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Com Senado mais favorável, Bolsonaro pode agravar crise com STF em eventual segundo mandato

7 out 2022 - 08h08
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Com um Senado mais favorável a partir do ano que vem caso vença o segundo turno da eleição presidencial, o presidente Jair Bolsonaro (PL) poderá dobrar sua aposta contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), até mesmo com uma tentativa de impeachment contra um ou mais ministros da corte, elevando ainda mais a temperatura institucional, disseram juristas ouvidos pela Reuters.

De acordo com a Constituição, cabe ao Senado aprovar as indicações do presidente da República para ministros do Supremo, assim como analisar e julgar pedidos de impeachment contra os magistrados da Suprema Corte. Na eleição do último domingo, dos 27 senadores eleitos, ao menos 17 são aliados ou têm alguma ligação com Bolsonaro.

Segundo levantamento da Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais, caso seja reeleito, Bolsonaro deve contar com uma base fiel de 24 senadores, além de 43 que poderiam apoiá-lo com condições e 14 que fariam oposição. Se, por ventura, obtiver apoio dos 43 senadores apontados pela consultoria como "apoio condicionado", o presidente chegaria a uma base de 67 senadores, mais do que o quórum de 54 necessário para o impeachment de um ministro do Supremo, por exemplo.

"Até hoje, em 34 anos de vigência da Constituição Federal, nós não tivemos a instauração de um processo que tenha se desenrolado para a apuração de crime de responsabilidade em face de um ministro do Supremo Tribunal Federal, porque há uma certa estabilidade nessas relações entre os Poderes, dada a excepcionalidade que isso configuraria", disse à Reuters o professor de Direito Constitucional Guilherme Amorim.

"Agora nós temos um campo político mais radicalizado compondo um espectro bastante significativo do Senado Federal que pode, eventualmente, pressionar pela instauração de processos para apuração de crimes de responsabilidade por parte de integrantes do Supremo Tribunal Federal. Isso pode ter consequência no relacionamento entre os Poderes constituídos da República e isto eventualmente não seja em proveito da democracia brasileira."

A Lei 1.079, de 1950, chamada de Lei do Impeachment --que serviu de base para as cassações dos presidentes Fernando Collor, em 1992, e Dilma Rousseff, em 2016-- também prevê os crimes de responsabilidade pelos quais ministros do Supremo podem ser cassados. A Constituição de 1988, explica Amorim, também contempla a possibilidade de impeachment de ministros do STF por crime de responsabilidade.

Uma das hipóteses previstas na lei como crime de responsabilidade é "exercer atividade político-partidária". Com frequência, Bolsonaro acusa sem provas os ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso de terem preferência pela eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Diz ainda que Fachin determinou que Lula fosse solto da prisão, ao definir que o ex-juiz Sergio Moro não tinha competência para julgá-lo, para que o petista disputasse as eleições.

Bolsonaro, que também já ofendeu, inclusive com palavras de baixo calão, ministros da corte, também acusa Moraes de atuar "fora das quatro linhas da Constituição" na condução de inquéritos que o investigam e a alguns de seus aliados. Em tom de ameaça e sem dar detalhes, já afirmou que, se reeleito, "resolverá" a questão com o Supremo e, em suas palavras, fará com que os ministros da corte joguem dentro da Constituição.

RUPTURA

Para Amorim, caso se tente um impeachment de um ministro do STF por alegação de atuação política-partidária, poderá haver ainda uma discussão sobre se este artigo da Lei do Impeachment foi recepcionado pela Constituição de 1988. O jurista trata o tema como "explosivo" e capaz de gerar uma enorme crise institucional.

"Se de fato se forma uma maioria no Senado Federal neste sentido, nós teríamos uma ruptura institucional, na verdade, causada por um Poder da República, que é o Poder Legislativo, e eu não sei se há uma recomposição possível a partir daí", avaliou.

Para o professor de Direito Constitucional da FGV-SP Roberto Dias, a alegação de exercício de atividade político-partidária não se sustenta do ponto de vista jurídico e Bolsonaro ataca o que, na visão do jurista, é o "o único órgão de controle que sobrou em pé no governo Bolsonaro".

"Não há fundamento jurídico nessas alegações do atual presidente, mas com esse Senado e uma eventual reeleição do atual presidente, os riscos de que se use esse pretexto como supostos argumentos jurídicos é grande", disse Dias, que classifica Bolsonaro como "autocrata".

"Tendo a vitória do atual presidente, ele sendo reeleito, a chance disso escalar é enorme."

Em meio aos constantes ataques ao Supremo, veículos de imprensa publicaram que, em caso de reeleição, Bolsonaro poderia propor uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para elevar de 11 para 15 o número de ministros do STF.

Mesmo sem qualquer ampliação, o próximo presidente nomeará dois magistrados para a corte em 2023, com as aposentadorias compulsórias de Rosa Weber e Ricardo Lewandowski.

Caso uma proposta de aumento da corte passe no Congresso --no domingo o partido de Bolsonaro elegeu a maior bancada da Câmara dos Deputados-- haveria a indicação de mais quatro ministros e a corte teria uma maioria de magistrados indicados por Bolsonaro, que em seu mandato já indicou os ministros Nunes Marques e André Mendonça.

Para Dias, essa proposta seria "absolutamente inconstitucional" por violar a separação entre os Poderes, que é uma cláusula pétrea da Constituição, ou seja, não pode ser alterada nem mesmo por emenda à Carta aprovada pelo Congresso.

"Se a intenção do governo com essa PEC é exatamente aumentar o número de ministros com o intuito de ter nomeações no atual governo de ministros aliados ao governo, isso sem dúvida caracteriza um enfraquecimento do Poder Judiciário", disse.

"Ao enfraquecer a separação de Poderes, essa proposta de emenda constitucional estará, na verdade, ferindo essa cláusula pétrea."

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