico-financeiro), e as dificuldades envolvidas na sua repactuação, sugerem uma última alternativa de encaminhamento do contrato: seu encerramento", diz o documento. Os autores fazem a ressalva de que não estimaram o custo de desmobilizar o negócio, pois não receberam "as informações necessárias para tal".

O estudo diz que eventuais custos de manutenção com a fábrica desativada podem ser compensados quando a unidade tiver o destino definido, o que está alinhado com o que o governo já disse sobre o tema. "Tal custo de manutenção poderá deixar de ser um ônus aos cofres públicos tão logo o poder concedente encontre novo uso (mais eficiente ou mais desejável do ponto de vista de políticas de saúde) ou mesmo a venda da IFAB (Indústria Farmacêutica de Américo Brasiliense)", diz o texto.

A análise da Fipecafi aponta ainda que, além de estancar os prejuízos, o governo teria R$ 44,6 milhões a receber da CPM, empresa que ganhou a concessão. Controlada pela farmacêutica EMS, a CPM é acusada de investir menos da metade dos valores previstos no contrato para a infraestrutura da fábrica e, por isso, teria o valor descontado a favor do governo no caso de rescisão contratual.

"Dos investimentos inicialmente previstos, avaliados em R$ 63 milhões, que deveriam, de acordo com o Contrato, serem executados até o final de 2014, apenas R$ 18 milhões foram executados até a presente data", diz a análise, com base em informações fornecidas pela Furp e pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE). A empresa contesta a informação e diz que está cumprindo o acordado.

O valor que a CPM deve ao governo seria abatido das dívidas que a própria Furp tem com a concessionária, estimadas pelo estudo em R$ 72,3 milhões. Isso resulta em um saldo de R$ 27,7 milhões a ser pago à CPM. A cifra é menor do que estimativas que circularam nos bastidores da CPI da Furp na Alesp.

O presidente da comissão, deputado Edmir Chedid (DEM), disse que "reforça um fato que a CPI já havia apontado: o contrato de PPP da Furp com o grupo EMS penaliza severamente os cofres públicos". Para Chedid, qualquer decisão tomada a partir do documento "não pode acarretar o fim da Furp".

"Ela é um patrimônio de todos os paulistas, com mais de 50 anos de serviços prestados à saúde pública. Produz remédios para a população mais carente", diz o deputado.

CPM contesta dados

A concessionária contestou dados da análise, em especial a conclusão de que houve prejuízos à Furp por falta de investimentos, em nota enviada ao Estado. A CPM disse que "não teve acesso ao conteúdo completo do estudo da Fipecafi e, deste modo, uma avaliação seria prematura e descontextualizada".

A concessionária ressaltou que não foi concedido o direito de manifestação à CPM na análise, o que, para a empresa, "torna o estudo meramente unilateral e sem materialidade na relação entre CPM e Furp".

"Sobre os investimentos, a CPM informa que está atendendo às determinações da Furp em relação à adequação da infraestrutura da IFAB, realizando os aportes nos prazos e condições acordados", diz a nota. A empresa diz, ainda, que a fundação não realizou pagamentos referentes a remuneração dos investimentos em infraestrutura e registros de medicamentos, a chamada Parcela A do contrato. "Até o presente momento, a Furp não efetuou nenhum pagamento referente à Parcela A, apesar da realização de investimentos pela CPM em infraestrutura e registros, o que torna qualquer alegação de prejuízo ao Estado inadequada."

O governo alega que não pagou valores da Parcela A pois a concessionária não realizou nenhum registro em nome da Furp, e sim "registros-clone" de medicamentos já autorizados à EMS junto à Anvisa. Essa explicação é corroborada pela análise da Fipecafi.

A Secretaria Estadual de Saúde disse, em nota, que o estudo "é um documento técnico importante e será considerado nas tomadas de decisões" sobre o contrato e o futuro da Furp.

O governo prometeu que não haverá redução na distribuição de remédios gratuitos, nem descumprimento de compromissos do Governo em relação à Saúde. "As ações a serem tomadas pelo governo do Estado visam fortalecer as políticas públicas de saúde na área de medicamentos, fornecendo mais remédios aos mais necessitados e, ao mesmo tempo, garantindo uso responsável do dinheiro público."

Estadão
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