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Debate entre advogadas no STF expõe questão racial brasileira

25 abr 2012 - 16h55
(atualizado às 16h58)
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Gustavo Gantois
Direto de Brasília

De um lado uma advogada branca, cabelos loiros e uma retórica contra a política de cotas raciais de acesso ao ensino superior que já suscitou tentativas de agressão. Do outro, uma advogada negra, com uma capacidade argumentativa pouca vezes vista na tribuna do Supremo Tribunal Federal (STF).

Uma das ações analisadas nesta quarta-feira contesta as cotas raciais adotadas pelo UnB
Uma das ações analisadas nesta quarta-feira contesta as cotas raciais adotadas pelo UnB
Foto: Carlos Humberto/SCO/STF / Divulgação

Os votos dos ministros da Corte ainda estavam longe de serem proferidos, mas o embate entre Roberta Kaufmann, que representa o Democratas na ação que questiona o sistema de cotas da Universidade de Brasília (UnB), e Indira Quaresma, da Advocacia-Geral da União (AGU) e que representa a UnB, mobilizou o plenário da Corte.

Procuradora de Justiça do Distrito Federal, Roberta Kaufmann é conhecida por sua luta contra as cotas. No ano passado, foi hostilizada em um debate sobre o sistema em plena UnB. Não conseguiu falar e teve de abandonar a universidade escoltada pela polícia e sob ameaças de agressão. Atualmente, dá aulas no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), mais conhecido em Brasília como "a faculdade do ministro Gilmar Mendes", do STF.

O discurso da advogada foi calcado no argumento de que o sistema de cotas institucionaliza um Estado racializado no Brasil. Em outras palavras, as cotas, ao contrário do que pregam seus defensores, seriam responsáveis por mais discriminação. "As consequências da implementação dessa medida por meio de leis que vão criar categorias raciais no Brasil serão mais desastrosas que os eventuais bônus que poderiam criar. A imposição de um modelo de estado racializado traz implicações perversas. Cria-se entidades bipolares e não se cria um sentimento de cultura nacional, mas segregados", defendeu Roberta Kaufmann.

Ainda de acordo com a advogada, especificamente sobre a UnB, as cotas na universidade são implementadas por meio de "tribunais raciais, de composição secreta, e com base em critérios mágicos e místicos". Para sustentar sua acusação, Kaufmann lembrou o caso envolvendo dois gêmeos univitelinos, em que um entrou na UnB pelo sistema de cotas e o outro foi rejeitado.

Indira Quaresma, por outro lado, apostou em estatísticas para provar que o sistema de cotas deve, sim, levar em consideração o tom da pele. "Ser negro, no Brasil, continua sendo motivo para estar alijado das riquezas do País. Ainda hoje há fortes resquícios do preconceito: negros têm menos tempo de estudo e ocupam posições menos vantajosas no mercado de trabalho", afirmou. "Isso reflete diretamente no ingresso deles nas universidades", completou a advogada.

Indira, que é negra, ressaltou que o debate sobre a ação afirmativa não pode ser restrito à questão social. "Há uma sensação generalizada de que os negros só fazem sucesso no Brasil pela música, pelo samba ou pelo narcotráfico. O racismo nos faz duvidar da nossa capacidade desde pequenos. O sistema de cotas é belo, necessário e distributivo", defendeu a advogada.

Entenda o julgamento

O STF analisa três ações que contestam a constitucionalidade da reserva de vagas em universidades públicas por meio das cotas raciais e o perfil do estudante apto a receber bolsas do Programa Universidade para Todos (Prouni). O julgamento é o primeiro comandado pelo ministro Ayres Britto, que foi assumiu a presidência da Corte na última semana

A reunião teve início com as o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186, ajuizada pelo DEM contra a UnB. O processo é de relatoria do ministro Ricardo Lewandowski. A ação contra a UnB foi ajuizada em 2009 pelo partido, que questiona a reserva de 20% das vagas na instituição a estudantes negros. Segundo o DEM, essa política fere o princípio constitucional da igualdade nas condições de acesso ao ensino superior. O programa foi instituído em 2004 e desde então atendeu mais de 5 mil alunos.

Outro tema polêmico que será julgado nesta quarta-feira é uma ação ajuizada pelo estudante Giovane Pasqualito Fialho, reprovado no vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) para o curso de administração, embora tivesse alcançado pontuação superior à de outros candidatos. Os concorrentes que tiveram nota menor foram admitidos pelo sistema de reserva de vagas para alunos egressos das escolas públicas e negros.

Ainda está na pauta de hoje do STF a discussão em torno de políticas afirmativas com a criação do Programa Universidade para Todos (Prouni), implementado a partir de 2005. A lei determina que para receberem os benefícios do programa, as universidades privadas devem reservar parte das bolsas de estudo para alunos que tenham cursado o ensino médio completo em escola da rede pública ou em instituições privadas na condição de bolsista integral, sendo que parte das bolsas deve ser concedida a negros, indígenas e pessoas portadoras de necessidades especiais. Além disso, a renda familiar não pode ultrapassar um salário mínimo e meio para a bolsa integral e três salários para a bolsa parcial.

Segundo a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenem), que ajuizou a ação junto com o DEM e a Federação Nacional dos Auditores Fiscais da Previdência Social (Fenafisp), a medida provisória que originou o Prouni não atende ao princípio constitucional da isonomia entre os cidadãos brasileiros.

Fonte: Terra
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