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'Minha tia morreu de covid-19. Aquilo acabou comigo', diz jovem que desistiu do Enem

Larissa Paiva, de 19 anos, quer ser advogada, mas o luto suspendeu o sonho da faculdade

21 jan 2021 - 19h01
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Quando criança, Larissa Paiva, de 19 anos, viu a mãe quase ser presa em um supermercado depois de ter roubado arroz e feijão para alimentar os filhos. A família não tinha o que comer e, naquele dia, uma advogada que passava pelo estabelecimento intercedeu pela mulher, pagou as compras e um táxi. "Depois disso, pensei: 'Preciso ser advogada e fazer o que ela fez'. Daí veio o maior desejo da minha vida."

Larissa começou o ano animada a estudar para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), mas a morte de uma tia para a covid-19, o luto pela perda de amigos e a internação dos avós com a mesma doença a afastaram do caminho. "Não tenho cabeça, meu psicológico está abalado", diz a jovem de Belford Roxo, na Baixada Fluminense. Leia a seguir o relato:

Meu maior sonho é entrar em uma faculdade, dedico a maior parte da vida para isso. No início do ano, estava estudando para o vestibular, muito animada, até que veio a covid-19. Meu salário foi reduzido e tive de parar o pré-vestibular que estava custeando. Em março, minha tia morreu de covid (uma das 28,2 mil vítimas da doença no Estado). Ela tinha 42 anos, deixou filho e marido. Quem teve de dar a notícia e cuidar de tudo fomos eu e minha prima. Foi um baque. Aquilo acabou comigo.

Tentei estudar por conta própria em casa, ver vídeos, mas sozinha é muito difícil. As coisas estavam ficando cada vez mais complicadas, tinha ainda o medo, porque minha mãe trabalha fora. E o luto. Perdemos amigos, conhecidos, vizinhos. Tivemos de montar uma estratégia para cuidar do meu primo, agir na esperteza e com rapidez. A gente chorava, secava e falava: 'Vamos agir'.

Eu ainda queria fazer a prova, até que, em janeiro, minha avó e meu avô foram para o hospital com a covid. Eles estão internados e sem previsão de alta. Não temos contato. Ali percebi que eu não tinha mais estrutura para fazer o Enem com as minhas perdas. Não tenho cabeça, meu psicológico está abalado e são muitas informações.

Me sinto frustrada, inútil, quero tentar, mas não consigo, parece até que não tenho força de vontade. Meu sonho é estudar Direito porque, quando eu era pequena, não tínhamos nada em casa para comer e minha mãe foi a um supermercado para pegar comida - não roubou nada de bom, só arroz e feijão. Um segurança arrastou minha mãe para um galpão e arrasou com ela, levaram para o meio do mercado e falaram que chamariam a polícia.

Eu era muito pequena e comecei a chorar até que veio uma moça que falou que era advogada e defendeu minha mãe, pagou as compras e um táxi para voltarmos para casa. Depois disso, pensei: preciso ser advogada e fazer o que ela fez. Daí veio o maior desejo da minha vida. Vou ficar pior quando a nota de todo mundo que fez o Enem sair, eu vir as pessoas entrando em uma universidade e cair a ficha de que não vou conseguir esse ano.

Estadão
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