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Omissão de dados de desmatamento mina credibilidade verde do governo Bolsonaro; leia bastidores

Manobra para retardar divulgação de registros oficiais foi deliberada nos bastidores do governo. Exterior mantém desconfiança no governo brasileiro

22 nov 2021 - 12h12
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BRASÍLIA - A omissão dos dados oficiais de desmatamento da Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP-26) tem o potencial de minar ainda mais a credibilidade do governo Jair Bolsonaro e atrapalhar a tentativa de reposicionar o País como "protagonista do futuro verde". O escolhido para liderar a mudança de imagem foi o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, apelidado como "Zé Verdinho", por colegas da Esplanada dos Ministérios.

Com a saída de cena do antecessor Ricardo Salles, o plano era que Leite liderasse a empreitada como chefe da comitiva brasileira na COP-26 e apresentasse o Programa Nacional de Crescimento Verde, que tem as digitais também dos ministérios da Economia e da Agricultura. Faria isso longe de Bolsonaro e de outros nomes do primeiro escalão que pudessem ofuscá-lo - algo que se mostrou conveniente para o presidente e demais ministros, diante dos números agora conhecidos.

O Estadão apurou que a manobra de retardar a divulgação dos registros oficiais foi deliberada nos bastidores do governo. Um negociador ouvido reservadamente pela reportagem reconheceu a estratégia de não apresentar novos dados do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) negativos para a imagem, pois poderiam fragilizar a posição do País na mesa de negociações na Escócia.

Delegações dos Estados Unidos e de países europeus cobravam informações detalhadas e aguardavam a liberação dos dados durante a COP-26. Agora, como de praxe, diplomatas serão instruídos a dar explicações.

Um embaixador europeu ouvido pelo Estadão foi taxativo: o exterior não confia no governo brasileiro. Um dos reflexos disso é que nem a Noruega nem a Alemanha aceitaram retomar contribuições bilionárias ao Fundo Amazônia, como esperavam autoridades do Palácio do Planalto.

O desmatamento na Amazônia é a principal fonte de emissões de gases estufa do País. O descontrole na supressão da mata nativa pode inviabilizar o cumprimento de metas apresentadas na COP 26, ponderam diplomatas.

Os 13.235 km² de floresta derrubada entre agosto de 2020 e julho de 2021, maior área nos últimos 15 anos, desmentiram Bolsonaro, que na semana passada tentou convencer investidores árabes de que a Amazônia está intacta.

Os Emirados Árabes Unidos, principal parada de Bolsonaro no Golfo Pérsico, sediarão a COP-28, daqui a dois anos. Os xeiques têm demonstrado preocupação em calibrar o próprio discurso verde e em fazer uma transição econômica e energética, já que a riqueza dos emirados vem da produção do petróleo.

Em Dubai, antes de o governo liberar os dados sobre desmatamento, o ministro das Relações Exteriores, Carlos França, disse que o resultado da COP 26 havia sido "altamente positivo" e afirmou estar satisfeito com a participação brasileira, que ele não considerava "tímida".

"O resultado foi muito bom. A regulamentação do mercado de carbono é uma vitória para países com o perfil do Brasil. Sempre é possível ser mais ambicioso, mas o acordo avançou bastante nas metas que imaginamos que se podia avançar", disse o chanceler.

Ao Estadão, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, disse que o Brasil ainda vai calcular qual contribuição dará, por exemplo, ao acordo global para redução de 30% das emissões do gás metano, o que pode impactar diretamente na produção de carne bovina. Segundo ela, porém, o governo vai contabilizar práticas antigas da pecuária nacional e poderá contribuir com um percentual menor.

"O Brasil pode cumprir perfeitamente tudo que assinou. Não é verdade que não temos responsabilidade com esses números. Temos sim. Agora vamos fazer um levantamento, temos muita coisa feita. E o desmatamento nós temos que reduzir e acho que vamos reduzir sim", afirmou Tereza.

Hoje, França, Tereza e Leite vão apresentar os "resultados" da COP 26, discutir como as metas serão cumpridas e explicar o descompasso entre o discurso do governo e a realidade no terreno amazônico.

Estadão
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