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Coronavírus

Teich: 'Não houve um alinhamento com o presidente e decidi sair'

Ex-Ministro da Saúde, Nelson Teich confirmou em entrevista que divergências sobre protocolo de uso da cloroquina no combate à covid-19 influenciaram decisão de saída

24 mai 2020 - 22h16
(atualizado às 22h34)
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O ex-ministro da Saúde, Nelson Teich, disse na noite deste domingo, 24, em entrevista à Globonews que não houve um alinhamento dele com o presidente Jair Bolsonaro, por isso sua decisão de deixar o governo. "Não foi a cloroquina, foi política", afirmou ao ser perguntado se o uso do remédio para combater a covid-19 foi o motivo de sua decisão.

"Na prática existia entre mim e o presidente uma diferença em como abordar o problema", afirmou o ministro. Teich disse que ainda não há estudos definitivos sobre a eficácia da cloroquina, que devem estar prontos "em duas, três semanas", inclusive no Brasil. Por isso, seria melhor esperar. "Aí fica mais fácil definir", disse ele. Mas Bolsonaro preferia antecipar a decisão de liberar o uso. "O problema não é a cloroquina, o problema é as suas escolhas."

"Para mim eu tinha que esperar pra tomar uma decisão. Não me senti pressionado, não tem pressão nenhuma", afirmou Teich. "Se tem coisas que não se sabe se funciona, eu não posso gastar dinheiro nisso, porque tenho pouco dinheiro." Por isso, disse ele, antecipar a decisão do uso da cloroquina teve peso em sua decisão de saída.

"O dinheiro da saúde é muito pouco para ser gasto em coisas que não funcionam", disse ele. Teich ressaltou que sempre conversou com Bolsonaro, por mais que tivesse problemas com ele e afirmou que não sofreu pressão e nem aceitaria ser pressionado.

"Ter divergência não é ter conflito, por isso que a saída foi confortável', disse Teich.

Isolamento social

Questionado sobre as decisões sobre o isolamento social, Teich disse não ser a favor nem de um isolamento vertical nem horizontal, mas sim um isolamento seletivo, que trata a pandemia de forma mais individualizada.

Para este isolamento mais seletivo, é preciso testar muito mais pessoas, de forma a ter um mapa do que acontece, disse o ex-ministro. "A partir daí você isola as pessoas e seus contatos", disse ele, ressaltando que é preciso tratar a coisa de forma mais "individualizada".

Na entrevista Teich disse que como os hospitais, médicos e clínicas se dedicaram muito ao combate da coronavírus, outros tratamentos acabaram ficando represados. Por isso, há o risco de, após passar a pandemia, o setor de saúde ter dificuldade de lidar com isso. Teich mencionou, por exemplo, que houve redução de 70% nas cirurgias oncológicas.

Sobre o isolamento, Teich ressaltou ainda que a decisão sobre o que fazer é das cidades. "O maior problema de administrar isso é saber quando isso acaba, isso traz uma ansiedade sem tamanho para as pessoas."

Perguntado se tem algum arrependimento de ter ido para o governo de Jair Bolsonaro, Teich respondeu que "jamais".

Ações futuras

neste momento não se sabe o que vai acontecer com o coronavírus no Brasil, como a doença vai evoluir e quanto tempo vai durar. "Navegamos hoje em situação de absoluta incapacidade de enxergar o que vai acontecer pela frente."

Sobre o general Eduardo Pazuello, ministro interino da Saúde após sua saída, Teich disse que o próprio militar afirmou que não tem intenção de permanecer no cargo. "A proposta dele, não sei como ficou, era que, depois que a pandemia passasse e a coisa se estabilizasse, eles voltariam e seriam substituídos", disse. "Não podemos ter um prejulgamento porque ele é militar. Tenho que julgar se ele é competente ou não e para o que ele veio ele é competente."

O ex-ministro disse que Pazuello tem experiência com as Olimpíadas e com a Venezuela e por isso tinha condições de entrar no ministério em sua gestão, nomeado como secretário executivo. "Achava que ele tinha experiência em conduzir situações difíceis. Se eu não tivesse visto nele pessoa certa naquela posição, uma dos dois não ficaria, ou ele ou eu."

Teich minimizou a ida de vários militares para o ministério, ressaltando que é natural que Pazuello leve sua equipe.

Em diversos pontos da entrevista, que durou mais de 90 minutos, Teich afirmou querer evitar a polarização. Ele mencionou, por exemplo, a discussão do isolamento social e a economia. "Se tratou economia como se fosse dinheiro e não vida, eu trato a economia como gente, não como dinheiro."

Teich disse que Bolsonaro está preocupado "com as pessoas", mas talvez sua forma de comunicar isso, defendendo o fim do isolamento, não foi a boa. "Não vou julgar o presidente. Quem vai julgar o presidente é o futuro", disse ao falar de Bolsonaro. "O que não faltou no meu período foi compaixão."

Por pouco se saber sobre a doença e os próximos passos, a tomada de decisão é frágil, porque você tem que trabalhar com dados ainda incertos. "Se os indicadores mostrarem que não foi a melhor decisão, volto a trás. Foi a melhor decisão naquele momento."

Estadão
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