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Coronavírus

BCG em falta faz pais saírem de postos de saúde sem vacina; entenda o problema

Em Cuiabá (MT), vacinação chegou a ser suspensa; outras cidades vêm adotando o racionamento das doses, que protege os recém-nascidos contra a tuberculose

8 ago 2022 - 15h11
(atualizado às 17h55)
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A vacina BCG protege os recém-nascidos contra as formas graves de tuberculose e deve preferencialmente ser aplicada logo após o nascimento, antes que o bebê tenha contato com o bacilo, mas municípios brasileiros, como Cuiabá, vêm enfrentando a falta do imunizante e outros têm adotado o racionamento, devido aos baixos estoques no País.

No mês de julho, cerca de 100 crianças que nasceram na capital de Mato Grosso deixaram de tomar a vacina, segundo a Vigilância Epidemiológica da Secretaria Municipal de Saúde. A dona de casa Tairine Santos Alves, de 31 anos, foi uma das mães que saíram dos postos sem a aplicação da BCG no filho, que nasceu no último dia 16. "Fiquei muito triste, chateada porque não consegui vacina. Fui até nos locais particulares", disse. Seus dois outros filhos, de 9 e 5 anos, já deixaram a maternidade vacinados, lembra ela.

O motorista de aplicativo Leonardo Costa, 32 anos, percorreu, sem sucesso, quatro postos da cidade. "Estava com esperança de conseguir porque sei da importância de vacinar as crianças", disse ele, pai de um recém-nascido. Cuiabá retomou a vacinação nesta segunda-feira, 8, mas as 800 doses recebidas na semana passada é insuficiente para abastecer toda a rede pública da capital, que já vinha adotando o racionamento. "Devido ao quantitativo baixo, estamos aplicando em horários e locais pré-definidos", afirmou a Secretaria Municipal de Saúde.

O desabastecimento da vacina começou quando a única fábrica autorizada a produzir o imunizante no País, a Fundação Ataulpho de Paiva (FAP), localizada no Rio de Janeiro, suspendeu a produção em 2016 após uma vistoria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) constatar "práticas em desacordo com as normas sanitárias".

A BCG está prevista no calendário oficial de vacinação do Sistema Único de Saúde (SUS) e é repassada pelo Ministério da Saúde aos Estados, que, por sua vez, transferem para os municípios. Em maio deste ano, a pasta enviou uma circular aos Estados informando que diminuiria de 1,2 milhão para 500 mil o número de doses enviadas mensalmente devido à dificuldade de compra e à baixa disponibilidade nos estoques nacionais.

Após a suspensão da fabricação nacional, o Brasil passou a obter doses de BCG com o Fundo Rotatório da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), braço regional da Organização Mundial da Saúde (OMS). O fundo fornece vacinas e insumos, como seringas, a governos que não têm produção nacional disponível.

No final de junho, entidades médicas e científicas brasileiras alertaram, em uma carta enviada ao Programa Nacional de Imunizações (PNI), para a falta da vacina BCG no País. O documento foi assinado pela Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Rede Brasileira de Pesquisas em Tuberculose REDE-TB e Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT).

Em resposta às entidades médicas, a Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde afirmou que, mesmo tendo sido reduzido em 50% o envio de vacinas aos Estados, a quantidade é suficiente para vacinar o total de crianças nascidas em cada unidade da Federação. Em média, no Brasil, nascem 228 mil crianças por mês e o total de imunizantes distribuídos varia de 480 mil a 500 mil doses mensais.

Procurado pelo Estadão, o ministério negou que haja desabastecimento e disse que os estoques deverão ser regularizados até meados de setembro. Em nota, a pasta informou que "a readequação do quantitativo ocorreu por conta da tramitação do processo de aquisição, que envolve compra, desembaraço alfandegário e autorização pela Anvisa para a entrada do produto no País, que posteriormente é enviado para análise do controle de qualidade do INCQS antes de ser distribuído".

Cobertura vacinal

Para a Sociedade Brasileira de Imunização, "as falhas na logística e de importação, pelo MS, têm comprometido o fornecimento e contribuído para sucessivas quedas na cobertura vacinal da BCG". Segundo dados atualizados pelo ministério até o último dia 6, o índice está em 55,81% neste ano. O ideal, afirma a vice-presidente da entidade, Isabella Ballalai, seria de pelo menos 90%.

Ela afirma que os municípios foram aconselhados a otimizar o uso da vacina. Um frasco tem 20 doses e precisa ser totalmente consumido até seis horas após aberto. Para não perder nenhuma dose, as prefeituras passaram a concentrar a aplicação da BGC em determinados dias e horários da semana em um número menor de postos de saúde.

Em condições normais, o procedimento de rotina é a criança já sair da maternidade vacinada. Desde que se passou a otimizar o uso do frasco no País, isso nem sempre vem ocorrendo. "Muitos bebês estão deixando o hospital sem serem vacinados, e a mãe precisa ir ao posto, no primeiro mês de vida. Às vezes ela chega lá e não é o dia da vacinação. Isso leva ao que chamamos de oportunidade perdida e diminui a adesão, porque muitas não vão voltar", afirma Isabella Ballalai.

No centro de saúde Conjunto Santa Maria, em Belo Horizonte, a vacina BCG não chega há meses. A agente de saúde Ieda conta que as mães que vão ao postos são orientadas a procurar o único centro de saúde da região centro-sul da capital mineira que atualmente fornece as doses, no bairro Santa Lúcia. Para Ieda, porém, algumas acabam desanimando e adiando a vacinação das crianças.

O ideal é que a vacina BCG seja ministrada até os 28 dias de nascimento, mas ainda pode ser aplicada até os 4 anos, 11 meses e 29 dias de vida. A janela de tempo, no entanto, é grande demais para os riscos de contágio. Além de proteger contra a tuberculose, o imunizante reforça o sistema imunológico da criança contra outras doenças.

"Para uma vacina que deveria ser fornecida na maternidade, que não sofre nenhum ataque de movimentos anti-vacina, como ocorre com a do HPV e a da covid, não é uma situação normal. Isso leva à hesitação vacinal", avalia a vice-presidente da SBIM. "Tem outros fatores que fazem a cobertura vacinal cair: as oportunidades perdidas, a dificuldade de acesso e a não percepção de risco. Então a vacinação sai da minha lista de prioridades. Às vezes não tem uma vacina, e você não vai voltar para tomar várias outras", alerta a médica.

A Prefeitura de Belo Horizonte informou, em nota, que o município recebeu uma remessa de 7.300 doses em julho, e que o estoque atual é de 19 mil doses. A média mensal de nascidos vivos residentes em Belo Horizonte é de 2.200 crianças, que precisam receber a BCG no primeiro mês de vida, idealmente ao nascimento, mas muitas mães de outras cidades têm filhos na capital, onde acabam se vacinando. "Para otimizar o estoque e evitar perdas, Belo Horizonte concentrou as doses de BCG em algumas unidades para fazer o maior aproveitamento possível das doses dos frascos abertos no dia", afirmou o município.

Atualmente, a cobertura vacinal de crianças de até 1 ano na capital mineira referentes à vacina BCG é de 51,6% (janeiro a maio/2022). Já a Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais diz que não foi constatada falta do imunizante no Estado e informou ter recebido 45 mil doses da BCG no dia 21 de julho. No entanto, a cota necessária para atender às demandas municipais no Estado seria bem maior, de 75 mil doses.

Interior de São Paulo

Outras cidades do País estão sendo obrigadas a restringir a oferta para otimizar a vacinação com a BCG. Em Sorocaba, no interior de São Paulo, desde o início de julho a aplicação de nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) passou a ser feita apenas mediante agendamento, o que, antes, não era necessário. Conforme a Secretaria de Saúde do município, a medida visa ao melhor aproveitamento das 20 doses disponíveis em cada frasco que, depois de aberto, precisa ser usado em um período de seis horas.

Em Campinas, a aplicação da BCG é feita em horários e dias específicos. Os interessados em vacinar os filhos devem entrar em contato com a unidade de saúde mais próxima para obter informações e fazer o agendamento.

Em Birigui, devido à baixa disponibilidade de vacinas, a Secretaria Municipal de Saúde decidiu centralizar a aplicação da BCG para otimizar o uso das doses. Desde o dia 20 de julho, o imunizante deixou de ser aplicado nas unidades de saúde e passou a ser oferecido em um único local. A aplicação é feita apenas uma vez a cada 15 dias, às quartas-feiras, das 7h30 às 14 horas, no Centro Médico municipal.

A cidade passou a atender também crianças de oito cidades da região que, antes, aplicavam em suas próprias unidades de saúde. Agora, os pais precisam fazer o agendamento e se deslocar até Birigui. A medida vale para moradores de Buritama, Brejo Alegre, Coroados, Clementina, Gabriel Monteiro, Lourdes, Piacatu e Santópolis do Aguapeí.

No Distrito Federal, também há racionamento. Segundo a Secretaria de Saúde, para prevenir a falta de doses, a SES/DF reorganizou os serviços de vacinação pelas regiões de saúde, priorizando os pedidos de maternidades.

Sem previsão de retomada da produção

A Anvisa informou ao Estadão que a fabricação da vacina BCG não pode ser retomada no País até que os ajustes necessários sejam concluídos e, novamente, a fábrica Fundação Athaulpho de Paiva (FAP) seja inspecionada para se verificar a efetividade das correções. "O prazo de paralisação depende do tempo empreendido pela fundação para a realização das adequações", afirmou a agência em nota. "A última inspeção foi realizada em novembro de 2021 e desde então a FAP não solicitou nova inspeção. Naquela data, a inspeção verificou o descumprimento de Boas Práticas de Fabricação (BPF) e práticas em desacordo com as normas sanitárias."

Procurada pela reportagem, a Fundação Athaulpho de Paiva informou que foi realizada toda a adequação às novas normas sanitárias e protocolada na Anvisa a solicitação de visita para a liberação de nossa produção. "Estamos aguardando o agendamento da mesma", informou, em nota.

Estadão
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