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ESPECIAL-Na Amazônia, indígenas católicos casados pregam o Evangelho e rezam por ordenação

25 set 2019 - 10h13
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Pouco antes do amanhecer, Shainkiam Yampik bate um tambor esculpido de um tronco de árvore no início de uma cerimônia católica em Wijint, povoado de cabanas com telhado de sapê no coração da Amazônia peruana.

Shainkiam Yampik, diácono ordenado pela Igreja Católica, promove liturgia com tribo Achuar na Amazônia peruana
20/08/2019
REUTERS/Maria Cervantes
Shainkiam Yampik, diácono ordenado pela Igreja Católica, promove liturgia com tribo Achuar na Amazônia peruana 20/08/2019 REUTERS/Maria Cervantes
Foto: Reuters

Sussurrando "Jesusan namanguinde", ou "o corpo de Cristo", na língua do povo indígena Achuar, Yampik distribui o pão da comunhão aos moradores em uma pequena capela em meio a um coro alto de pássaros e insetos vindo do lado de fora.

Ancião tribal com 10 filhos crescidos, Yampik, de 48 anos, é uma autoridade católica em um dos entrepostos mais remotos da Igreja.

Mas como Yampik é casado, não pode ser padre. Ele é um diácono ordenado, um cargo inferior que não lhe permite ouvir confissões ou, o que é mais importante, rezar missas, o principal sacramento que os moradores de Wijint passam muitos meses sem receber por causa da falta de padres.

O pão da comunhão que é distribuído é consagrado de antemão por um padre de outra cidade.

Mas Yampik e outros católicos achuar da vasta região têm esperança de que uma reunião histórica no Vaticano no mês que vem mude isso.

No dia 6 de outubro, o papa Francisco iniciará um sínodo de três semanas com bispos da Amazônia durante o qual um dos tópicos mais ansiosamente aguardados será decidir se Yampik e outros homens casados devem ter permissão para ser ordenados como padres em partes da Amazônia, uma proposta que romperia uma tradição de séculos do catolicismo.

A ideia é permitir que homens casados com filhos crescidos e uma posição forte na Igreja --"viri probati", ou homens testados-- sejam ordenados e ajudem a preencher uma lacuna em suas comunidades.

"Eu sinto no coração. Quero ser padre", disse Yampik, que foi convertido por missionários católicos décadas atrás junto com outros achuar da região, à Reuters em Wijint.

Situada a três dias de viagem de barco da cidade mais próxima com estradas afastadas, Wijint é uma de 827 comunidades nativas do vicariato de Yurimaguas, região que conta somente com 25 padres, disse o administrador do vicariato, reverendo Jesus Maria Aristin, à Reuters.

"É impossível chegar a todos eles", afirmou Aristin, lembrando uma visita recente a um vilarejo que exigiu uma viagem de quatro dias através de pântanos.

Ao menos 85% dos vilarejos da região são incapazes de rezar a missa todas as semanas. Yampik é um dos quatro diáconos achuar "viri probati" casados que serão cogitados para uma ordenação no sínodo, disse Aristin, que comparecerá ao evento.

CELIBATO OU SACRAMENTO?

O sínodo também debaterá a proteção da Amazônia em resposta à indignação global com os incêndios florestais deste ano. Mas a proposta para os "viri probati" pode ser mais explosiva dentro da Igreja, onde Francisco já sofre ataques da ala conservadora.

O documento de trabalho do sínodo, que seus críticos rechaçam por considerarem herético, diz que homens podem ser ordenados, "mesmo que já tenham uma família estabelecida e estável, para se garantir os sacramentos".

Oponentes da reforma argumentam que ela poderá levar à abolição da regra de celibato do clero, que se tornou obrigatório no século 12 em parte para impedir que filhos de padres herdassem propriedades da Igreja.

A Igreja ensina que, permanecendo celibatário e solteiro, o padre pode se devotar inteiramente a Deus e à Igreja.

Mas a exigência dificulta os esforços para recrutar padres --e ainda mais para expandir seu número-- que ministrem para todos seus membros atuais em redutos tradicionais como a América Latina, onde os evangélicos estão ganhando terreno.

Os "viri probati" também dizem que a Igreja não pode negligenciar os fiéis em locais como Wijint, um vilarejo sem eletricidade ou água encanada onde os achuar cultivam mandioca e banana e caçam porcos selvagens nas florestas das redondezas.

"O que é mais importante, o celibato ou a Eucaristia, o centro da vida cristã?", indagou Aristin.

Só quatro décadas atrás, a presença da Igreja nesta região afastada estava crescendo, graças ao sucesso do padre italiano Luis Bolla em converter indígenas isolados do Peru e do Equador.

Missionário salesiano, Bolla viveu entre os achuar durante décadas, adotando seus costumes e sua língua e deixando um vazio quando morreu, em 2013.

Hoje, é difícil convencer estrangeiros a morarem em vilarejos achuar, disse Yampik.

"Um padre de fora desta cultura pode se dar a nós, mas só durante uma estação. Depois ele diz 'não consigo me acostumar com isso. Não consigo aprender a língua. Não consigo falar'".

"Um padre achuar seria nosso. Para onde ele irá?"

O Vaticano já fez concessões: alguns padres anglicanos que já eram casados quando se converteram ao catolicismo puderam continuar a servir como padres.

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