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Política

Empresa de lobista tinha "enorme entrada" na Presidência

Mensagens mostram a influência de Marconny Faria, investigado pela CPI da Covid, com o governo Bolsonaro

21 set 2021 - 05h11
(atualizado às 07h21)
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Mensagens de WhatsApp, de março de 2019, apreendidas em investigação do Ministério Público Federal, no Pará, descreveram uma empresa vinculada ao lobista Marconny Albernaz de Faria, como "forte" e "com enorme entrada" na Presidência da República. Como revelou o Estadão, o lobista é suspeito de ter recebido R$ 400 mil para abrir portas no governo federal a um servidor do Instituto Evandro Chagas, em Belém, que desejava trocar a direção do órgão público.

Marconny Albernaz de Faria, acusado de fazer lobby na negociação de contratos da Precisa Medicamentos
Marconny Albernaz de Faria, acusado de fazer lobby na negociação de contratos da Precisa Medicamentos
Foto: Pedro França / Agência Senado

Faria é investigado pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, no Senado. Ele é suspeito de fazer lobby para a empresa Precisa Medicamentos junto ao Ministério da Saúde. Os senadores identificaram mensagens trocadas por ele com Jair Renan Bolsonaro, quarto filho do presidente; com as advogadas Ana Cristina Valle, mãe de Jair Renan e segunda ex-mulher de Bolsonaro, e Karina Kufa, que defende o presidente; e com o dono da Precisa, Francisco Maximiano. As conversas indicam que, em setembro do ano passado, o lobista ajudou Jair Renan a montar sua empresa de eventos.

O Estadão teve acesso a uma nota técnica da Controladoria Controladoria-Geral da União (CGU), feita para a investigação da Procuradoria da República, no Pará. O órgão analisou mensagens trocadas, em 2018 e 2019, pelo servidor do instituto paraense Marcio Roberto Teixeira Nunes e pelo empresário José Ferreira da Silva Filho, dono da Ferpel Comércio e Representação. As conversas mostram que o empresário fez pagamentos ao lobista por meio da empresa Gygha Administração Empresarial, a pedido do servidor do Evandro Chagas. O objetivo de Nunes e Silva Filho era emplacar Jorge Travassos como diretor do instituto e o próprio servidor como diretor-substituto.

Segundo a investigação, a Gygha tem como único sócio Arthur Souza Cirilo. Ele é motorista de Faria e funcionário registrado em outra empresa do lobista, a M N R A de Faria Administração Empresarial. Faria atua como "procurador" da Gygha na Junta Comercial do Distrito Federal e perante o Banco do Brasil. Os investigadores descobriram que Gygha é também o apelido do lobista. Em depoimento à CPI, o lobista confirmou que Cirilo é seu funcionário.

As mensagens às quais o Estadão teve acesso mostram que a ideia para trocar os dirigentes do Evandro Chagas surgiu em 2018, antes das eleições. O nome de Faria surge nas mensagens no início de 2019 quando Nunes pede que Silva Filho deposite R$ 25 mil na conta da Gygha. O empresário concorda e manda o comprovante ao servidor logo em seguida.

Nas conversas, Nunes não dizia a Silva Filho que o lobista era a pessoa por trás da empresa Gygha. O servidor Evandro Chagas apenas repassava ao empresário os pedidos de dinheiro. "Pediram 25.000", "30", "mais 20", informava Nunes. Ele chamava os repasses de "incentivos". Apenas entre 18 de janeiro de 2019 e 19 de junho daquele ano, a Gygha recebeu R$ 190 mil.

Investigadores do MPF do Pará acreditam ter identificado a suposta forma como o esquema operava no Evandro Chagas. A partir de 2011, por meio de licitações direcionadas, a Ferpel ganhou contratos no instituto e concedeu um "crédito" a Nunes, segundo a operação. Com esse "crédito", o empresário transferia valores à Gygha.

As conversas também mostram que Nunes informava ao empresário, com frequência, sobre o andamento das negociações para emplacar a diretoria do instituto. Em 29 de março de 2019, quando Silva Filho questionou Nunes se o "pessoal da Gygha" conseguiria a nomeação que eles desejavam, o servidor disse acreditar na força do lobista.

"Quanto à Gygha, eles são fortes. Têm enorme entrada na Casa Civil. E na Presidência. Eles que nos puseram lá dentro. Por isso, acredito neles. Apenas é angustiante a demora", afirmou Nunes.

À época, a Casa Civil era comandada por Onyx Lorenzoni, atual ministro do Trabalho. Procurado, Lorenzoni não retornou ao Estadão.

Em outra mensagem, Nunes relatou ao empresário da Ferpel uma ocasião em que disse ter ido a Brasília para reuniões. "Tivemos acesso ao prédio da Presidência da República. Falamos com muita gente grande e que nos apoiaram", afirmou. "O grupo que nos auxilia é muito forte dentro do governo."

A diretoria cobiçada por Nunes e pelo empresário no Instituto Evandro Chagas foi nomeada em 11 de agosto do ano passado, durante a gestão do general Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde. Jorge Travassos se tornou diretor do instituto, Nunes chegou ao cargo de diretor-substituto, mas foi exonerado do cargo em outubro de 2020, após ser preso durante as investigações. O empresário morreu, vítima da covid-19, no meio do ano passado.

Marconny Faria nega ser lobista

Marconny Faria prestou depoimento aos senadores na semana passada e negou fazer lobby. Ele admitiu ter atuado com a Precisa, mas não soube explicar o tipo de serviço prestado. Disse, de maneira geral, que faz "análises técnico-políticas" e é contratado por ser de Brasília e conhecer o "cenário" local. Disse ainda ter apenas indicado um advogado para Jair Renan

Em nota, o advogado William Falcomer afirmou que Marconny "foi vítima de quebra de sigilo e divulgação de dados sem autorização judicial, sendo que as ações tramitam em segredo de Justiça, razões pelas quais não serão formalizados pronunciamentos públicos".

Questionado sobre a atuação da Gygha, na CPI, o lobista recorreu ao direito constitucional de não dar declarações que pudessem incriminá-lo. "Como essa empresa está envolvida no caso do Pará e como está correndo sob segredo na Justiça, ficarei em silêncio", afirmou.

Procurado, o Palácio do Planalto não se manifestou.

Estadão
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