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Pai e filho italianos compraram cerca de uma tonelada de ouro de terra indígena

Polícia Federal investiga ação de organização criminosa envolvida em garimpo ilegal; dupla já tem antecedentes criminais de comércio irregular de minério

12 dez 2021 - 17h01
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BRASÍLIA - A escolha do nome Terra Desolata para a operação da Polícia Federal não foi mera citação à expressão italiana que, em português, remete à "terra devastada". Um dos principais elos da organização criminosa investigada pela PF é a atuação de uma família de italianos que atua há décadas no comércio de ouro. Pai e filho, Mauro Dogi e Giacomo Dogi chegaram a adiantar dezenas de milhões a agentes do garimpo, para receber depois a mercadoria retirada ilegalmente da terra indígena Kaiapó, no sul do Pará.

O inquérito aponta que a empresa da família Dogi, a CHM do Brasil, sediada em Goiânia, fez 3.179 operações de compra de joias, pedras e metais preciosos no período de cinco anos entre setembro de 2015 a setembro de 2020, movimentando mais de R$ 2,142 bilhões. Somente de garimpeiros do Sul do Pará, os quais raramente possuem o documento de permissão de lavra garimpeira (PLG), a empresa desembolsou nada menos que R$ 246,5 milhões no período, valor que corresponde a, aproximadamente, uma tonelada de ouro extraído de forma ilegal.

O negócio era viabilizado por meio da empresa CHM do Brasil Metais, que tem sede em Goiânia, e sua parceira diretamente na Itália, a empresa Chimet SPA Recuperadora e Beneficiadora de Metais, conhecida mundialmente em recuperação e refino de metais preciosos. É uma parceria de décadas. Mauro Dogi, que fundou a CHM do Brasil, trabalhou antes para a Chimet. O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) levantou que a italiana Chimet SPA remeteu à CHM do Brasil mais de R$ 2,106 bilhões.

De acordo com as investigações, os nomes de Mauro Dogi e Giacomo Dogi não são novidades nos inquéritos policiais. Ambos têm antecedentes criminais ligados a comércio ilegal de minério e já foram citados como principais destinatários do ouro ilegal extraído de terras indígenas da região de Cumaru do Norte, também no Pará.

A negociação para a compra de ouro incluía uma série de empresas e pessoas, mas dois intermediários se destacavam nessas transações, os irmãos Walterly Guedes Pereira dos Santos e Vergelina Pereira dos Santos.

A confiança dos italianos nas operações com Walterly era tanta que, em dois anos e quatro meses, o investigado recebeu diretamente da empresa CHM do BRASIL, em 102 operações, mais de R$ 14,5 milhões como "antecipação para entrega de mercadoria futura" de jóias, pedras e metais preciosos".

O problema é que nem Walterly, sua irmã ou sua empresa, a W.G.P. dos Santos Comércio de Metais, possui autorização de compra e venda de ouro ou permissão de lavra garimpeira (PLG), além de não serem classificados como Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários (DTVM), ou seja, não têm condição para realizar atividades relacionadas ao comércio de minério e metais preciosos. A PF concluiu que Vergelina Pereira dos Santos atuava como braço operacional do irmão. O Coaf identificou que ela fez 142 saques nas contas bancárias de Walterly, em um período de 20 meses, com movimentação de mais de R$ 16,175 milhões. Os saques realizados, em sua maioria, se destinavam a pagamentos a fornecedores.

"A investigada Vergelina atua como compradora de ouro ilegal extraídos, principalmente, de terra indígenas, em nome de seu irmão Walterly, compondo, desta forma, a organização criminosa, realizando os primeiros atos, com o fim de concretizar o comércio ilegal de ouro, inclusive para o exterior", afirma o inquérito. As exportações eram realizadas, muitas vezes, em voos privados, sem o conhecimento das autoridades competentes e sem passar pelo Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex).

A Cooperativa de Garimpeiros de Ourilandia e Região (Cooperouri) não se manifestou até o fechamento deste texto. A reportagem não conseguiu contato com a empresa CHM do Brasil. A italiana Chimet SPA foi acionada, mas não se manifestou até esta publicação.

A reportagem não conseguiu contato com os investigados Arlan Monteiro de Almeida, Hailton Monteiro de Almeida, Gustavo Machado Seixas, Sidney Soares Gomes Brito, Marcus Vinicius Alvarez Guimaraes, Patricia Ferreira Soffa, Douglas Alves de Morais, Fabio Monteiro da Silva, Giacomo Dogi, Walterly Guedes Pereira dos Santos, Vergelina Pereira dos Santos e Andre Felipe Picone Rosa.

Estadão
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