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Regras de mercado de carbono travam negociação na Cúpula do Clima

Salles critica meta brasileira no Acordo de Paris, estabelecida durante o governo Dilma, e diz que foi 'cortesia com chapéu dos outros'

13 dez 2019 - 06h11
(atualizado às 06h59)
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MADRI - A definição do mercado global de carbono é um dos principais gargalos nas negociações da Cúpula do Clima das Nações Unidas, a COP-25, prevista para terminar nesta sexta-feira, 13. O Acordo de Paris - pacto de 2015 para conter as mudanças climáticas - estipula a necessidade de criar regras para o comércio de créditos correspondentes ao corte de emissões de gases estufa. Esse mercado é onde o Brasil quer obter dinheiro de países ricos - o que especialistas dizem ser um processo difícil.

A premissa básica é que quem reduzir mais emissões do que precisa poderia negociar com aqueles que têm mais dificuldade para cumprir suas próprias metas. Mas há uma série de brechas e possibilidades que poderiam tornar a negociação inócua em termos de benefícios para minimizar as mudanças climáticas.

Um das questões previstas é como fazer essa contabilidade em relação às próprias metas de cada nação. Tomemos como exemplo um país que se comprometeu a reduzir 1 bilhão de toneladas de carbono. Aí ele quer comercializar um projeto de energia solar que economizou mais 200 mil toneladas. Tecnicamente, ele não poderia abater isso da própria meta, uma vez que ele vendeu esse crédito para outro país.

Outro item em debate é o carregamento para o Acordo de Paris de créditos de carbono gerados no chamado Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), do Protocolo de Kyoto, de 1997 - primeiro tratado que envolvia reduções de gases de efeito estufa no mundo. O Brasil, assim como os outros países em desenvolvimento, não tinha compromissos a cumprir em Kyoto. Quem tinha metas eram só os países desenvolvidos e, para ajudá-los, foi criado o MDL.

Como cortar emissões nos países ricos envolvia na época custos altos - desativar termelétricas a carvão e trocar por eólica ou solar, por exemplo - criaram o MDL para que os países ricos pudessem comprar créditos de redução de emissões de carbono em países em desenvolvimento - bem mais barato.

O Brasil inscreveu vários projetos de MDL, por exemplo de captação de metano em aterros sanitários para transformar em energia. Mas até hidrelétricas foram incluídas, como a de Jirau. Em dado momento, porém, os países ricos pararam de comprar esses créditos. E muitos deles nunca foram pagos. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, calcula que poderia receber US$ 2,5 bilhões (cerca de R$ 10,3 bilhões). Cálculos bem menos otimistas dizem que todos os créditos gerados por vários países e que nunca foram pagos dariam no máximo US$ 400 milhões (R$ 1,6 bilhão).

Mas especialistas discordam que isso de fato seja algo devido. É um mercado de carbono que deu errado e, se isso for permitido agora, não trará ganho novo para o clima. Esse é um tema hoje defendido por Brasil e Índia.

Salles afirmou, no entanto, que o Brasil tem todo interesse em fechar um acordo.

"Sob qualquer aspecto, nós queremos um acordo. Somos transigentes em todos os aspectos. Viemos para fazer um acordo que seja bom para o Brasil. Queremos receber o maior volume em razão dos créditos que temos. É o grande objetivo."

Essa negociação, porém, não deve ser simples e muito provavelmente a COP vai se estender até sábado em Madri. Nos últimos dois dias praticamente não houve nenhum avanço nas negociações e ninguém nos corredores do centro de convenções acreditava até esta quinta de que um acordo seria alcançado ainda nesta sexta.

Salles critica meta brasileira no Acordo de Paris e diz que foi 'cortesia com chapéu dos outros'

Quando o Brasil se comprometeu a colaborar com os esforços mundiais para combater as mudanças climáticas, disse ser capaz de reduzir suas emissões de gases de efeito estufa em 43% até 2030 sem necessidade de ajuda externa. O País, cuja principal fonte do problema é historicamente o desmatamento da Amazônia, comprometeu-se a zerar o desmate ilegal até aquele ano.

Isso foi em 2015, quando o Acordo de Paris foi fechado. O governo era de Dilma Rousseff. A ministra do Meio Ambiente era Izabella Teixeira. Hoje, na gestão Bolsonaro, o ministro à frente da pasta, Ricardo Salles, cobra ajuda dos países ricos para atingir essas metas climáticas.

Na Conferência do Clima da ONU, Salles criticou a posição do governo anterior de criar uma meta com essas condições.

"(O governo) fez a cortesia com o chapéu dos outros. Nos comprometemos com coisas que depois a sociedade brasileira está tendo que arcar com o ônus de quem nos representou", disse Salles nesta quinta-feira, 12, em sua primeira coletiva à imprensa brasileira desde que ele chegou à Espanha, no início do mês. "O chapéu é de todos os brasileiros. Em razão de alguns compromissos assumidos por aqueles que querem sempre sair bem na foto", disse.

Ao ser questionado se, desse modo, o Brasil não seria capaz de cumprir suas metas sem ajuda financeira externa, Salles respondeu.

"A meta está longe. O recurso é que eu quero ver se graças a uma má base que foi negociada se vamos reverter. Eu acho que temos o direito de pleitear o dinheiro porque o Brasil já tem uma série de recursos de preservação que outros países não têm. Deveríamos ter feito uma negociação boa para os brasileiros e não para fazer média com os outros países", afirmou.

O Estado questionou se conter as mudanças climáticas não seria bom para os brasileiros, ao que Salles respondeu: "Mas não podemos ficar com a conta sozinhos".

Quando a reportagem tentou argumentar que essa é uma conta dividida entre todos os países, ele apenas disse: "Vamos deixar essas conjecturas para depois. Se todo mundo fizer sua parte: governos, empresas, imprensa, se todo mundo fizer sua parte". E encerrou a coletiva.

Izabella Teixeira, à frente das negociações internas dentro do Brasil que levaram à meta nacional junto ao Acordo de Paris, disse que não tinha comentários a fazer sobre o que Salles disse. Mas observou que o principal compromisso para atingir a meta é zerar o desmate ilegal até 2030.

"É um imperativo moral. Combater o desmatamento é combater um crime. Não precisamos de dinheiro de nenhuma nação para fazer isso. Porque é responsabilidade nossa. E o Brasil vinha fazendo isso", declarou a ex-ministra. "Fazer restauração florestal é obrigação pelo Código Florestal daqueles que desmataram. Então, como é que eu vou pedir dinheiro internacional para quem praticou crime ambiental?", questionou.

Ela lembrou ainda que essas medidas são previstas em lei nacional.

"Nunca vi o Brasil precisar de recurso internacional para alcançar uma agricultura de baixo carbono. É para isso que existe crédito rural no Brasil. E tudo foi equacionado com os Ministérios da Economia, da Agricultura, com os setores", disse. "Tudo foi desenhado dentro de planejamentos previstos para o desenvolvimento do Brasil."

Izabella ainda pontuou que o Brasil já contava com recurso do Fundo Amazônia para pagar pelas reduções obtidas no desmatamento, o que foi desmontado no atual governo.

* A REPÓRTER VIAJOU A CONVITE DO INSTITUTO CLIMA E SOCIEDADE (ICS)

Estadão
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