Desmatamento na Amazônia atinge nível mais alto em 12 anos
Devastação da floresta atingiu maior valor desde 2008; Pará responde sozinho por quase metade do desmatamento observado no último ano
SÃO JOSÉ DOS CAMPOS - O desmatamento da Amazônia teve uma alta de 9,5% no último ano e voltou a atingir a maior taxa desde 2008. Entre agosto do ano passado e julho deste ano, a devastação da floresta alcançou 11.088 km², ante 10.129 km² registrados nos 12 meses anteriores. A área devastada nesse último ano equivale a 7,2 vezes a da cidade de São Paulo.
Essa é a estimativa do Prodes - o sistema do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) que fornece a taxa oficial do desmatamento da Amazônia no período de um ano - divulgada nesta segunda-feira, 30, durante visita do vice-presidente Hamilton Mourão, e do ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes,ao Inpe. Os dados consolidados serão apresentados no primeiro semestre do ano que vem. Está prevista para as 17h30 uma coletiva de imprensa dos dois.
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, não estará na entrevista. Apesar de sua pasta ser historicamente responsável pelo controle do desmatamento, desde o início do ano foi perdendo espaço com a reativação do Conselho da Amazônia, coordenado por Mourão.
A elevação do Prodes observada entre agosto de 2018 e julho de 2019, ante os 12 meses anteriores, já tinha sido de 34,4%. O corte raso registrado na Amazônia Legal desde o início da gestão Bolsonaro interrompe uma sequência de dez anos em que o desmatamento ficou abaixo de 10 mil km².
O desmatamento observado ao longo deste ano teve a maior contribuição vinda do Pará. O Estado sozinho respondeu por 46,8% de tudo o que foi devastado. Na sequência vem o Mato Grosso, com 15,9% e Amazonas, com 13,7%.
Com essa taxa, o País também deixa oficialmente de cumprir a principal meta da Política Nacional de Mudanças Climáticas, de 2010, que estabelecia que o desmatamento neste ano seria de no máximo 3,9 mil km². Até meados da década passada, parecia que a meta seria cumprida. Em 2012, o desmatamento da Amazônia chegou ao menor valor do registro histórico - de 4.571 km² -, após a implementação de uma política nacional de combate ao desmatamento que derrubou a taxa em 83% ao longo de 8 anos (em 2004 havia chegado a 27.772 km²).
Nos anos seguintes, ela passou a flutuar para cima, mas teve os piores aumentos a partir do ano passado. Com o dado de agora, o País chega a um desmatamento 184% superior à meta. A taxa atual é a primeira registrada totalmente sob a gestão Bolsonaro. A do ano passado ainda abarcava cinco meses da gestão Temer. As altas seguidas também colocam em xeque outra meta do Brasil, assumida junto ao Acordo de Paris, de 2015, de zerar o desmatamento ilegal até 2030.
Considerando a média de desmatamento dos dez anos anteriores à posse de Jair Bolsonaro, o desmatamento cresceu 70%. Entre 2009 e 2018, a média contabilizada pelo Inpe foi de 6.500 km2 por ano.
A aceleração da motosserra e dos correntões ocorreu mesmo diante da presença de militares na Amazônia. Em agosto do ano passado, foi decretada uma Garantia da Lei e da Ordem na região após o aumento expressivo das queimadas. O fogo diminuiu, mas o desmatamento não. Em maio deste ano, as Forças Armadas voltaram para floresta com a operação Verde Brasil 2, coordenada por Mourão (à frente do Conselho da Amazônia), e estão lá desde então, mas a devastação deu poucos sinais de arrefecimento.
Outro sistema do Inpe, o Deter, que traz alertas de desmatamento em tempo real a fim de orientar a fiscalização em campo, e indica quanto está sendo a perda mês a mês, revela que entre maio e outubro deste ano houve redução nas perdas somente em julho, agosto e setembro (na comparação com os mesmos meses do ano passado), mas elas ainda foram significativamente altas. Nesses seis meses, a perda acumulada foi a segunda pior desde 2015, só perdendo para este mesmo período do ano passado.
Para especialistas, as duas altas consecutivas são reflexo de medidas adotadas pelo governo Bolsonaro que minaram a fiscalização dos crimes ambientais na Amazônia. Desde o início da gestão o presidente se manifestou contrariamente ao que chamava de "indústria da multa", defendeu garimpeiros e desacreditou dados de desmatamento e de queimadas. Também foram paralisadas as cobranças de multas desde o fim do ano passado.
Em 2019, no auge das críticas aos dados do próprio Inpe que indicavam que a curva passava a ser ascendente, ele acusou o então diretor do instituto, Ricardo Galvão, de estar "a serviço de alguma ONG", e disse que os dados eram mentirosos. Acabou exonerando o cientista. Depois, chegou a acusar ONGs de botarem fogo na floresta. Medidas do Ibama facilitaram a exportação de madeira do País, novos gastos com o Fundo Amazônia foram paralisados. Neste ano, Salles deu uma declaração que foi interpretada como um resumo da política ambiental do Brasil. Ele defendeu que se aproveitasse a pandemia para ir "passando a boiada."
"Nada disso é uma surpresa para quem acompanha o desmonte das políticas ambientais no Brasil desde janeiro de 2019. Os números do Prodes simplesmente mostram que o plano de Jair Bolsonaro deu certo. Eles refletem o resultado de um projeto bem-sucedido de aniquilação da capacidade do Estado Brasileiro e dos órgãos de fiscalização de cuidar de nossas florestas e combater o crime na Amazônia. É o preço da 'passagem da boiada'", comentou em nota a coalização de ONGs Observatório do Clima.
"Entre as regiões de destaque no desmatamento, estão a região da BR-163 e terra do meio no Pará, onde há avanço nítido sobre áreas de florestas públicas não destinadas e invasão de áreas protegidas. No Pará, os alertas já apontavam áreas protegidas sendo muito desmatadas, como a APA (Área de Proteção Ambiental) Triunfo do Xingu, APA do Jamanxim, Flona de Altamira e terras indígenas Cachoeira Seca, Ituna Itatá e Apyterewa. Todas essas regiões, inclusive, não constavam no roteiro da viagem de campo organizada no início do mês com embaixadores, que centralizou o roteiro no estado do Amazonas, mas não visitou o sul do estado, onde o desmatamento está completamente fora de controle", comentou o Greenpeace em nota.
Aprimoramento do Deter
O número do Prodes surpreendeu especialistas, que esperavam uma taxa de cerca de 13 mil km². Havia uma estimativa de alta de mais de 30% em relação ao ano passado, porque esse valor havia sido indicado pelo Deter. O sistema apontava uma alta de 34% no consolidado de 12 meses, em relação aos alertas dos 12 meses anteriores.
Conforme o Estadão apurou, não se trata, porém, de um erro, mas de um aprimoramento do Deter. O sistema, que é muito ágil, costumava "perder", em anos anteriores, uma parcela do que foi de fato desmatado. Ao passar por uma área que tinha muitas nuvens, o satélite poderia não ver num mês um dado desmatamento e só captá-lo depois. Por isso, quando o Prodes (um sistema mais detalhista) era divulgado, ela vinha, em geral, com um valor cerca de 25% a 30% maior. Com a melhoria do monitoramento neste ano, ele começa a se aproximar mais do valor real desmatado, daí sua alta não se refletir na mesma proporção no Prodes.
No ano passado, por exemplo, o consolidado do Deter para 12 meses deu 6.844 km², e o Prodes confirmou 10.129 km². Já neste ano, o Deter apontou 9.205 km², mais próximo do valor estimado do Prodes. Este número, no entanto, pode mudar até o primeiro semestre do ano que vem, quando sai a taxa consolidada.