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Coronavírus

BIS alerta para descasamento entre mercado financeiro e economia real

Em seu relatório trimestral, a entidade diz que os mercados de ações têm alta durante a pandemia, apesar de a recuperação econômica dos países permanecer 'incompleta e frágil'

14 set 2020 - 09h26
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LONDRES e SÃO PAULO - O Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês) se juntou nesta segunda-feira, 14, a outros organismos multilaterais, formuladores de políticas e analistas para alertar sobre a possibilidade de existência de um descasamento entre os mercados financeiros e a economia real. Em seu relatório trimestral, a entidade que tem sede na Basileia, na Suíça, registrou que os ganhos financeiros foram constantes durante todo o período de avaliação, após o estresse agudo vivido em março por causa da pandemia de coronavírus. "Os mercados sobem apesar da recuperação econômica moderada", sintetizou.

O documento observou que a recuperação foi atribuída a políticas de apoio monetárias e fiscais, particularmente em algumas economias avançadas, bem como evidências de que a queda na atividade econômica havia sido interrompida. "No entanto, a recuperação econômica permaneceu incompleta e frágil", sustentou o Banco Central dos bancos centrais, citando o consenso de que o retorno às taxas de crescimento da tendência pré-crise era improvável. "Isso levantou questões sobre se os preços de ativos de risco haviam se desconectado da perspectiva econômica subjacente."

Houve sinais claros de avaliações historicamente altas nos mercados de ações e crédito corporativo, segundo a entidade, com os índices de ações dos Estados Unidos e da China ampliando seus ganhos de abril e maio e superando em agosto os elevados níveis do início do ano. Em outros mercados de ações, ponderou o texto, a alta foi mais moderada e os ganhos ficaram restritos a algumas empresas. Se os maiores avanços foram vistos nos setores de tecnologia e saúde, os de energia e finanças ficaram para trás, possivelmente refletindo mudanças estruturais induzidas pela pandemia.

O BIS comentou também que, nos mercados de crédito, os spreads diminuíram para níveis históricos de longo prazo, apesar das evidências de deterioração da qualidade do crédito.

Durante todo o trimestre, os bancos centrais se mantiveram ativos e, no fim de agosto, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) revelou seu novo quadro de política monetária, indicando um período mais prolongado de acomodação. A atuação ajudou a promover uma desvalorização do dólar, principalmente em relação às moedas de economias avançadas, e corroeu a vantagem de rendimento dos ativos atrelados à divisa americana. Além disso, uma postura de política monetária acomodatícia e notícias sobre novos programas fiscais em alguns países também forneceram suporte para os preços dos ativos.

"Os mercados de ações em geral viram um aumento notável entre julho e o início de setembro", lembrou o BIS, citando o desempenho dos mercados das duas maiores potências econômicas do globo. Tanto nos EUA quanto na China, conforme a instituição, começaram a aparecer sinais de superaquecimento.

"A evolução das avaliações agregadas parecia estar um tanto em desacordo com as perspectivas econômicas gerais", considerou, comentando que o fluxo de notícias macroeconômicas durante o período foi apenas moderadamente positivo. Até porque, acrescentou o relatório, apesar de algumas revisões para cima, as previsões de crescimento para a economia global permaneceram geralmente mornas, antecipando que as perdas recentes do Produto Interno Bruto (PIB) não serão recuperadas antes do fim de 2021.

Recuperação heterogênea

O documento ampliou a análise, salientando que no próprio mercado de ações a recuperação foi "altamente heterogênea" por setores e empresas. Para o BIS, o sentimento exuberante dos investidores sobre ações específicas no setor de tecnologia provavelmente se alimentou de si mesmo. "As apostas de que a alta iria continuar levaram a um forte posicionamento de compra nas opções de compra", citou, acrescentando que esses mecanismos autorrealizáveis também funcionam na direção descendente e que tendem a ser desestabilizadores.

De forma global, de acordo com o banco, a distribuição das mudanças de avaliação entre os setores foi consistente com as implicações desiguais da covid-19. "Confirmando a espuma geral apesar da diferenciação setorial, a maioria das avaliações do setor permaneceu esticada, situando-se perto do topo da distribuição histórica dos índices preço em relação ao lucro", enfatizou.

Outro ponto que pode ter ajudado na análise do investidor, segundo o BIS, é o de que o número de falências desde o início de 2020 em relação ao mesmo período dos cinco anos anteriores está menor. E isso se deve às medidas de apoio público. Mas houve um aumento das empresas "zumbis", assim chamadas porque continuam em operação, apesar de serem persistentemente não lucrativas. Elas, segundo o documento, são particularmente vulneráveis a crises econômicas.

O BIS abordou ainda que o estreitamento dos spreads ocorreu em face de uma oferta muito forte, com a emissão corporativa total até agosto ultrapassando os valores do período correspondente durante 2019: as corporações classificadas como grau de investimento colocaram US$ 1,7 trilhão em novas dívidas até meados do mês (contra US$ 1,1 trilhão em 2019), enquanto as corporações de alto retorno emitiram US$ 322 bilhões (contra US$ 200 bilhões). "Na verdade, os valores agregados nesses oito meses excederam os valores totais para 2019 como um todo", comparou.

Estadão
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