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Coronavírus

Com pandemia, cirurgias eletivas têm queda de 25,9% no 1º semestre no País

Levantamento do Conselho Federal de Medicina acende alerta para o risco de agravamento de problemas crônicos. 'Não podemos deixar que outras doenças sejam esquecidas', diz representante do CFM

13 set 2021 - 17h00
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Mesmo com o avanço da vacinação, a covid-19 ainda impacta o andamento das cirurgias eletivas no País. Segundo um levantamento do Conselho Federal de Medicina (CFM), os procedimentos tiveram queda de 25,9% no primeiro semestre deste ano em relação ao mesmo período de 2019, no pré-pandemia. O pico de infecções, o medo da população e dificuldade para atender a demanda reprimida estão entre os motivos para o problema. Mutirões para diminuir a fila estão entre estratégias adotadas por Estados e municípios, como a capital paulista.

Os dados, do Sistema de Informações Ambulatoriais do Sistema Único de Saúde (SIA-SUS), mostram que 4.186.892 procedimentos foram realizados nos primeiros seis meses de 2019. Neste ano, foram 3.099.006. A queda preocupa integrantes do conselho, que alertam para o risco de agravamento de doenças crônicas, até porque a redução também foi notada nas demais etapas do atendimento, como consultas e exames. O levantamento apontou que o direcionamento de leitos para covid e a restrição de acesso aos hospitais resultaram em uma queda de 27 milhões no número desses procedimentos.

"Tivemos vários fenômenos biológicos e sociais ao mesmo tempo. Em relação ao SUS, já tínhamos um sistema já no limite em 2019, conforme vários estudos já constatavam. Então, com uma doença desconhecida altamente contagiosa, houve o temor da população, que deixou de procurar os serviços médicos ficando em casa, mas isso tem um preço, que foi atrasar alguns diagnósticos, principalmente nas áreas de câncer e cardiovascular. Algumas cirurgias eletivas podem ser adiadas por um tempo, como as estéticas, de hérnia, de varizes. Outras não são assim", explica Donizetti Giamberardino, primeiro vice-presidente do CFM.

Na avaliação dele, será necessário um processo de organização para evitar que o quadro se agrave no próximo ano. "Existe a necessidade de o governo se organizar para, em 2022, ver se consegue retomar isso. Temos a doença presente e muitos hospitais que ainda atendem covid. É muito difícil um hospital não ter covid.. O que precisamos é que todos os gestores de saúde que têm se empenhado na pandemia se dediquem às outras patologias que não covid. Não pode mais, após um ano e meio, deixar que outras doenças sejam esquecidas."

Um dos exemplos de fila dado pela entidade foi a de cirurgias cardiovasculares, que contabiliza cerca de 60 mil pacientes aguardando por uma operação, de acordo com dados levantados pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular (SBCCV).

Outro ponto de preocupação do CFM é com o controle da pandemia e o impacto das novas variantes. E em como isso vai poder continuar interferindo nos atendimentos eletivos e na saúde dos pacientes com doenças crônicas.

"Se olharmos o cenário atual, podemos vislumbrar que, com a vacinação, podemos ter estabilidade, mas ainda temos um número razoável de pessoas a serem vacinadas. Esse porcentual não vacinado, se infectado pela nova variante, teremos de ver como vai ser a resposta epidemiológica. Nós defendemos a necessidade de distanciamento social, na medida do possível, uso de máscaras, mas é necessário esse olhar para a população que precisa retomar o seu cuidado à saúde para não termos outra avalanche de problemas que conseguíamos controlar", diz o coordenador do trabalho Hideraldo Cabeça, primeiro secretário do CFM e diretor de comunicação, tecnologia e informação do órgão.

Espera traz angústia e agrava problemas

Há um ano e três meses, uma doméstica de 45 anos, que preferiu não se identificar, sofre com uma espera dupla: ela tenta marcar uma cirurgia para reverter uma colostomia que precisou fazer após um acidente e ainda aguarda por outro procedimento de correção de uma hérnia na virilha. O problema é que cirurgias eletivas como a dela deixaram de ser realizadas ou foram reduzidas drasticamente durante a pandemia, já que os leitos de internação foram destinados aos pacientes com covid.

Moradora de Belo Horizonte, a doméstica diz que, além do sofrimento físico, está com depressão. "Com a colostomia não posso viver em sociedade. No meu acidente ainda perdi o movimento do braço. Preciso de ajuda", desabafa.

Como ela, são 33 mil pessoas na fila por um procedimento cirúrgico apenas na capital mineira. Belo Horizonte não chegou a interromper definitivamente a realização das cirurgias eletivas no ano passado, conseguindo manter o serviço na rede em número reduzido até maio deste ano, quando a pandemia se agravou e os hospitais ficaram ainda mais lotados. No caso do Estado de Minas Gerais, estima-se que aproximadamente 113 mil cirurgias não ocorreram no ano de 2020, das quais 13 mil seriam de emergência e 100 mil eletivas.

Provavelmente a paciente não conseguiu ser operada porque a prioridade, segundo a prefeitura de Belo Horizonte, foi para casos em que a espera pela cirurgia representava um risco maior do que uma possível infecção pela covid-19. Mas a assessoria da prefeitura disse, em resposta ao caso citado pela reportagem, que todos os esforços estão sendo feitos para recuperar o tempo perdido.

Atualmente 20 hospitais municipais estão realizando os procedimentos - de janeiro a junho foram feitas 10 mil cirurgias. A prefeitura disse que ainda não tem um balanço das operações realizadas desde então, pois os dados são atualizados a cada 90 dias.

No Rio Grande do Norte, conforme levantamento da Secretaria de Estado da Saúde Pública (Sesap/RN), pelo menos 13 mil pessoas aguardam cirurgias não urgentes que vão desde a retirada de hérnias à histerectomia. O número, porém, poderia ser ainda maior. Segundo a pasta, as cirurgias ortopédicas e vasculares represadas não entram nessa lista. Para elas, são realizados mutirões regulares para dar vazão à crescente demanda.

Somente no primeiro semestre deste ano, de acordo com o Setor de Estatísticas do Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel, a maior porta de urgência e emergência pública do Estado para traumas, localizado em Natal, foram realizados 2.662 atendimentos de vítimas de acidentes somente com motocicletas. Em agosto, uma médica neurologista que atua na unidade denunciou em redes sociais a superlotação nos corredores da unidade, com pacientes à espera de exames de alta complexidade e cirurgias diversas. A Sesap/RN afirmou que um acordo deverá ser firmado entre a pasta e cooperativas médicas para que as cirurgias eletivas sejam retomadas nos próximos dias.

Uma das pessoas que esperam essa resolução é a dona de casa Ingrid Alcântara. Ela é mãe de Itallo Henrique Tomaz de Lima, de 6 anos. A criança, que tem microcefalia, necessita de duas cirurgias ortopédicas, sendo uma no pé e outra no quadril. Pela intervenção no quadril, ele aguarda há dois anos.

"Já passei por três ortopedistas. Os médicos dizem que não estão fazendo a cirurgia do quadril e é preciso esperar", lamenta. Conforme detalhado por Ingrid, com o passar do tempo o problema de seu filho evoluiu. "Nesse tempo todo, a luxação piorou. Quando vamos trocar fraldas, o Itallo chora quando mudamos ele de posição. Ele não consegue ficar muito tempo de lado", relata. /COLABORARAM ALINE RESKALLA E RICARDO ARAÚJO, ESPECIAIS PARA O ESTADÃO

Estadão
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