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Coronavírus

Brasil e Uruguai

No combate à pandemia, não nos enganemos: estamos levando um baile do país vizinho

26 jun 2020 - 04h11
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Dia 16 de julho os uruguaios comemorarão 70 anos de sua lendária vitória sobre o Brasil na final da Copa de 1950, perante 199 mil torcedores que abarrotavam o recém-inaugurado Maracanã. Nas décadas seguintes, o Brasil encantaria o mundo com seu futebol, sagrando-se tricampeão mundial, em 1970, e penta, em 2002. Para nós, brasileiros, contudo, não importa de que idade, o maracanazo de 1950 continuou entravado na garganta. Uma amargura mal resolvida que, depois de tantos anos, teima em nos assombrar cada vez que, mesmo como franca favorita, a seleção brasileira enfrenta a uruguaia. Coisas do futebol.

Mas os uruguaios têm agora outra razão incomparavelmente mais importante para comemorar: seu desempenho espetacular no macabro torneio mundial de combate à pandemia. Num momento em que o Brasil já acumula mais de 55 mil mortes decorrentes da covid-19, o Uruguai registra não mais que 26. Isso mesmo, 26 mortes.

Há que ter em conta, claro, que o Brasil, com 211,7 milhões de habitantes, tem uma população 60 vezes maior que seu vizinho de 3,5 milhões de habitantes. O razoável, portanto, é que a letalidade da covid-19 nos dois países seja recalculada por milhão de habitantes.

No Brasil, a pandemia já trouxe 259,8 mortes por milhão de habitantes. No Uruguai, 7,4 mortes.

A comparação é acachapante. Com base nessa métrica, o desempenho do Brasil no combate à pandemia mostra-se mais de 35 vezes pior que o do Uruguai. É bom notar que não se trata de comparação com Nova Zelândia, Austrália, Cingapura ou Japão. E, sim, com outro país sul-americano, limítrofe, com o qual temos tanto em comum.

Não faltará quem alegue que, sendo o Uruguai um país pequeno, menos desigual, com população mais educada, melhores condições de saneamento básico e um sistema de saúde mais eficaz, não é surpreendente que venha tendo mais sucesso no combate à pandemia.

Tudo isso, claro, pode e deve ser levado em conta. E talvez pudesse explicar que o desempenho do Brasil fosse, digamos, 10 vezes pior. Mas o que os dados mostram, vale repetir, é que nossa performance foi, por enquanto, mais de 35 vezes pior.

Não há espaço para autoengano. No combate à pandemia, o Brasil está levando um baile do Uruguai. A comparação deixa exposta a extensão da trágica lambança que estamos aprontando. E, também, a extraordinária competência com que os uruguaios souberam se mobilizar para combater a covid-19.

Tal como no Brasil, o Uruguai vem padecendo de inegável polarização política. Mais civilizada do que a que se vê por aqui, mas, ainda assim, acirrada. No segundo turno da eleição presidencial do final do ano passado, Luis Lacalle Pou, à frente de uma coalizão de centro-direita, ganhou com 50,8% dos votos válidos, ante 49,2% do candidato de centro-esquerda.

Mal empossado em 1.º de março, com um discurso de conciliação nacional, o novo presidente se viu às voltas com a chegada da pandemia ao Uruguai. Mas a polarização política não impediu que, extraindo lições corretas dos erros e acertos de países que já haviam sido colhidos pela pandemia, os uruguaios articulassem um combate concertado e extremamente eficaz à covid-19.

Em contraste com o negacionismo sarcástico e eleitoreiro de um presidente entregue ao obscurantismo sanitário, em Brasília, o que se viu em Montevidéu foi um governo respaldado por assessoria científica de excelente nível e firmemente empenhado em liderar o país no combate à pandemia, com entrevistas coletivas diárias na televisão, em que se revezavam ministros e o próprio presidente da República.

Sem recurso a medidas compulsórias de distanciamento social, o novo presidente soube apelar para o espírito cívico dos uruguaios para conseguir que o país aderisse em massa a longo esforço voluntário de confinamento.

Ao constatar o desempenho excepcional que vem tendo o país vizinho no combate à pandemia, não há como evitar um sentimento de profunda inveja dos uruguaios por terem podido contar com um governo que não lhes faltou quando mais lhes foi necessário.

*ECONOMISTA, DOUTOR PELA UNIVERSIDADE HARVARD, É PROFESSOR TITULAR DO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA PUC-RIO

Estadão
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