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Coronavírus

Mandetta e os bastidores da escalada negacionista: uma tragédia anunciada; leia análise

Enquanto os cientistas e os quadros técnicos do Ministério da Saúde tentavam seguir as orientações da OMS, o governo Bolsonaro se apoiou em decisões políticas

4 mai 2021 - 19h38
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Começaram os trabalhos da CPI da Covid no Senado Federal e a composição desfavorável ao governo, somada à desarticulação da sua "tropa de choque", confirmaram o seu potencial de estrago para a administração Bolsonaro. O primeiro escolhido a depor foi o ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que narrou em pormenores quais foram os primeiros degraus da escalada negacionista que segue em curso em nosso país por parte do governo federal.

Havia ainda pouca informação no início da sua gestão sobre qual seria o impacto da pandemia quando ela chegasse ao Brasil. O Sistema Único de Saúde e o conhecimento acumulado nos meses em que a covid já se espalhava pela Ásia e Europa jogavam a favor das estratégias que poderiam ser adotadas pelo governo, mas a desigualdade no acesso aos equipamentos de saúde e as profundas desigualdades sociais, que são uma marca do nosso país e que se refletem na infraestrutura precária das nossas periferias, sinalizavam o potencial catastrófico que a pandemia poderia ter no Brasil.

O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta durante depoimento na CPI da Covid 
O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta durante depoimento na CPI da Covid
Foto: JEFFERSON RUDY / AGÊNCIA SENADO / Estadão

Com a confirmação do primeiro caso e posteriormente do primeiro óbito pela covid, o que se viu foi aquilo que o depoimento de Mandetta nos confirmou: enquanto os cientistas e os quadros técnicos do Ministério da Saúde tentavam seguir as orientações da OMS e se apoiavam nas projeções catastróficas - e realistas - sobre a quantidade de óbitos que teríamos, o governo Bolsonaro, talvez prevendo a sua incapacidade de lidar com a pandemia e o potencial de estrago sobre o seu governo, preferiu se apoiar mais em decisões políticas que beneficiassem a imagem do presidente perante seus apoiadores do que de fato combatê-la. Não à toa o presidente se ancorou em uma estratégia baseada em quatro pilares a partir de então para manter seus índices de popularidade: negar ocasionalmente a dimensão da pandemia, criar "inimigos" políticos de maneira permanente (como a imprensa, os governadores de Estado, e a "China comunista"), apostar em soluções que não apresentam qualquer comprovação científica (como o isolamento vertical e a cloroquina), e apresentar à população o falso dilema economia versus saúde.

Estava dada, assim, a receita inicial do nosso atual desastre, que já se desenhava desde então. Um governo que não se apoiaria na ciência para combater uma pandemia, e, sim, em narrativas políticas que visariam a sua própria sobrevivência, não teria como ter sucesso em salvar o máximo de vidas possível.

E a CPI da Covid está apenas começando os seus trabalhos.

*É DOUTOR EM CIÊNCIA POLÍTICA PELA USP

Estadão
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