PUBLICIDADE

Pós em segurança de barragens crescem depois de Brumadinho

Profissionais e empresas buscam mais cursos de gestão ambiental, que receberam ajustes no conteúdo após desastre ocorrido em Minas Gerais. Brasil tem mais de 24 mil barragens

18 jun 2019 - 03h10
Compartilhar
Exibir comentários

Desde 2017, a engenheira civil Gabrielle Bourdeaux, de 24 anos, tentava se matricular na Pós-Graduação em Segurança de Barragens oferecida pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas da Universidade de São Paulo (IPT-USP). Não conseguia porque o curso nunca obtinha o número mínimo de alunos para formar turmas. Agora em 2019 a espera acabou: Gabrielle e outros 16 colegas iniciaram as aulas em março. O aumento da procura foi resultado do desastre de Brumadinho. Em 25 de janeiro, o rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão deixou 246 mortos e 24 desaparecidos.

"Além daqueles profissionais que começaram a se interessar pelo assunto com o ocorrido, percebemos uma maior preocupação das empresas, que subsidiam esse tipo de especialização", afirma o coordenador do curso, José Maria de Camargo Barros. É o mesmo efeito relatado por outras instituições com ofertas de formações semelhantes, como o Instituto de Educação Tecnológica (Ietec), com sede em Belo Horizonte, e o Grupo IDD, instituição de ensino e pesquisa em Engenharia Civil e em Arquitetura e Urbanismo, com sede em Curitiba. Ambos oferecem formação presencial e a distância.

Ajustes recentes

No Ietec, o principal atrativo da pós em Gestão e Tecnologia de Resíduos e Efluentes é a grade curricular, já afinada a essa necessidade brasileira, um país com mais de 24 mil barragens espalhadas entre as cinco regiões. "Trabalhamos com temas como geotecnia ambiental e processos de estabilidade de talude, maciços ou barragens construídas para a contenção de rejeitos", afirma Maurício Ferreira Guimarães, geólogo e professor da disciplina de Gerenciamento de Resíduos Sólidos Industriais.

Com Brumadinho, a carência de profissionais aptos a interferir no cenário ficou tão evidente que a instituição também adaptou o conteúdo de um de seus cursos de curta duração. Em maio, Guimarães lecionou um curso de resíduos sólidos e industriais. "O curso já estava na programação antes da tragédia, mas recebeu um olhar sobre o desastre. Os alunos cobravam isso da instituição", conta Guimarães.

No IDD, que já ofertava o curso de Segurança de Barragens, foram criados módulos para públicos muito específicos. "Pensamos em módulos para o pessoal de Geotecnia e de Engenharia de Minas. A ideia é que quem já trabalha tenha um upgrade rápido, curso de 80 horas, algo menor, para que seja mais imediato", explica José Marques, coordenador do curso.

A Cruzeiro do Sul já oferecia uma pós-graduação em Gestão Ambiental. A estratégia para atender a essa demanda interessada em segurança de barragem, então, foi ajustar o conteúdo ao gosto do público. Se mudar a grade curricular em um curso de graduação é um processo moroso e complexo, em uma pós é bem mais simples.

"Sem deixar de lado os temas que tratamos, como recuperação e preservação ambientais, sempre conseguimos incluir as discussões do momento", explica a coordenadora, Nilza Maria Coradi de Araújo. Além de uma disciplina perene sobre prevenção de desastres ambientais já estar na programação, são ofertados materiais específicos de acordo com acontecimentos factuais. Em 2015, quando houve o desastre em Mariana, a instituição promoveu um ciclo de palestras, com consultores técnicos.

Apesar de não terem a mesma flexibilidade que os programas de pós-graduação ou os cursos técnicos, até mesmo o conteúdo de graduações tem sido atualizado para atender a essa especificidade do mercado. "O currículo é mais estático porque tem o registro do Ministério da Educação (MEC), mas dentro do processo de educação e capacitação estamos sempre atentos ao que podemos oferecer", afirma o coordenador da graduação em Gestão Ambiental da Estácio, Leandro Miguel Cardoso Guerise.

Na semana seguinte ao desastre de Brumadinho, a universidade já havia desenhado atividades interdisciplinares que incluíram, além dos alunos de Gestão Ambiental, estudantes das escolas de Direito, Turismo e Contabilidade.

Melhoria nos processos

As recentes tragédias ambientais também motivaram profissionais a buscar remodelar o tratamento de resíduos em suas empresas. Neste semestre, um dos alunos do curso da Cruzeiro do Sul é o engenheiro de produção Robson Lessa Sócha. Ele trabalha em uma fábrica que engessa peças plásticas para utensílios domésticos e procurou o curso para se capacitar na reestruturação dos processos de sua empresa. "Hoje, nosso descarte de resíduos é todo terceirizado. Quero ajudar a instalar um sistema totalmente executado pela empresa, com padrões ISO 14001", explica.

Em Belo Horizonte, Fernanda Persilva Araújo, analista de Meio Ambiente da Prefeitura, acredita que a formação no Ietec foi fundamental para o desempenho de seu trabalho de gerenciamento dos resíduos de saúde. "Como fui consultora a vida toda, o curso me possibilitou atualizar os conhecimentos de metodologia e aprender novas técnicas".

Ela terminou a pós em Gestão e Tecnologia de Resíduos e Efluentes no ano passado. "Tenho de lidar com questões ambientais muito sérias, aprovo planos de gerenciamento de todas as instituições de saúde da cidade, o que inclui as licenças ambientais e a destinação os resíduos químicos. É preciso estar sempre atualizada."

Serviço

Ietec

Curso: Pós-graduação em Gestão e Tecnologia de Resíduos e Efluentes

Duração: 180 horas/aula

Custo: R$ 10.551

Site: www.ietec.com.br

IPT

Curso: Pós-graduação Segurança de Barragens

Duração: 440 horas/aula

Custo: 30 parcelas de R$ 800

Site: www.ipt.br

Grupo IDD

Curso: Pós-graduação em Segurança de Barragens

Duração: 432 horas/aula

Custo: inscrição de R$ 175

e 24 parcelas de R$ 785

Site: www.idd.edu.br

Cruzeiro do Sul

Curso: Pós-graduação em Gestão Ambiental (EAD)

Duração: 12 meses

Custo: R$ 219 por mês

Site: www.cruzeirodosulvirtual.com.br

3 Perguntas para Fernando Antônio Medeiros Marinho

É doutor em Geotecnia pela University of London Imperial College e professor livre docente da Universidade de São Paulo

1. Após Brumadinho, algumas instituições passaram a oferecer cursos ligados a segurança de barragens, bem como realizaram ajustes em cursos relacionados a gestão ambiental para dar ênfase a essas questões. Como avalia essas ações?

Os acidentes são, sem dúvida, uma fonte de aprendizado, mas nem sempre é a mais eficiente forma de se aprender. Na Geotecnia, a observação embasada por conceitos é fundamental. A pergunta que é sempre feita é: o que podemos aprender nesse acidente para que ele não aconteça novamente? Não resta dúvida que se aprende com a experiência. Contudo, não creio que apenas a criação de disciplinas tenha influência significativa para a formação dos profissionais. A aplicação desses conceitos exige uma maior experiência, mas, tendo em vista a permanente falta de oportunidades profissionais, a formação acadêmica termina se perdendo. Essa "perda" da formação acadêmica, por falta de oportunidade profissional, é um grande mal para a engenharia. Porém, seminários e palestras relacionados com os acidentes são importantes para manter estudantes e profissionais cientes das abordagens técnicas e opiniões existentes.

2. Há uma interpretação de que o "boom" de construção de barragens nas últimas décadas não foi seguido pela formação de profissionais em número suficiente para atuar na segurança dessas barragens. Concorda com isso?

Esta lacuna está diretamente relacionada com a falta de oportunidade profissional, que é fundamental para concluir a formação dos engenheiros. Não entendo que houve "boom" de construção de barragens, ao contrário: temos uma grande necessidade de barragens e outros tipos de obras geotécnicas para diversos usos, e é necessário engajar os novos profissionais nestes projetos para que a sua formação se complete.

3. Acredita que existam temas ou disciplinas que deveriam ser reforçadas nos cursos em relação a mitigações ou controle de catástrofes?

Não creio que seja proveitoso criar disciplinas específicas para um acidente. Acredito que os conceitos envolvidos com a fenomenologia do problema já são abordados em cursos regulares e em alguns cursos eletivos. Além do mais, muitos conceitos só podem ser abordados em níveis acima do da graduação.

Estadão
Compartilhar
Publicidade
Publicidade