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Litoral de SP se prepara para praias lotadas no feriado e 'carteirada' contra fiscalização

Fiscais percorrem as faixas de areia com a missão de orientar frequentadores sobre o que ainda está proibido

4 set 2020 - 23h06
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O vigilante José Lopes levou 40 anos para pisar pela primeira vez em uma praia. Cercado de familiares, ele ainda tentava formar uma opinião sobre a nova experiência quando foi perguntado: "E aí, gostou?" De máscara, assim como todos seus parentes, Lopes foi honesto. "Não sei. Acho que não sou muito de mar. A máscara atrapalhou, talvez. Não sei bem o que pode ou não fazer aqui. Foi estranho", disse.

Lopes deve dar uma segunda chance ao mar. A experiência dele foi a mais corriqueira em tempos pandêmicos. De modo geral, apesar dos visíveis esforços de comunicação, os banhistas do litoral sul vivem as mesmas incertezas do estreante: Pode armar o guarda-sol? E sentar na canga? Futebolzinho é liberado? Pode surfe, mas não pode dar um mergulho?

Na dúvida, a sensação é de que se pode tudo. Não à toa, flagramos fiscais da Prefeitura de Guarujá percorrendo uma grande extensão da praia de Pitangueiras com a missão de orientar frequentadores sobre o que ainda está proibido. A abordagem quase sempre era seguida de alguma discussão (mesmo que civilizada) ou de alfinetadas irônicas por parte dos banhistas.

Cadeiras e guarda-sóis eram retirados por um segundo, mas logo voltavam aos seus pontos de origem. Partidas de futebol ou futevôlei também eram interrompidas momentaneamente - para recomeçarem assim que a fiscalização tivesse ido embora.

Um dos fiscais relatou que o trabalho tem sido complicado. "Não é só juiz que tenta dar carteirada, não (referindo-se ao caso do desembargador Eduardo Almeida Prado Rocha de Siqueira, que sem a proteção facial, destratou um guarda municipal)", disse. "Tem gente que vem pra cima mesmo e quase parte para a agressão", continuou.

Um dos salva-vidas da Praia do Guaiúba também relatou o quanto sua função tem sido ingrata. "O esporte no mar está liberado, mas o banho de mar ainda não. Não tenho autoridade, não posso tirar as pessoas da água. Eu apelo para a consciência delas, mas é muito difícil".

Fiscais, salva-vidas e moradores do litoral estão esperando ainda mais incompreensão e desobediência para esse final de semana, o do feriado de 7 de setembro. "Vai ser bruto, uma loucura. Estamos chamando a faixa de areia de faixa de Gaza", disse uma fiscal da Prefeitura de Guarujá. "No final de semana, isso aqui vai ficar incontrolável", comentou o banhista Weslen Jhonni, de 23 anos.

Mesmo os comerciantes estão assustados com as previsões de aglomeração. Elson de Oliveira, 67 anos, dono do quiosque Céu e Mar, em Guaiúba, teme que seja impossível seguir as normas de distanciamento. "Vamos fazer o possível, mas as pessoas também precisam colaborar e ter educação", disse. Já na barraca de batidas em Santos, na pontinha da praia, Richard Moura, de 19 anos, decidiu que não vai trabalhar esse final de semana. "Com a covid aí, o risco não vale a pena", comentou.

Na última quarta-feira, 2, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), anunciou que vai reforçar a fiscalização para evitar aglomerações no litoral durante o feriado do Dia da Independência - no total serão 20 mil PMs em diversas cidades do Estado. Os prefeitos também solicitaram ao Governo do Estado a realização de uma operação especial na orla das nove cidades da região durante o fim de semana prolongado, com o envio de policiais militares de outras regiões para apoiar o efetivo local e as guardas municipais.

Esperança

Mais otimista está o gerente do Parque Balneário Hotel, Reginaldo Cunha. Segundo ele, o hotel em Santos atingirá a ocupação máxima permitida (60% dos leitos). Por isso, todo o processo de higienização dos quartos vem sendo feito com afinco nos últimos dias. Para evitar riscos, as camareiras podem arrumar um quarto ocupado apenas a cada 3 dias. Além disso, o processo de limpeza é feito com todos os equipamentos de segurança", contou.

As praias também estão sendo ocupadas com consciência. A aposentada Erotildes Medeiros, de 67 anos, não chega perto do calçadão sem levar um kit de proteção: álcool em gel, álcool líquido e cândida. "Ao ar livre, eu me sinto mais segura. Acho menos perigoso. Mas, ainda assim, todo o cuidado é pouco. Saio de caso com tudo o que eu posso para me proteger", contou.

A advogada Michelle Alves, de 30 anos, e a dona de casa Eliane Maria Carvalho, de 35 anos, foram levar as crianças para brincar na areia. Além das máscaras, as amigas estavam com vidrinhos de álcool em gel nos bolsos. "Hoje, álcool em gel é como protetor solar, você não pode vir para a praia sem ele", falou Michelle. "Além disso, a gente presta atenção no distanciamento. Acho que conseguimos não aglomerar com outros banhistas", completou Eliane.

Um bom exemplo praiano era o cuidado do vendedor de sorvete Dominiciano Antônio, 35 anos. Além de manter o distanciamento, de usar todos os equipamentos de segurança, ele também colocava álcool em gel na mão de cada cliente, principalmente crianças. O cuidado chamou atenção de muitos frequentadores, que elogiaram a iniciativa do ambulante. "É o jeito que a gente tem de continuar trabalhando com segurança. Acho que as coisas devem começar a melhorar agora", disse.

O gesto do sorveteiro, embora aplaudido, não teve muitos seguidores entre os próprios clientes. Na praia, aparentemente, ganha força a visão de que "quem está trabalhando precisa usar máscara para proteger quem está sendo servido". Embora não faça nenhum sentido do ponto de vista dos cuidados em relação ao coronavírus (e nem de nenhum outro ponto de vista), a diferenciação entre banhistas e trabalhadores foi exposta por mais de um entrevistado. O mar ainda não está para peixe.

Estadão
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