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Dossiê contra opositores: veja a cronologia do caso e recuos do ministro da Justiça

André Mendonça chegou a negar a existência do relatório, que agora diz que pode ser apresentado de 'imediato' ao STF, se houver determinação

13 ago 2020 - 13h00
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Desde a revelação, em julho, de que Secretaria de Operações Integradas (Seopi), órgão do Ministério da Justiça, elaborou um dossiê sobre 579 servidores federais e estaduais da área de segurança e professores identificados como integrantes do movimento antifascismo, o ministro André Mendonça vem sendo cobrado pelo Congresso e o Judiciário a dar explicações. O sucessor de Sérgio Moro chegou a colocar em dúvida a existência do relatório contra opositores, mas em seguida demitiu o diretor de inteligência da Seopi.

A Seopi do Ministério da Justiça foi criada ainda na gestão de Moro, com a função de integrar operações policiais contra o crime organizado, redes de pedofilia, homicídio e crimes cibernéticos. Mendonça trocou nove de um total de 14 pessoas indicadas pelo antecessor para compor a chefia da Seopi.

O mais recente recuo do ministro no caso foi nessa quarta-feira, 12, quando afirmou que cumpriria "de imediato" uma eventual determinação do Supremo Tribunal Federal para apresentar o dossiê. Na semana passada, no entanto, afirmou que "não seria menos catastrófico" abrir acesso a dados da Seopi ao Poder Judiciário.

Veja abaixo a cronologia do caso e os recuos do ministro:

O relatório (24 de julho)

Uma reportagem veiculada no blog do jornalista Rubens Valente, do UOL, mostra que a Secretaria de Operações Integradas (Seopi) do Ministério da Justiça e Segurança Pública investigou e produziu dossiês sigilosos sobre servidores federais e estaduais da segurança pública e educação, por participação em movimentos antifascistas, de oposição ao presidente.

No dia 24, a pasta informou ao Estadão que a atividades de investigação é atribuição de rotina da Seopi, mas não comentou especificamente o caso.

'Nós não elaboramos dossiê' (2 de agosto)

O ministro André Mendonça afirma que vai abrir uma sindicância para apurar "fatos relacionados à produção de relatórios" durante entrevista à Globonews. Mendonça ainda citou conversas que manteve com representantes da secretaria em que eles negam a existência do dossiê.

"Então, eu chamo a Secretaria e pergunto: 'Foi elaborado algum dossiê'? E eles me respondem, e isso está na nota [do MJ]: 'Nós não elaboramos dossiê'. 'Até porque, se nós quiséssemos ou pudéssemos elaborar um dossiê com aquela conotação de prejudicar determinado grupo de forma parcial, persecutória, nós não elaboraríamos um relatório'. Se é que esse relatório, e eu tenho que falar sempre em tese, foi produzido", disse o ministro.

Ida ao Senado cancelada (3 de agosto)

Mendonça faz seu primeiro recuo no caso. O ministro, que havia prometido no dia 30 de julho uma ida ao Senado Federal para prestar esclarecimentos, cancela a ida ao Parlamento, que estava confirmada após convite feito em nome da Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência. Na ocasião, a pasta alegou que o assunto seria sigiloso e que não poderia ser tratado em um encontro virtual aberto ao público, como estava previsto.

Demissão do diretor de inteligência (3 de agosto)

Mendonça demite o diretor de inteligência da Seopi, o coronel Gilson Libório de Oliveira Mendes, que havia sido nomeado por ele, assim como quase todo o comando do órgão. No total, a Seopi é formada por quatro diretorias e dez coordenadorias, das quais apenas quatro permanecem chefiadas por indicados do ex-ministro Sérgio Moro.

Ministério nega existência de relatório (6 de agosto)

O Ministério da Justiça e Segurança Pública informa ao Supremo Tribunal Federal (STF) que não investigou opositores do governo, após a ministra Cármen Lúcia estabelecer um prazo de 48 horas para a pasta apresentar esclarecimentos sobre a elaboração do dossiê.

"A atividade de inteligência dedica-se a produzir conhecimentos para assessorar o processo decisório das autoridades públicas. Assim, é dever dizer que não há qualquer procedimento investigativo instaurado contra qualquer pessoa específica no âmbito da Seopi, muito menos com caráter penal ou policial. Noutras palavras, não compete à Seopi produzir 'dossiê' contra nenhum cidadão e nem mesmo instaurar procedimentos de cunho inquisitorial", informou o Ministério, em manifestação aprovada por Mendonça.

A pasta afirmou ainda que a Seopi "não se coloca a serviço de grupos, ideologias e objetivos mutáveis e sujeito às conjunturas político-partidárias".

Em um trecho da manifestação, o ministério pede "parcimônia e sensibilidade do Supremo Tribunal Federal", para que deixe a Comissão de Controle Externo da Atividade de Inteligência do Congresso Nacional fazer a análise sobre o tema, evitando "invadir esfera de competência do Poder Legislativo".

Mendonça admite existência de relatório sobre opositores (7 de agosto)

Um dia após negar ter investigado opositores, o ministro da Justiça admitiu que sua pasta produziu relatórios de inteligência sobre críticos do governo. Em audiência fechada com parlamentares, Mendonça revelou a existência de relatório de inteligência da pasta sobre servidores que integram grupos "antifascistas". A declaração foi feita em sessão virtual da Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI) do Congresso Nacional.

Durante a sessão, o ministro foi pressionado pelos parlamentares a dizer claramente qual documento o órgão elaborou e quem foram os alvos. Mesmo sem detalhar, Mendonça admitiu, segundo três pessoas presentes no encontro afirmaram ao Estadão, a existência de um relatório sobre opositores. Ele disse que vai enviar todo o material produzido pela pasta à comissão, se antecipando a eventual aprovação de requerimento sobre o tema.

Ministério se recusa a enviar relatório a procuradores (10 de agosto)

O ministério se nega a entregar uma cópia do dossiê ao Ministério Público Federal. Em resposta à Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, do Rio Grande do Sul, a pasta justifica que o pedido precisaria ser encaminhado pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, por envolver diretamente um ministro de Estado. O parecer destaca, porém, que mesmo que a PGR faça a solicitação, os dados podem não ser enviados por se tratar de das atividades de inteligência.

"Ainda que ultrapassados esses óbices (referentes à autoridade que deve enviar o pedido), o que se admite apenas para fins argumentativos, não haveria viabilidade jurídica ao atendimento do pleito do MPF." O parecer cita que "não há margem jurídica" para o fornecimento de dados e documentos por se tratar de informações sigilosas de atividades de inteligência.

Relatório é enviado ao Congresso (11 de agosto)

Mendonça encaminha, antecipadamente, relatório ao Congresso. O material impresso foi entregue ao presidente da Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI), senador Nelsinho Trad (PSD-MS) antes que o órgão fizesse uma solicitação. Em nota, a pasta também informou que determinou que a Polícia Federal abra um inquérito para investigar o vazamento do "dossiê". O relatório só vai ser liberado para parlamentares interessados no documento a partir da semana seguinte.

Ministério monitorou grupo bolsonarista (12 de agosto)

Depois de ter negado a existência de investigação contra opositores e, após admitir, questionar o uso do termo "dossiê" para caracterizar os relatórios, Mendonça afirma que também monitorou grupos bolsonaristas, como o "300 do Brasil". A informação foi revelada pelo ministro a parlamentares na reunião sigilosa do CCAI, como mostrou o Estadão.

Mendonça recua e diz que compartilharia 'dossiê' com o STF (12 de agosto)

Mendonça muda o tom e informa à ministra Cármen Lúcia que cumpriria "de imediato" uma eventual determinação da Corte para apresentar o dossiê elaborado pela Seopi. Em ofício endereçado à ministra, Mendonça ressaltou que enviou cópia do documento ao Congresso e mandou a Polícia Federal investigar o vazamento do relatório. A declaração contrasta radicalmente com o discurso adotado pelo próprio ministério, que afirmou que "não seria menos catastrófico" abrir acesso a dados da Seopi ao Poder Judiciário.

"Especificamente em relação à ADPF 722, esclareci aos senhores parlamentares que não houve qualquer descumprimento de ordem do Supremo Tribunal Federal, uma vez que o despacho de Vossa Excelência, que requisita informações, não determinou a apresentação de qualquer relatório de inteligência. Houvesse tal determinação, certamente seria cumprida de imediato", escreveu Mendonça na nova manifestação.

Estadão
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