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Coronavírus

Bolsonaro e seu turbilhão de desavenças com o Congresso, o Judiciário e a sociedade

Presidente continua pronto a ampliar o tamanho de cada nova crise com que vem tendo de lidar

16 abr 2021 - 04h10
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Jair Bolsonaro parece estar enfrentando uma tempestade perfeita. Mas não falta quem pondere que o presidente está só colhendo as incontáveis ventanias que plantou. E o espantoso é que, não obstante suas múltiplas agruras, Bolsonaro continua pronto a ampliar o tamanho de cada nova crise com que vem tendo de lidar. O Planalto converteu-se numa máquina de turbilhonamento do governo e de suas relações com o Congresso, o Judiciário e a sociedade como um todo. E, é claro, de agravamento do clima de alta incerteza em que já vem operando a economia.

O que se vê é um quadro de preocupante esgarçamento do governo. E como, da perspectiva do Planalto, tudo parece estar dando errado ao mesmo tempo, o presidente mostra-se a cada dia mais desarvorado, propenso a se afogar em todas as poças. De crise em crise, Bolsonaro escancara seu despreparo para lidar com um mínimo de serenidade e racionalidade com os complexos desafios que está fadado a enfrentar até o final do mandato.

O avassalador recrudescimento da pandemia tirou o governo do prumo. Com o País prestes a ultrapassar o macabro limiar de 400 mil mortes, até o início de maio, o presidente tem perfeita consciência de que, mais cedo ou mais tarde, será chamado a prestar conta dos inacreditáveis desmandos que se permitiu cometer desde o início da pandemia.

O episódio da instalação da CPI no Senado deixou mais do que claro quão precária era a suposta blindagem, no Congresso, com que o Planalto contava para se esquivar dos riscos dessa responsabilização. Rodrigo Pacheco procrastinou enquanto pôde a criação da CPI da Pandemia, mas não teve como evitar que, na esteira do clamor da opinião pública com a devastação da pandemia, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinasse a instalação da CPI que, há muito, vinha sendo demandada por quase 40% dos senadores.

Diante de desfecho tão adverso, o governo poderia ter feito uso de vasto leque de manobras, mais do que conhecidas, para conter os danos da CPI, tirar-lhe o foco e conspirar contra sua eficácia. Mas, em consonância com a forma destrambelhada com que se vem comportando, Bolsonaro preferiu confrontar o STF. E desgastar-se, a não mais poder, com a divulgação de uma conversa telefônica com um senador da República, em que tramava, em represália pela criação da CPI, nada menos que o impeachment de ministros do Supremo.

Não é de hoje que o Planalto vem tendo dificuldade para conter sua crescente irritação com o STF. A CPI foi apenas a última palha. Sem ir mais longe, basta lembrar as derrotas que lhe foram impostas pelo Tribunal na disputa sobre a competência de Estados e municípios no combate à pandemia, na questão da extensão das medidas de lockdown a templos religiosos e, mais recentemente, na suspensão de parte da liberalização de acesso a armas, feita por decreto presidencial. Para não falar de derrotas políticas indiretas de grande importância, como a que adveio da anulação das condenações do ex-presidente Lula.

Tendo em conta a escalada da tensão entre o Planalto e o STF, o que hoje se teme é que a sabatina, no Senado, do nome que deverá ser indicado para preencher a vaga aberta pela aposentadoria do ministro Marco Aurélio Mello, em julho, se dê em clima já um tanto conflagrado.

O processo de esgarçamento do governo vem-se fazendo sentir de forma especialmente acentuada na condução da política fiscal. Só tendo conseguido tramitar o Orçamento de 2021 no final de março, o governo logo se deu conta de que a peça orçamentária aprovada pelo Congresso não poderia ser sancionada pelo Planalto, sem que o presidente ficasse exposto a ser acusado de ter cometido crime fiscal.

Nesse imbróglio, não houve quem tenha saído bem na foto. Nem o Congresso, nem o Planalto, nem o Ministério da Economia. E, em meio ao jogo de empurra e discussões de soluções estapafúrdias, o impasse continua, abril adentro. Não é bem o que se deveria esperar das autoridades responsáveis pela gestão de um quadro fiscal tão precário como o que hoje enfrenta o País.

*ECONOMISTA, DOUTOR PELA UNIVERSIDADE HARVARD, É PROFESSOR TITULAR DO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA PUC-RIO

Estadão
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