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Coronavírus

Casos de covid caem, mas Estados citam problemas de registro

Mudança em sistema do SUS para notificar infectados afeta SP; especialistas dizem que falhas do tipo dificultam perceber oscilações na curva

15 set 2021 - 13h40
(atualizado às 14h12)
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Consumidores fazem compras em rua comercial de São Paulo em meio a disseminação da Covid-19
21/12/2020
REUTERS/Amanda Perobelli
Consumidores fazem compras em rua comercial de São Paulo em meio a disseminação da Covid-19 21/12/2020 REUTERS/Amanda Perobelli
Foto: Reuters

O Brasil tem registrado uma queda de 35% no número de infectados pela covid-19, diante do avanço da vacinação. Parte dos gestores de Saúde, porém, relata problemas na notificação de casos, o que afeta uma descrição mais precisa do cenário. É o caso de São Paulo, Estado mais populoso do País. Especialistas avaliam que a tendência global tem sido de redução, mas essas falhas no sistema dificultam a identificação de oscilações na curva.

Na terça-feira (14), a média móvel nos últimos 7 dias foi de 15.165 diagnósticos por dia - a menor desde 20 de maio de 2020 (quando estava em 14.647). Quinze dias antes, a média era 35% maior, com 23.266 novos casos por dia. Na terça, por exemplo, São Paulo registrou 881 novos casos. No dia anterior, havia sido apenas 337. Há uma semana o balanço era de 2.080 casos e, depois disso, houve redução abrupta e o número caiu para menos da metade.

Coordenador Executivo do Comitê Científico que assessora o governo paulista, João Gabbardo disse que as mudanças no sistema do SUS afetaram São Paulo e que o impacto foi a queda no número de casos e óbitos. "Nesta semana epidemiológica, que concluímos no último sábado, tivemos um número de novos casos muito pequeno e não estamos considerando como a realidade, porque teve uma queda de 70% nos casos em relação à semana (epidemiológica) anterior e, nos óbitos, foi de quase 35%", disse.

O governo de São Paulo apontou que, para atualizar sobre as mudanças, o DataSUS realizou apenas uma reunião em 27 de agosto, sem treinamento, e liberou a nova ferramenta no dia 8 de setembro. "Desde então, as equipes trabalham na adequação dos processos, que devem ser normalizados ainda nesta semana", explicou, em nota.

Como São Paulo concentra o maior volume de estatísticas de covid-19 do País, o impacto no número nacional é grande. Antes do início dos problemas, o Estado concentrava cerca de 20% das notificações de infectados do Brasil. Nos últimos dias, esse patamar despencou para cerca de 10%.

Segundo Gabbardo, a previsão é de que o próximo balanço semanal tenha um aumento de casos e isso pode ser resultado dos números represados. "Já passamos por outra situação como essa, com número de casos menor. E, na semana seguinte, tem o aumento por correção ou notificações." Ele diz que a expectativa é de que o sistema seria estabilizado até esta terça-feira (14).

Além de São Paulo, ao menos dois Estados também relataram inconsistências no e-SUS Notifica, plataforma usada para registrar informações relacionadas à covid-19. A Bahia enfrentou dificuldades com o sistema no sábado, enquanto Pernambuco disse que não conseguiu contabilizar grande parte dos casos na terça-feira em razão dos problemas.

O Estadão apurou que o Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (Conass) recebeu reclamações sobre o sistema e tem buscado o Ministério da Saúde para resolver o problema. Procurados, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Distrito Federal informaram que não tiveram os dados afetados por atualizações do SUS. Procurado, o Ministério não se manifestou até as 13 horas sobre as falhas no e-Sus Notifica.

A mudança não afetou as informações sobre internações, porque, nesse caso, o Estado de São Paulo utiliza um sistema próprio. No último levantamento, os números permaneceram estáveis, o que saiu da tendência de queda que vinha sendo observada. "Pela primeira vez em 12 semanas, ficou quase com o mesmo número da semana epidemiológica anterior. Estava tendo redução de novas internações e passou de 639 internações por dia no Estado para 641. Não houve um aumento significativo, mas houve uma estabilização. Vai ser importante acompanharmos a evolução de novas internações", alertou Gabbardo.

O avanço da variante Delta, mais transmissível, tem preocupado especialistas e causado alta de hospitalizações pelo mundo. Estudos já mostraram que uma dose das vacinas da Pfizer e da AstraZeneca, por exemplo, é insuficiente para proteger contra a cepa, mas duas injeções têm eficácia.

Bruno Naundorf, que integra o Gabinete de Crise do Rio Grande do Sul, afirma que houve problema com o registro de algumas remessas de dados há duas semanas, quando o novo sistema foi implementado, mas que a situação já se normalizou no Estado. Ele observa ainda que o quadro de internações em leitos de UTI e enfermaria referentes a agosto caíram de 9,5 mil para 1,2 mil em relação ao mesmo período do ano passado.

"Se a vacina faz com que se tenha redução de sintomas, pode ser que tenhamos mais assintomáticos que não estejam procurando atendimento médico. Mas isso é um achismo e, por ora, vemos que a queda de casos se dá de forma consistente nos dados diários de internação", aponta Naundorf.

Exclusivamente na terça-feira, o Rio de Janeiro disse que enfrentou problemas no sistema de notificação do Ministério e não conseguiu divulgar o número de casos e mortes. O secretário de Saúde do Rio, Alexandre Chieppe, afirma que há "claramente uma redução e melhora nos indicadores" do Estado. "É um momento ainda de alerta, mas também de mostrar que agora vemos cada vez mais perto a luz no fim do túnel."

No Distrito Federal, o secretário de Saúde General Manoel Luiz Narvaz Pafiadache afirmou que o nível de internações tem melhorado gradativamente. A estratégia agora é concentrar os pacientes de covid em um hospital de campanha e, assim, vagar leitos de UTI e enfermaria para as cirurgias eletivas represadas durante a pandemia e prestar atendimento aos pacientes oncológicos.

Atraso e fragilidade das notificações

Mellanie Fontes Dutra, coordenadora da Rede Análise Covid-19, explica que atrasos na notificação de novos casos são comuns no Brasil. "Isso acaba represando o número de casos", diz. Depois de dias com casos em baixa, é comum haver picos de notificação como reflexo desse represamento, o que pode acontecer nos próximos dias.

Outro fator apontado por Mellanie é a falta de um programa de testagem eficiente e constante. "A nossa testagem é muito mais reativa. Só captamos uma porção das pessoas sintomáticas que têm acesso aos testes", diz. Assim, muitos pesquisadores não costumam usar o número de casos como forma de monitorar a pandemia.

Para contornar a situação, a Fiocruz mantém uma plataforma com informações sobre a taxa de positividade dos testes. Dessa forma, a quantidade de casos é relativizada pelo número total de testes realizados e o dado é mais consistente. Diego Xavier, pesquisador da instituição, explica que locais com taxa de positividade acima de 5% estão com a transmissão descontrolada.

No Brasil, a média móvel da taxa de positividade passou de 12,4% no dia 8 de setembro para 45% no dia 13. No entanto, até esse dado deve ser analisado com cuidado. Xavier diz que as mudanças feitas no e-SUS Notifica podem estar levando os Estados a reportarem apenas os casos positivos, o que distorce a taxa de positividade e a faz disparar.

Isaac Schrarstzhaupt, pesquisador da Rede Análise Covid-19, reforça que é preciso cautela ao relacionar diretamente a queda expressiva no número de casos com uma melhora mais acelerada da pandemia. "Quando olhamos de perto para os dados, vemos claramente que houve algum problema." Ele diz que essa não é a primeira vez de forte redução nos números da pandemia no Brasil.

No início do ano, o Ministério da Saúde fez alterações no Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe (Sivep-Gripe), onde os Estados inserem dados de internação por covid, o que gerou represamento de dados. O pesquisador lembra que em 2020 também houve um "mini apagão". / COLABORARAM JOÃO KER e ÍTALO LO RE

Estadão
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