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Coronavírus

País entrou em recessão no primeiro trimestre, diz comitê da FGV

Segundo o Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace), expansão da economia brasileira durou 12 trimestres, do 1º trimestre de 2017 ao 4º trimestre de 2019

29 jun 2020 - 11h32
(atualizado em 30/6/2020 às 18h41)
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RIO - O Brasil entrou em recessão a partir do primeiro trimestre deste ano, informou nesta segunda-feira, 29, o Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace) da Fundação Getulio Vargas (FGV). Já sob efeitos da pandemia de covid-19, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro do primeiro trimestre registrou baixa de 1,5% ante os três últimos meses de 2019, conforme os dados das Contas Nacionais Trimestrais, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) há um mês.

A simples retração do PIB num trimestre não basta para definir uma recessão. O PIB é apenas uma das dimensões e, na definição acadêmica, também é comum levar em conta o comportamento da atividade em relação a seu "potencial" (ou seja, o quanto uma economia pode crescer sem provocar desequilíbrios, como inflação), afirmaram ao Estadão os professores José Luís Oreiro, da Universidade de Brasília (UnB), e Eduardo Zilbermann, da PUC-Rio.

Para o Codace, recessão é "um período de queda generalizada na atividade econômica, com efeitos negativos sobre a maioria dos setores e pessoas em uma economia", disse, por escrito, Paulo Picchetti, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV e um dos membros do colegiado. Também pode ser uma "conjuntura de declínio da atividade econômica, caracterizada por queda da produção, aumento do desemprego, diminuição da taxa de lucros e crescimento dos índices de falências e concordatas", na definição do economista Paulo Sandroni, no "Novíssimo Dicionário de Economia".

Por isso mesmo, geralmente, os economistas levam tempo para definir quando uma recessão começa e termina. O próprio Codace só concluiu que o Brasil entrou em recessão a partir do segundo trimestre de 2014 em agosto de 2015, mais de um ano depois. O mesmo ocorre em outros países.

Só que com a crise da covid-19 é diferente. Após a retração de 1,5% no primeiro trimestre, as projeções de analistas do mercado financeiro apontam para um tombo em torno de 10% neste segundo trimestre sobre os três primeiros meses do ano. Em abril, a produção industrial despencou 18,8% ante março, enquanto as vendas no varejo recuaram 16,8% e o volume de serviços prestados, 11,7%. Para 2020 como um todo, as estimativas são de uma queda de 6,54% no PIB, no que será o pior desempenho anual da histórica econômica nacional, registrada desde 1901.

"Nessa crise, foi óbvio quando o meteoro chegou", afirmou o economista Edmar Bacha, diretor do Instituto de Estudos de Política Econômica/Casa das Garças (IEPE/CdG), integrante da equipe que criou o Plano Real nos início dos anos 1990 e membro do Codace.

Nos Estados Unidos, o Escritório Nacional de Pesquisa Econômica (NBER, na sigla em inglês), instituto privado fundado em 1920 cujas definições dos ciclos econômicos são usadas pelo governo americano e no qual o Codace se inspira, também agiu mais rapidamente do que o usual. No último dia 8, soltou comunicado registrando o início de uma recessão nos Estados Unidos em março passado - a recessão do "subprime", por exemplo, só teria a data de início, dezembro de 2007, confirmada pelo NBER em dezembro de 2008.

Ao decidir confirmar logo o início da recessão causada pela pandemia, tanto o NBER quanto o Codace foram mais rápidos do que economistas do mercado financeiro, que nem precisaram falar em "recessão técnica". O jargão, comumente usado no "economês", é definido, simplesmente, como a situação em que a variação do PIB trimestral registra duas quedas seguidas, sempre na comparação com o trimestre imediatamente anterior.

Apesar da definição aparentemente objetiva e de fácil entendimento, curiosamente, o termo passa longe dos estudos acadêmicos da teoria econômica e não é encarado como um conceito por pesquisadores. Segundo Oreiro, da UnB, não passa de uma "convenção".

A origem do termo está numa tentativa, por economistas americanos, de identificar quando começa uma recessão. Em artigo de maio de 2008, publicado no site "CNN Money", os economistas Lakshman Achuthan e Anirvan Banerji, cofundadores do Instituto de Pesquisa do Ciclo Econômico (ECRI, na sigla em inglês), chamam a ideia de "simplista". Os autores identificam a origem da "recessão técnica" num artigo de 1974, de Julius Shiskin, que foi economista-chefe do Escritório do Censo dos Estados Unidos e professor da Universidade Rutgers.

Publicado no jornal "The New York Times", o artigo procura oferecer uma lista de condições que "quase qualquer um pode usar" para definir uma recessão econômica. A primeira condição da lista é justamente registrar duas quedas trimestrais no PIB. Shiskin cita outras, mas "ao longo dos anos o resto das regras de alguma forma foi deixado de lado, sobrando apenas a 'dois trimestres de PIB em queda'", escrevem Achuthan e Banerji, chamando a lista de Shiskin de "regra de bolso" e, como tal, "está longe de ser perfeita".

Tanto o artigo de 1974 quanto o de 2008 foram escritos em momentos em que informações conjunturais da economia americana sugeriam que uma recessão estava em curso - economistas e o público se preocupavam em confirmar a ocorrência. A ansiedade se justifica porque a determinação dos ciclos de recessão ou expansão da economia leva tempo, como mostra o trabalho tanto do NBER quanto do Codace.

Ao registrar o início da recessão atual no primeiro trimestre deste ano, o Codace aproveitou para refinar a datação dos ciclos anteriores - criado em 2004, o comitê analisou a economia brasileira desde o início da década de 1980. Assim, fixou o ciclo recessivo anterior ao atual entre março de 2014 e dezembro de 2016, passando por 11 trimestres, com um total de 33 meses. Assim, a recessão de 2014-2016 passou a ser a mais prolongada da história - a recessão de 1989 a 1991, que também passou por 11 trimestres, teve 30 meses, entre junho de 1989 a dezembro de 1991. Após revisões feitas pelo próprio IBGE, a recessão de 2014-2016 já não era a mais intensa da história.

Agora, apenas nos dois primeiros trimestres deste ano, a recessão da covid-19 poderá acumular a maior retração do PIB da história, com tombo de 11,9% nas projeções do Ibre/FGV.

Estadão
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