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Entenda o crime de genocídio e a polêmica em torno de indiciar Bolsonaro no relatório final da CPI

'Indiciamento por genocidio foi substituído por crime contra a humanidade', disse o relator Renan Calheiros, ao Estadão; veja o significado e a origem do crime

20 out 2021 - 09h36
(atualizado às 12h38)
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Após alguns dias de mal estar entre os senadores da cúpula da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, os parlamentares fecharam acordo na noite desta terça-feira, 19, para retirar do texto do relatório final a acusação contra o presidente Jair Bolsonaro pelos crimes de homicídio qualificado e genocídio contra as populações indígenas.

Entenda abaixo o que é genocídio e a polêmica em torno do relatório final da CPI da Covid, que será lido pelo relator da comissão, senador Renan Calheiros (MDB-AL), nesta quarta-feira, 20, a partir das 10h. Apesar do recuo no relatório, Bolsonaro já é alvo de ao menos quatro denúncias no Tribunal Penal Internacional (TPI) por genocídio e crimes contra a humanidade.

O que é?

Entende-se por genocídio a tentativa de aniquilar um determinado grupo nacional, étnico ou religioso. Condições desumanas de vida, graves violações físicas ou psicológicas, impedimento de nascimento de crianças ou seu sequestro também se enquadram no conceito de genocídio.

O crime passou a ser definido como tal em 1948, quando a Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou por unanimidade a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio. O acordo obriga os países da comunidade de nações a criminalizar, punir autores, e adotar sistemas de cooperação judicial para a repressão do genocídio.

Qual a origem do termo?

A expressão genocídio (do grego genos: espécie, raça, tribo; e do latim excidium: destruição, ruína ou aniquilamento) apareceu em 1944, na obra do advogado polonês Raphael Lemkin, durante a 2ª Guerra Mundial, e significou, especificamente, os crimes cometidos pelo Estado nazista contra determinados grupos étnicos, como os judeus e os ciganos. Segundo o dicionário Aurélio, genocídio é um "crime contra a humanidade, que consiste em, com o intuito de destruir, total ou parcialmente, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, cometer contra ele qualquer dos atos seguintes: causar-lhes grave lesão à integridade física ou mental; submeter o grupo a condições de vida capazes de destruir fisicamente, no todo ou em parte; adotar medidas que visem a evitar nascimentos no seio do grupo e realizar a transferência forçada de crianças dum grupo para o outro".

Genocídio, Bolsonaro e a CPI da Covid

No começo desta semana, após o Estadão revelar a proposta do relator Renan Calheiros de propor o indiciamento do presidente Jair Bolsonaro pelo crime de genocídio, no parecer final da CPI da Covid, integrantes da cúpula expressaram divergências. O debate ficou explícito nas últimas sessões do colegiado e foi tema de reunião dos senadores que avançou por esta madrugada.

Na versão do texto de Renan, a acusação estava relacionada com o tratamento dispensado pelo governo aos povos indígenas durante a pandemia.

Na segunda-feira, dia 18, o presidente do colegiado, senador Omar Aziz (PSD-AM), disse que preferia evitar o indiciamento do presidente da República por este crime específico. No entendimento de Aziz, a acusação seria frágil e prejudicaria a credibilidade do conjunto do relatório.

Foi por isso que, na noite de ontem, a cúpula da CPI da Covid se reuniu na casa do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) para aparar arestas quanto ao texto final.

Após o acordo para suavizar as acusações contra o presidente, a lista de imputações contra o chefe do Executivo caiu de 11 para nove crimes.

Estão mantidas as responsabilizações pelos crimes de epidemia com resultado morte; infração de medida sanitária preventiva, charlatanismo, incitação ao crime, falsificação de documento particular, emprego irregular de verbas públicas, prevaricação, crime contra a humanidade e crimes de responsabilidade.

"O indiciamento por genocidio foi substituído por crime contra a humanidade", disse o relator da comissão, senador Renan, ao Estadão, após a reunião.

Denúncias ao Tribunal de Haia

Em agosto, o presidente Bolsonaro foi denunciado pela terceira vez ao Tribunal Penal Internacional, com sede em Haia. A ação proposta acusava o chefe do Executivo por genocídio e crimes contra a humanidade. A denúncia foi apresentada por uma equipe de advogados indígenas, coordenada por, Luiz Henrique Eloy Terena.

No início de outubro, a ONG austríaca AllRise protocolou uma nova denúncia contra o presidente brasileiro no TPI por "crimes contra a humanidade". A organização argumenta que a política ambiental do presidente levou ao aumento do desmatamento na Amazônia, o que o grupo considera um ataque contra toda a humanidade.

O Tribunal de Haia é uma corte de último recurso para o julgamento de crimes internacionais graves, incluindo genocídio, crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Na prática, o TPI atua quando as cortes nacionais não conseguem ou não desejam realizar processos criminais. Sendo assim, a formação desse foro internacional geralmente se justifica como um último recurso e só atua se o processo não estiver sendo julgado por outro Estado.

Ou seja, se houver no Brasil uma ação aberta contra Bolsonaro por genocidio, o TPI não poderia dar sequência à análise da denúncia na corte internacional.

Como é o rito de um processono TPI?

Em entrevista ao Estadão em setembro, a juíza Sylvia Steiner, única brasileira que já atuou no TPI (2003-2016), detalhou o rito de um processo na corte internacional.

"Após a chegada de uma representação, ela passa por uma triagem para ver se estão presentes os requisitos temporais e de competência do tribunal. Se passar, ela vai para uma fase de exame preliminar, que vai discutir se a corte tem jurisdição, se tem competência sobre esse caso, se ele é admissível, e se é de gravidade suficiente para justificar a abertura de uma investigação. Ao final dessa fase, se o procurador decidir que o tribunal é competente, e que o caso é admissível e grave o suficiente, ele pedirá a uma das câmaras a autorização para iniciar uma investigação. Trata-se de um processo lento. Em caso de condenação, o tribunal pode impor pena de reclusão, de até 30 anos, e penas de multas", explicou.

Estadão
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