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Pressionado após COP26, Brasil está atrás até dos vizinhos no mercado de carbono

Mercado interno de carbono é considerado instrumento importante para atingir metas de redução de emissões dos gases do efeito estufa. No Brasil, proposta mais avançada para criação do mercado tramita no Congresso

28 nov 2021 - 14h11
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Enquanto o governo do Chile taxa as empresas do setor energético que ultrapassam os limites de emissão de gases do efeito estufa (GEE) desde 2014 e o México já testa um projeto piloto de regulação do mercado de carbono para todos os setores da economia, o Brasil não escolheu nenhum dos dois caminhos. O País está atrás das potências, como União Europeia e China, e também de alguns vizinhos da América Latina na regulação do mercado interno de carbono, instrumento importante para atingir as metas de redução de emissões.

O estabelecimento de mercados regulados de carbono foi um dos avanços na 26ª edição da Cúpula do Clima (COP-26), no início do mês, em Glasgow, na Escócia. A reunião definiu um sistema internacional para a negociação de créditos entre países com base na quantidade de emissões feitas ou evitadas de CO2 na atmosfera.

Crédito de carbono é um certificado que atesta a redução de emissões de GEE, responsáveis pelo aquecimento global. Um crédito de carbono equivale a 1 tonelada de gases nocivos a menos no planeta. Eles estão atrelados a projetos para mitigar os impactos, como ações de reflorestamento. O mercado de carbono é a negociação desses títulos. O governo define limites de emissões para setores produtivos. Esses limites são convertidos em "permissões" ou "licenças" para poluir. Se uma empresa ou país emite mais carbono que o teto, ele poderá comprar títulos de outra empresa ou país que não gastou sua cota.

Hoje, o Brasil possui apenas mecanismos voluntários, ou seja, empresas assumem metas ambientais por conta própria, seja para fortalecer sua reputação no mercado ou destacar suas práticas ESG para investidores e o mercado. Para compensar o impacto ambiental das suas atividades, empresas e governos investem em projetos que visam reduzir as emissões de carbono na atmosfera. Como não há uma regulamentação oficial, cada entidade usa seus próprios critérios. Após a regulamentação global, o Brasil precisa definir as regras internas.

Especialistas afirmam que as definições da COP-26 pressionam países que ainda não definiram suas ações sobre o mercado de carbono, como o Brasil. "Uma regulamentação global só pressiona mais o país em direção a aspectos necessários, como as condições básicas para atuar nesse mercado com o requisito da redução drástica do desmatamento", avalia Laura Albuquerque, gerente de finanças sustentáveis da consultoria de sustentabilidade Way Carbon.

"Para cumprir as metas, o Brasil precisa construir um pacote de soluções. Uma delas é o instrumento de preço, que pode ser o tributo ou o mercado regulado de carbono", explica Osório. "O Brasil ainda não optou por nenhum dos dois caminhos", avalia Guarany Osório, coordenador do programa de Política e Economia Ambiental do FGVces.

Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), vai além e alerta para o risco de barreiras comerciais climáticas. "A ausência de um mercado regulado doméstico vai gerar prejuízos e perda de competitividade internacional para as empresas brasileiras. Elas não conseguirão assegurar que produzem seguindo exigências de proteção climática adotadas no mercado mundial e poderão enfrentar barreiras comerciais climáticas", argumenta.

Algumas entidades pensam de forma diferente. "Embora a regulamentação dos mercados interno e externo de carbono estejam andando em paralelo, são questões distintas e um independe do outro", Davi Bomtempo, gerente-executivo de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Confederação Nacional das Indústrias (CNI). "É importante, no entanto, que a metodologia e as métricas adotadas na legislação brasileira sejam aceitas internacionalmente para atrair compradores", completa.

Tributo de carbono e mercado regulado

Dados do Banco Mundial apontam que existem hoje 64 iniciativas de precificação de carbono no mundo, em forma de imposto ou de um mercado. No primeiro caminho, o governo cobra um tributo das empresas por emissão acima dos limites estabelecidos. Foi isso que a Colômbia fez em 2016 sobre a indústria energética, refinarias e petroquímica. "Uma compensação pode ser feita com projetos de energias renováveis e atividades florestais", explica o professor colombiano Santiago Ortega, especialista em energia sustentável.

No mercado regulado ou ETS (sistema de comércio de emissão, em inglês), os governos limitam a quantidade de emissões em determinados setores ou concedem permissões de poluição. É como se as empresas tivessem uma espécie de orçamento com a quantidade de carbono que podem liberar. Para poluir acima da cota, é preciso comprar mais licenças.

Reconhecido como líder nas questões ambientais do continente, o México está trilhando os dois caminhos, a taxa e o mercado regulado. O tributo sobre o carbono, criado em 2013, foi o primeiro em escala nacional do continente americano e o pioneiro de um país em desenvolvimento. A taxa foi fixada em US$ 3/tCO2e incidindo sobre os combustíveis.

O passo seguinte foi a implementação do sistema nacional de inventário obrigatório. A cada três anos, as empresas preenchem um relatório de verificação. O projeto piloto obrigatório começou no ano passado; a operação definitiva começa no ano que vem.

O Chile, por sua vez, foi o primeiro país da América do Sul a criar um imposto sobre as emissões, ainda em 2014. O alvo inicial foram as termelétricas a carvão que chegaram a pagar US$ 5 por tonelada de CO2 liberada na atmosfera. No ano passado, o país iniciou um sistema piloto de compensação que também começará a operar oficialmente no ano que vem.

"Argentina, Chile, Colômbia e México já têm regulações para precificação de carbono e o Brasil ainda não", avalia o economista Guido Penido, consultor do Banco Mundial.

Compromissos brasileiros

Especialistas argumentam que, ao limitar o volume de gases e autorizar o comércio das licenças entre as empresas, o governo brasileiro vai criar um sistema que facilita o atingimento das metas ambientais. A vigência de uma política ambiental contestada internacionalmente e recordes seguidos de desmatamento devem comprometer o cumprimento dos objetivos brasileiros.

O governo brasileiro tem compromissos climáticos assumidos no Acordo de Paris que preveem um processo gradual de descarbonização. A meta de redução das emissões foi estabelecida em 37% para 2025 e em 43% para 2030. Durante a Cúpula do Clima de 2021, o presidente Jair Bolsonaro anunciou ainda um novo objetivo: alcançar a neutralidade em carbono até 2050.

O Brasil está atrasado, mas não na estaca zero. A criação de um mercado nacional de carbono está prevista no projeto Partnership for Market Readiness (PMR Brasil), iniciativa do Banco Mundial que já apoiou 23 países na avaliação de instrumentos de precificação de carbono. Coordenada em parceria com o governo brasileiro, o estudo de quatro anos, de 2016 a 2020, concluiu que a regulamentação poderia ajudar o País a cumprir com seus objetivos climáticos e aproveitar as oportunidades econômicas. O projeto, no entanto, não saiu do papel.

A CNI, uma dos representantes do setor privado na pesquisa, apoia a adoção de um mercado de carbono, mas destaca a necessidade de mais três pilares: transição energética, economia circular e conservação florestal. "É fundamental que todas essas frentes caminhem juntas, pois elas são complementares e com forte impacto na redução das emissões de CO², afirma Davi Bomtempo.

Projeto de lei

No Congresso, a proposta mais avançada para a criação de um mercado de carbono no Brasil é o projeto de Lei 528/21, do deputado Marcelo Ramos (PL-AM). Embora o texto esteja em tramitação, Ramos acusa o Ministério do Meio Ambiente de dificultar a votação. "Hoje só existe uma dificuldade para a votação: a intransigência e a falta de compreensão do ministro do Meio Ambiente (Joaquim Leite)", critica o deputado. "Há acordo entre os partidos para votar a matéria, a relatora (Carla Zambelli PSL/SP) tem disposição para isso e o presidente Arthur (Arthur Lira, PP/AL, presidente da Câmara dos Deputados) não tem oposição à votação, mas ele recebe pedidos do Ministério para não votá-la", afirma.

A proposta regulamenta pontos importantes, como natureza jurídica, registro, certificação e contabilização dos créditos de carbono. As negociações seriam geridas pelo Instituto Nacional de Registro de Dados Climáticos, órgão vinculado ao Ministério da Economia.

O texto também cria regras para um mercado voluntário. As transações seriam isentas de PIS, Cofins e CSLL. A proposta fixa ainda o prazo de cinco anos para o governo regulamentar o programa nacional obrigatório de compensação. Nas contas do deputado, o Brasil tem um potencial líquido de créditos de carbono de US$ 70 a US$ 100 bilhões para negociar no mercado internacional.

Ministério do Meio Ambiente quer ouvir outras propostas

Embora se posicione como "grande interessado na regulamentação do mercado de carbono", o Ministério do Meio Ambiente quer ouvir outras propostas sobre o tema. "Existem diversos textos propositivos sendo discutidos com diferentes agentes da sociedade e aparentemente ainda não existe a devida maturidade e suficiente debate com a sociedade para atingir unidade de visões e a definição de um texto", afirma Marcelo Freire, secretário-adjunto da Secretaria de Clima e Relações Internacionais (SCRI).

Freire revela que pretende ampliar a discussão. "Estamos organizando uma agenda, no Ministério, para engajar e receber os deputados interessados no assunto e podermos debater o tema de maneira ampla buscando avanços", afirma o secretário-adjunto.

Freire enfatiza a importância de uma regulamentação que seja efetivamente operacional em larga escala, sem criar "mecanismos em que os mais pobres acabam pagando a conta dos mais ricos". "O mercado de carbono é um instrumento e política de gestão ambiental e que visa produzir reais ganhos ambientais. Sendo assim, precisa ser operacional em larga escala e promover equilíbrio entre os diversos aspectos e partes da sociedade.

Estadão
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