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Coronavírus

A bicicleta parece conferir algum tipo de imunidade à covid que os cientistas ainda não descobriram

Talvez seja por isso que o normal para os ciclistas com os quais eu cruzo nas ruas seja não usar máscara. Ou usá-la com o nariz de fora. Ou usá-la no queixo, este sim protegidíssimo na pandemia

12 abr 2021 - 05h10
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Encarar o medo em nome da saúde mental. É essa contradição que me proponho a enfrentar todos os finais de semana desde o começo do ano. Acostumado a pedalar 65 quilômetros antes da pandemia, reduzi a zero as saídas em 2020, retomando os exercícios neste ano, em janeiro. Reduzi o ritmo do exercício para 40 quilômetros a cada fim de semana.

Voltei a pedalar convencido pelas reportagens que li a respeito dos riscos (menores) do exercício ao ar livre e após conversas informais com médicos. Voltei para melhorar a saúde mental, mais do que aprimorar (retomar) o condicionamento físico.

As pedaladas, a partir de 2018, foram fator importantíssimo para eu perder peso. Aliadas à alimentação (mais) saudável e ao controle do tabagismo (parei de fumar, de verdade, na pandemia), pedalar a bicicleta se tornou tarefa obrigatória a cada fim de semana. Obrigatória, mas muito, muito prazerosa.

Mas quando retomei as pedaladas neste ano, estava atrás de saúde mental. O ano de 2020 foi estafante (para todos) e assustador; e o medo constante causado pela pandemia não ajuda em nada uma pessoa que lida com crises de ansiedade de tempos em tempos. Portanto, era com esse sentimento de 'ajudar a cabeça' que retirei a bicicleta do gancho, vesti o capacete, a máscara e sai pra rua depois de quase um ano.

Senti muito medo desde as primeiras pedaladas.

Na rua, a bicicleta parece ser uma espécie de imunizante natural ainda não descoberto pelos cientistas. Basta estar em cima dela para que o coronavírus seja neutralizado, expurgado da face da Terra. E talvez seja por isso que o normal para os ciclistas com os quais eu cruzo nas ruas seja não usar máscara. Ou usá-la com o nariz de fora. Ou usá-la no queixo, este sim protegidíssimo na pandemia.

A essa constatação somou-se outra. A de que pedalar em grupos é aceitável e normal na pandema. Mais uma vez os cientistas devem estar errados, erradíssimos. E tudo fica ainda pior quando as pessoas não resolvem usar máscaras mesmo ocupando espaço em grupos de ciclistas, pedalando muito próximos uns dos outros - imagino se eles pensam que o grupo confere uma imunidade extra? Não confere.

Com medo, com esse medo, passei a alterar radicalmente minha rotina de pedalada. Em vez dos caminhos mais tradicionais, portanto com maior risco de me deparar com os 'imunizados da bike', como passei a chamá-los, opto pelas longas subidas do Alto de Pinheiros. Fujo deles, desses 'imunizados', mas eles não fogem de mim. E todo fim de semana é a mesma constatação: mais ciclistas sem máscara do que com máscara.

Quando voltei às ruas, lá em janeiro, tinha medo de sofrer um acidente. De me esborrachar no chão, como já aconteceu duas vezes, e ir parar em um hospital - aumentando o risco de contamiação e sobrecarregando ainda mais um sistema de saúde já em vias de colapsar.

Hoje, tenho medo mais medo das pessoas mesmo, dessas pessoas, desses ciclistas. Volto para casa com os ombros rígidos, um claro sinal da tensão pela qual passo.

Por enquanto, mantenho os passeios. Não sei até quando.

Estadão
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