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Depoimento de Pazuello não avança em tema essencial da CPI: a compra de vacinas; leia análise

Com muito discurso e poucas perguntas precisas, senadores perdem a oportunidade de obter detalhes sobre aquisição de imunizantes

21 mai 2021 - 22h06
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Em dois dias de depoimento na CPI da Covid, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello foi cobrado pelas mentiras e distorções que apresentou aos senadores, mas pouco confrontado sobre sua comprovada responsabilidade individual em decisões chave do governo federal.

Os senadores não conseguiram avançar em um dos temas mais importantes da CPI: a compra da vacina da Pfizer. Entre os imunizantes já aprovados no mundo e que poderiam estar ajudando a evitar tragédia maior no País, o da farmacêutica americana foi certamente o mais prejudicado pela conduta da gestão Bolsonaro.

É fato que o presidente se opôs à aquisição da Coronavac, mas, no caso da Pfizer, os testes clínicos que demonstravam a altíssima eficácia de 95% foram divulgados ainda em novembro e havia oferta da companhia para a entrega de imunizantes ao Brasil já no mês seguinte. A primeira aplicação do produto no braço de um brasileiro, porém, só ocorreu no começo de maio.

Vários senadores confrontaram Pazuello sobre o ministério ter ficado dois meses sem responder a oferta da Pfizer feita em setembro. O ex-ministro negou que a empresa não tenha recebido retorno e disse que manteve a negociação por todos esses meses, mas que questões contratuais, preço e logística atrasaram a assinatura do contrato. Por fim, Pazuello insistiu no argumento de que, mesmo que tivesse fechado a aquisição antes, o imunizante só recebeu registro da Anvisa no fim de fevereiro.

Nesse ponto, os senadores perderam a oportunidade de lembrar que a farmacêutica só não obteve a aprovação antes porque teve que optar pelo pedido de registro definitivo e não pela solicitação de autorização de uso emergencial. O primeiro demora até 60 dias para ser avaliado. A segunda é julgada pela Anvisa em apenas dez dias.

Nos bastidores, a empresa afirmava que não tinha como entrar com o pedido de uso emergencial sem ter o contrato com o ministério confirmado. Isso porque, nessa categoria regulatória, é obrigatório que o produto seja usado em um programa público de vacinação.

Foi justamente por meio do registro emergencial que Reino Unido e Estados Unidos conseguiram iniciar a vacinação com o produto da Pfizer ainda na primeira quinzena de dezembro. Essa dinâmica do processo regulatório e a experiência de outras nações no início precoce da vacinação poderiam derrubar o argumento do general, mas não foram trazidos à discussão pelos membros da comissão.

Sobre o episódio em que Bolsonaro desautorizou o general a firmar protocolo de intenções de compra da Coronavac, Pazuello insistiu que a ordem jamais foi comunicada oficialmente ao militar e que as declarações do presidente haviam sido apenas postagens na internet.

Os senadores esqueceram de questionar o ministro sobre o fato de que, no mesmo dia em que Bolsonaro declarou nas redes que havia mandado o Ministério da Saúde cancelar o acordo com o Instituto Butantan, o então secretário executivo do ministério, coronel Élcio Franco, fez um pronunciamento transmitido na TV Brasil confirmando que a pasta não tinha intenções de comprar vacinas chinesas e dizendo que houve má interpretação da fala de Pazuello no dia anterior sobre a celebração do acordo - uma demonstração clara de recuo do órgão e de que a ordem presidencial explicitada na internet estava sendo acatada.

O depoimento de Pazuello, diferentemente dos de Luiz Henrique Mandetta, Nelson Teich e Fabio Wajngarten, está sendo avaliado como o que menos causou desgaste à gestão do presidente. Ao menos na CPI, o general foi um bom estrategista e entregou mais uma missão cumprida ao seu capitão.

*É REPÓRTER DE SAÚDE DO ESTADÃO E MESTRA EM CIÊNCIAS PELA FACULDADE DE SAÚDE PÚBLICA DA USP

Estadão
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