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Enviado de Biden, Kerry diz que 'Amazônia vai desaparecer' se EUA não negociarem com o Brasil

Em sessão na Câmara americana, ele afirmou ainda que 'o regime de Bolsonaro reverteu parte da fiscalização ambiental' e que indígenas devem ser 'ouvidos' sobre políticas na região

12 mai 2021 - 14h43
(atualizado às 14h52)
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Em um depoimento de prestação de contas na Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Estados Unidos na manhã desta quarta (12/05), John Kerry, Enviado Especial Climático do governo Joe Biden, defendeu a necessidade de negociar acordos climáticos com o governo Jair Bolsonaro, sob o risco de que a Amazônia "desapareça", apesar de criticar a política ambiental da atual gestão brasileira. "Infelizmente, o regime de Bolsonaro reverteu parte da fiscalização ambiental", disse Kerry.

John Kerry criticou a atuação do Brasil no combate ao desmatamento
John Kerry criticou a atuação do Brasil no combate ao desmatamento
Foto: EPA / BBC News Brasil

"Estamos dispostos a falar com eles (governo Bolsonaro), mas não estamos fazendo isso com uma venda nos olhos, e sim com uma compreensão de onde estivemos (no debate ambiental recente). Mas se não falarmos com eles, pode ter certeza de que aquela floresta vai desaparecer", afirmou o enviado especial, referindo-se à Amazônia.

Kerry foi questionado repetidas vezes sobre o assunto. O deputado democrata Albio Sires, de Nova Jersey, perguntou como os Estados Unidos pretendiam se posicionar "diante da consistente falta de recursos para fiscalização ambiental adequada do atual governo brasileiro".

Sires notou que, durante sua participação na Cúpula de Líderes para o Clima, organizada pelo governo americano no fim de abril, o presidente do Brasil se comprometeu a zerar o desmatamento ilegal na Amazônia até 2030 e as emissões brasileiras de gases do efeito estufa até 2050.

"Um dia depois de fazer essa promessa, Bolsonaro aprovou um corte de 24% no orçamento ambiental em 2021", afirmou Sires, comparando o atual orçamento do Meio Ambiente com os valores destinados à pasta em 2020. Na sequência, a deputada democrata Susan Wild, da Pensilvânia, voltou a cobrar que Kerry explicasse como os EUA pretendem medir os avanços das políticas do Brasil em relação à Amazônia.

O enviado especial Kerry tem sofrido fortes pressões nas últimas semanas de parte da base democrata e de representantes da sociedade civil pela falta de transparência nas negociações com o governo Bolsonaro. O ex-senador democrata é responsável por obter resultados em uma das áreas mais prioritárias da gestão Biden, o aquecimento global, e precisa provar que os EUA têm condição de liderar esse debate, após o ex-presidente Donald Trump ter retirado o país do Acordo Climático de Paris.

Desmatamento da Amazônia cresceu durante governo Bolsonaro
Desmatamento da Amazônia cresceu durante governo Bolsonaro
Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino / BBC News Brasil

Kerry teve reuniões recentes tanto com o ministro do meio ambiente Ricardo Salles, quanto com o então chanceler brasileiro Ernesto Araújo. Aos deputados, ele classificou os diálogos como "conversas positivas" mas ainda iniciais.

"Estamos no meio dessa negociação. Na verdade, começamos a fazê-la apenas há algumas semanas. Tivemos algumas conversas positivas e esperamos poder traduzir a intenção em ação eficaz e verificável", disse Kerry.

O governo brasileiro queria que os americanos se comprometessem a destinar US$ 1 bilhão por ano à Amazônia brasileira de saída, sem que o Brasil apresentasse metas de redução do desmatamento para 2021 e 2022, nem resultados de políticas ambientais.

A possibilidade causou tensão entre outros atores envolvidos no assunto. Conforme a BBC News Brasil revelou, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) chegou a enviar uma carta a Kerry e à Casa Branca na qual pediam uma "linha direta" de negociação com o governo americano em temas sobre a Amazônia e diziam não se sentir representados pelo governo Bolsonaro. Segundo os indígenas, o atual governo promove um "desmonte das políticas de proteção dos indígenas e do meio ambiente" do país.

Dias antes da cúpula, a APIB também lançou uma campanha, viralizada por estrelas de Hollywood como o ator Mark Ruffalo, intitulada "Não confie em Bolsonaro". Diante da movimentação, lideranças da APIB chegaram a se reunir tanto com o embaixador americano no Brasil, Todd Chapman, quanto com um dos auxiliares de Kerry, Jonathan Pershing.

O encontro, no entanto, contou com a presença de integrantes da Funai, que segundo relatos de presentes, tentaram deslegitimar os argumentos da APIB. Mas, durante a sessão no Congresso nessa quarta, em resposta a Wild, Kerry disse que os grupos indígenas serão consultados.

"Suas preocupações são primordiais e, eles têm uma grande voz nisso e precisam ser ouvidos", assegurou o integrante do gabinete de Biden.

Até agora, a liberação dos recursos americanos para a Amazônia segue sendo apenas uma possibilidade. Os americanos atrelam o pagamento a apresentação de metas e resultados da gestão Bolsonaro para a preservação do bioma, o que não foi apresentado durante a Cúpula de Líderes em abril.

Os últimos dois anos registraram altas históricas do desmatamento na Amazônia. E 2021 segue na mesma tendência. Dados do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgados em 7/5, apontam que em abril de 2021 a região registrou o maior índice de alertas de destruição para o mês em toda a série histórica, que começou em 2015.

Diante dos deputados americanos, Kerry afirmou que o Brasil apresentou resultados relevantes de redução de desmatamento no começo do século, tendência revertida mais tarde.

"O Brasil na verdade se saiu muito bem, entre 2004 e 2012. Eles estavam fazendo progressos para conter o desmatamento, mas entre 2012 e 2020 a Amazônia atingiu uma alta de 12 anos no nível de desmatamento. E, infelizmente, o regime de Bolsonaro reverteu parte da fiscalização ambiental. Nós tivemos essa conversa. Eles dizem agora que estão comprometidos a aumentar o orçamento e vão montar uma nova estrutura (de fiscalização)", afirmou Kerry.

Desmatamento na Amazônia atingiu em 2020 o maior índice dos últimos 12 anos
Desmatamento na Amazônia atingiu em 2020 o maior índice dos últimos 12 anos
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Kerry repetiu mais de uma vez que a perda florestal acontece há dez anos, e não se restringiria, portanto, apenas aos anos de Bolsonaro no poder. Na verdade, embora o ano de 2012 marque uma reversão na tendência de queda contínua no desmatamento, os anos subsequentes foram de avanços e retrocessos e apenas em 2019 a devastação ultrapassou o patamar de 10 mil quilômetros quadrados anuais, de acordo com os dados do Inpe.

Na interação com os deputados Sires e Wild, Kerry deixou claro que os EUA ainda estudam o comportamento do Brasil no assunto e uma métrica confiável para avaliar o desempenho do país e que o Congresso americano será avisado de cada passo do Executivo, o que incluiria a liberação de verbas para o Brasil.

As negociações devem avançar nos próximos meses, antes da Conferência do Clima marcada para novembro em Glasgow, na Escócia.

"O resultado é que vamos nos engajar (na conversa com o Brasil) para tentar descobrir o que é possível fazer. E nós retornaremos com as conclusões para vocês. Garanto que, antes de irmos para Glasgow, teremos uma noção melhor de onde estamos nos próximos meses", afirmou Kerry.

A base democrata no Congresso americano já fez uma série de manifestações contrárias a Bolsonaro desde que ele assumiu a presidência. Em dezembro de 2020, a então parlamentar democrata Deb Haaland, empossada mais tarde como Secretária de Interior de Biden, afirmou à BBC News Brasil que "continuaremos colocando Bolsonaro na fogueira enquanto ele cometer violações dos direitos humanos, seguir no esforço para destruir a Floresta Amazônica e colocar nosso planeta em risco de um desastre climático ainda maior".

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