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Coronavírus

Negação e descaso: o preço que pagamos são 371,6 mil óbitos por covid-19

Governos negligentes desacreditaram da vacinação, estimularam aglomerações e impuseram aos seus cidadãos muito sofrimento

20 abr 2021 - 04h10
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Os últimos dados da OMS para o Brasil mostram que, entre 3 de janeiro de 2020 e 19 de abril de 2021, ocorreram 13,9 milhões de casos confirmados de covid-19 e 371,6 mil óbitos. No ranking mundial, o Brasil está atrás somente dos Estados Unidos em número de óbitos acumulados e detém o recorde de 2.929 óbitos diários, que representam nada menos de 17% do total mundial de vidas perdidas em um dia. É uma proporção alarmante, tendo em vista que a população brasileira é de apenas 2,7% da mundial. Não surpreende, portanto, a gravidade do sofrimento e dos impactos familiares, sociais, econômicos e políticos causados pela pandemia ao longo de um ano.

A covid-19 se espalhou pelo mundo de forma descontrolada e com velocidade assustadora, infectando milhões de pessoas e levando a atividade econômica à quase paralisação. À medida que os países e governos mais responsáveis foram impondo fortes restrições à movimentação de pessoas para deter a disseminação do vírus, aliviar a sobrecarga aos sistemas de saúde e reduzir os números elevados de óbitos, os danos econômicos tornaram-se evidentes. Desde a Grande Depressão dos anos 1930, a disseminação do coronavírus provocou o maior e mais abrangente choque para a economia mundial.

De imediato, governos responsáveis se viram diante da difícil escolha entre combater a pandemia com medidas drásticas de isolamento social, de um lado, e relaxar as medidas protetivas para estimular a economia. A demora na possibilidade de ter uma vacina eficaz tornou esse dilema ainda mais agudo. Países que souberam impor medidas de isolamento e proteção conseguiram reduzir perdas humanas e voltar muito gradualmente a uma certa normalidade econômica. Países que negligenciaram a letalidade da covid-19 e a rapidez da sua propagação afundaram em prolongada recessão econômica, mostrando com tal atitude que acreditar na recuperação da economia sem o controle da pandemia era um falso e absurdo dilema. Governos que foram negligentes, desacreditaram da vacinação e estimularam aglomerações impuseram aos seus cidadãos muito sofrimento e desesperança. No Brasil, o posicionamento em direção oposta do governo de São Paulo abriu caminho para que tivéssemos, até agora, mais de 26 milhões de vacinas administradas.

Entidades multilaterais de fomento e crédito preveem ainda contração elevada do PIB global e certa continuidade da recessão global mais profunda em décadas. Isto, apesar dos esforços extraordinários dos governos para conter a desaceleração, com apoio da política fiscal e monetária. Em um horizonte mais longo, os efeitos desencadeados pela pandemia deixarão cicatrizes duradouras, em termos de investimentos mais baixos, erosão do capital humano por causa da perda de emprego e de escolaridade, assim como a desarticulação do comércio global e das cadeias de produção e abastecimento. De toda essa tragédia fica a consciência, entre economistas e tomadores de decisão responsáveis, da necessidade de ação urgente para amortecer as consequências econômicas e na saúde pública, proteger as populações vulneráveis e preparar o terreno para uma recuperação consistente e duradoura.

Em um país como o Brasil, teria sido fundamental fortalecer o sistema de saúde pública, enfrentar os desafios da informalidade e do desemprego, assim como implementar reformas que poderão dar apoio ao crescimento, tão logo a crise de saúde não represente mais perigo. Mas, infelizmente, o que tivemos até agora vindo do governo federal foram mensagens de negação da realidade, descaso pelas perdas de vidas e pelo sofrimento, descrédito nas vacinas e crenças em poções mágicas. Com tantos militares no governo e conhecedores da Arte da Guerra de Sun Tzu, teria sido importante aplicar seus conceitos de forma mais moderna a esta guerra contra o coronavírus: 1) Decisões baseadas em fatos; 2) Consciência do tempo necessário; 3) Mapeamento do que está acontecendo aqui e no mundo; 4) Participação e atuação do líder; 5) Organização, gestão, informação e tecnologia. Faltou isso. Entramos na guerra para perder.

*ECONOMISTA, CONSULTOR DE ENTIDADES PÚBLICAS E PRIVADAS, É COORDENADOR DO NÚCLEO DE ESTUDOS URBANOS DA ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DE SÃO PAULO

Estadão
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