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Curdos veem esperanças de autonomia sumirem na Síria

11 jan 2019 - 11h14
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Destino da cidade de Manbij diante da retirada anunciada por Trump é representativo do futuro dos curdos na Síria. Forçados a abandoná-la, eles veem chances de criarem região autônoma no norte do país diminuírem.Saddam*, um curdo de 26 anos da cidade de Manbij, pai de duas meninas, está confiante de que as Unidades de Proteção Popular (YPG), milícias curdas que combatem sob a égide das Forças Democráticas Sírias (SDF, na sigla em inglês), continuarão presentes na cidade que libertaram do "Estado Islâmico" (EI) em 2016, a custo de muito esforço e sangue.

O pai de duas meninas diz que, apesar do tuíte do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, dizendo que vai retirar 2 mil tropas americanas da Síria, da ameaça de invasão pela Turquia e da presença do Exército sírio nos arredores, nada mudou na cidade. "Agora, o poder que está no controle é o Conselho Militar de Manbij", disse Saddam à DW, sobre a entidade governamental local tanto dos árabes quanto dos curdos, mas dominada por estes. "Eles é que estão administrando a cidade, ninguém mais", disse.

Manbij, uma cidade síria a apenas 32 quilômetros da fronteira com a Turquia, tornou-se o novo foco da guerra na Síria depois que o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, ameaçou com um ataque se as YPG não deixarem essa área a oeste do rio Eufrates. A Turquia vê as milícias curdas - que são aliadas da coalizão internacional liderada pelos EUA para combater o EI - como um braço do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), que considera uma força terrorista e separatista no interior da Turquia.

Apesar de os curdos sempre terem contado com essa possibilidade, ficaram chocados. Na ânsia de proteger Manbij dos turcos, eles recorreram ao inimigo interno, o governo sírio, que se apressou em enviar suas forças para os arredores da cidade, mas com o objetivo próprio de recuperar território perdido.

Os curdos temem que, uma vez que os americanos partam, perderão todo apoio e ficarão não apenas vulneráveis a um ataque pela Turquia, como também fracassarão em atingir todos os seus objetivos políticos - principalmente estabelecer uma região autônoma ao longo do trecho no nordeste da Síria, ao longo da fronteira turca. Os curdos perderam Afrin para rebeldes sírios apoiados pela Turquia em fevereiro, mas havia uma esperança persistente de que eles podiam manter outras áreas, como Manbij, Qamishli (no extremo leste) e Raqqa (centro-norte).

Agora, a questão para os curdos é como salvar a situação, e parece que eles têm apenas duas opções: convencer os Estados Unidos a permanecerem na região ou persuadir o presidente sírio, Bashar al-Assad, a fazer concessões. "O sonho curdo é ter autonomia e que as áreas sejam administradas pelas pessoas que vivem nelas", explica Saddam.

Ao mesmo tempo, Fawjia Yousif, membro do governo independente curdo no nordeste da Síria, diz que os milicianos curdos já deixaram Manbij. "Eles saíram há algum tempo, e isso foi anunciado oficialmente pelas YPG", afirma.

A agência de notícias síria Sana também divulgou que pelo menos 400 milicianos deixaram a área até agora. Nick Feras, pesquisador em Segurança no Oriente Médio no think tank Center for a New American Security, em Washington, acha que a saída das Unidades de Proteção Popular é irreversível e vai ocorre mais cedo ou mais tarde. "As YPG terão que se retirar de Manbij, pura e simplesmente. Há um consenso geopolítico de que as YPG foram longe demais ao ficarem em Manbij, e agora o grupo precisa retornar até a margem oriental do Eufrates. Até os americanos decidiram que não pode mais haver uma presença das YPG em Manbij", considera Feras.

Se os milicianos curdos realmente se retiraram ou planejam fazê-lo, a Turquia pode não cumprir a ameaça de invasão, mas os curdos ainda continuarão abandonados e se perguntam se são apenas uma espécie de penhor de cálculos geopolíticos maiores.

O EI foi amplamente eliminado em termos territoriais, mas há preocupações de que a sua ideologia permaneça viva e que os membros do grupo - dispersados durante a guerra - possam se reagrupar se os EUA saírem e se houver uma luta de poder entre as partes envolvidas.

Tanto o Secretário de Defesa James Mattis quanto Brett McGurk, enviado americano para a coalizão anti-EI, renunciaram aos seus cargos em resposta ao anúncio de Trump. E, à medida que a pressão aumentou, Trump começou a adiar a anunciada retirada. "Queremos proteger os curdos, mas não quero ficar na Síria para sempre, é areia e é morte", disse recentemente o presidente americano.

O Conselheiro Nacional de Segurança dos Estados Unidos, John Bolton, foi além. Em viagem a Israel e com o objetivo de abrandar as preocupações de Jerusalém de deixar um vácuo de poder em sua vizinhança, Bolton disse que a retirada era condicional.

Os curdos não entendem as decisões dos Estados Unidos e não sabem em que declaração acreditar ou em quem confiar. Agora, eles estão tentando utilizar o adiamento por tempo indeterminado da retirada de tropas para pressionar Assad a chegar a algum tipo de arranjo.

Fawjia Yousif confirmou que os curdos estão negociando com o governo Assad. "Houve conversas recentes com o regime sobre a situação em Manbij", disse. "O que também é preciso que saia dessas conversas é focar no alcance de uma resolução abrangente para a crise síria, incluindo as áreas da administração autônoma no nordeste do país", enumera.

Aaron Stein, diretor do programa para o Oriente Médio no Instituto de Pesquisas de Política Externa na Filadélfia, acha que os curdos se dariam melhor se se alinhassem ao governo sírio. "Os curdos têm uma chance de fazer um acordo, mas precisam esperar até a saída dos EUA e se posicionar junto ao regime sírio para garantir que haja um movimento praticamente simultâneo entre cada lado", explica.

Até agora, o governo sírio se recusou a conceder aos curdos a autonomia que eles procuram. Mas os curdos esperam que, com tempo, consigam concessões.

Saddam diz que o futuro dos curdos é dentro da Síria e que tudo o que eles querem é serem governados por seu próprio povo. "Isso não implica necessariamente separação ou um Estado independente", afirma.

*Nome alterado pela redação para proteger a identidade do entrevistado

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