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'Estatal do tratoraço' torna as emendas de relator ainda mais secretas em 2021

No exercício de 2020, algumas notas de empenho traziam nomes de parlamentares; informação sumiu em 2021; Codevasf nega ter orientado servidores a omitir informação

1 dez 2021 - 15h17
(atualizado às 17h58)
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BRASÍLIA - Nos últimos meses, a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf) agiu para tornar ainda mais difícil a identificação dos congressistas beneficiados com verbas das emendas de relator-geral, que formam a base do esquema do orçamento secreto, revelado pelo Estadão. No Orçamento de 2020, documentos internos que autorizaram pagamentos traziam em alguns casos o nome de deputados ou senadores responsáveis pelas indicações - mas esta informação sumiu no Orçamento de 2021, aprovado em março.

Sob o governo de Jair Bolsonaro, a Codevasf teve sua área de atuação ampliada e virou a "estatal do Centrão", tendo seus principais cargos ocupados por indicados do grupo político que domina a Câmara. Foi por meio da empresa pública que recursos do orçamento secreto foram usados para comprar equipamentos agrícolas e tratores com sobrepreço, o que levou o esquema a ser batizado de "tratoraço".

As menções aos nomes de políticos nestas compras eram feitas nas notas de empenho da Codevasf, mas estavam longe de dar transparência ao uso do RP-9: além de não seguir qualquer padrão e não dar detalhes, essas menções eram feitas de forma episódica (apenas algumas nota traziam os nomes do deputado ou senador que indicou o recurso). As menções também nunca aconteceram nas notas de empenho de outros órgãos responsáveis por executar os recursos do RP-9, como o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR).

Em 2021, no entanto, as notas de empenho da Codevasf passaram a seguir o padrão dos demais órgãos, sem fazer qualquer menção aos deputados e senadores que indicaram os recursos, e nem aos ofícios enviados pelos políticos ao relator-geral do Orçamento. Ao Estadão, a estatal negou que tenha orientado os servidores para omitir os nomes de políticos das notas de empenho. Estas são o documento pelo qual o Executivo reserva uma quantia para cobrir um determinado gasto, como a pavimentação de uma via ou a compra de um trator, por exemplo.

No Orçamento de 2020, algumas das notas de empenho das emendas de relator-geral da Codevasf traziam anotações como esta: "Aquisição de caminhão tipo Munck, carroceria estendida de aço, equipado com guindaste (...). Reserva técnica PLN 30 - Dep. Raul Henry (MDB-PE)". Ou seja, o documento reservou recursos do Projeto de Lei do Congresso (PLN) número 30, enviado pelo Executivo em novembro de 2020, por indicação do emedebista pernambucano.

"Minhas emendas foram basicamente para a Saúde e para a Codevasf, para atender as áreas do semiárido (do Estado de Pernambuco). Como eles colocam lá; se colocam meu nome ou não, não sei. Mas coloquei emendas para a Codevasf (em 2020) e continuo colocando este ano (2021)", disse Raul Henry ao Estadão. Nas notas de empenho de 2021 da Codevasf, o nome dele não aparece mais, apesar dele ter continuado direcionando os recursos. "A grande demanda do semiárido é este tipo de serviço: perfuração de poços, aquisição de retroescavadeiras para fazer pequenos açudes", disse Henry.

Segundo Henry, os recursos foram oferecidos pela assessoria técnica da liderança do partido, e poderiam ser destinados à área da Saúde ou à Codevasf — o deputado optou pela Codevasf. No começo da semana, no entanto, ele votou contra o projeto de resolução do Congresso elaborado para tentar manter os pagamentos. Outros emedebistas aparecem com bem mais frequência nas notas de empenho do que Henry, como o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (PE). Base eleitoral de Coelho, a cidade de Petrolina (PE) está entre as que mais receberam recursos do RP-9: os empenhos foram de R$ 157,8 milhões em 2020 e mais R$ 37,8 milhões em 2021.

Nas notas de empenho da Codevasf em 2021, a única menção a um político é ao deputado bolsonarista Guiga Peixoto (PSL-SP). O documento mostra que ele destinou R$ 238,8 mil para o "recapeamento de ruas diversas do município" de Jaboticabal no interior de São Paulo, onde ele tem sua base eleitoral. Procurado pela reportagem, Peixoto não respondeu até a publicação desta reportagem.

Nas notas de empenho de 2021 da Codevasf, todas as indicações são atribuídas ao relator do Orçamento, o senador Márcio Bittar (PSL-AC). Trazem apenas menções à "Lista 1", "Lista 2", e assim por diante — há menção até a uma "Lista 30", sem qualquer explicação sobre o que seriam tais listas.

Ao Estadão, a Codevasf negou ter orientado os servidores a omitir os nomes dos políticos. "As orientações (para os servidores que preenchem as notas de empenho) permanecem as mesmas". "Os responsáveis por indicações de execução de recursos orçamentários são identificados, para fins de transparência e rastreabilidade". "No caso do exercício 2021, o autor de indicações apresentadas à Codevasf para execução de recursos de emenda do relator é o próprio relator do Orçamento. Esses recursos foram alocados no orçamento da Codevasf pela Lei Orçamentária Anual de 2021", disse a empresa pública, em nota.

Em resposta à reportagem, a empresa também se recusou a dizer o que são as tais "listas" mencionadas nas notas de empenho. "As informações servem à organização de dados encaminhados à Codevasf pelo relator do Orçamento, associados à execução dos recursos orçamentários", disse a empresa, em nota.

Ligada ao Ministério do Desenvolvimento Regional, a Codevasf teve seu raio de ação ampliado durante o governo de Jair Bolsonaro. A estatal é hoje presidida pelo engenheiro Marcelo Andrade Moreira Pinto, que foi indicado em 2019 pelo então líder do Democratas na Câmara, o deputado Elmar Nascimento - outros políticos do Centrão também indicaram cargos na empresa.

Nesta segunda-feira, dia 29, o Congresso aprovou um projeto de resolução construído em conjunto pelas cúpulas da Câmara e do Senado com o objetivo de manter os pagamentos das emendas de relator. Pelo projeto, apenas as indicações feitas a partir de agora, para o Orçamento de 2022 em diante, terão seus autores conhecidos. As indicações pretéritas, de 2020 e 2021, continuarão secretas: Câmara e Senado alegam que não existem registros das indicações antigas, o que inviabilizaria o cumprimento da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). A Corte determinou a transparência de todas as indicações, inclusive as anteriores.

Estadão
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