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Lugar de criança é brincando na natureza

Movimento se propõe a trazer espaços verdes para os cenários urbanos

13 ago 2018 - 03h11
(atualizado em 14/8/2018 às 15h37)
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FLORIANÓPOLIS - "Como assim tem gente que nunca fez trilha na vida? Eu faço desde que era um bebê", indigna-se Tatá, com a autoconfiança e autoridade que seus seis anos de vida lhe conferem. Filho de um casal que sempre se enfiou no mato, o pequeno Tales não exagera. Ele literalmente fazia trilhas desde que era bebê - na verdade antes até: quando estava na barriga da mãe, a educadora Lesly Monrat.

Esperança, de 8 anos, não deixa por menos. Compenetrada contando os 11 girinos que coletara em um laguinho, diz já ter um plano para eles. "Vou levar para casa, colocar numa bacia bem grande e esperar virarem sapinhos." E você já teve sapo em casa? "Tive, mas depois eu devolvi para a natureza porque ele estava sentindo saudade da família."

Um pouco mais tímida, Rafaela, de 6 anos, observa os girinos ainda no lago. É sua primeira experiência com eles, mas já sabe - a Peppa Pig contou -, que um dia vão se transformar em sapos. Com um copo pega alguns, despeja na mão da mãe, se aproxima, mas não os toca. A mãe, Daniele Indati Rodrigues, a incentiva: "põe agora na sua mão", mas a menina nega, chacoalhando a cabeça, rindo. Uma hora depois, vem correndo contar: "Tia, coloquei o girino na minha mão! Olha só quantos eu peguei!". E volta a brincar.

São cenas de uma sexta-feira à tarde, nublada, fria. Tinha chovido pela manhã, o chão estava todo enlameado. Felipe, de 4 anos, testa o solo, descalço. De um lado para o outro arrasta o pezinho. "Eu adoro o barro. Quando pisa, ele é mole."

No Jardim das Brincadeiras, em Paulo Lopes, a cerca de 65 km ao sul de Florianópolis (SC), em um vale com florestas e riachos, crianças e pais são convidados a brincarem livremente, sem medos, nem frescuras.

O espaço, organizado pelo ator e educador ambiental Guilherme Blauth junto com vizinhos, se insere em um movimento que encontra eco em vários projetos no mundo - o de busca por uma maior conexão de crianças com a natureza.

"Temos segurança na sabedoria inerente das crianças. A gente confia que elas sabem o que estão fazendo. Os pais estão juntos, atentos, mas ao respeitarem o que elas querem fazer, propiciamos que se expressem, que tenham confiança", explica Blauth, que criou uma série de brinquedos feitos com materiais encontrados no próprio sítio, como galhos, bambu, cordas, para dar essa sensação mais natural e orgânica para as crianças.

O tema foi um dos destaques do Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação, realizado na semana retrasada em Florianópolis, que promoveu um debate com a educadora norte-americana Cheryl Charles, fundadora da Children & Nature Network, rede que coordena iniciativas internacionais com essa proposta. No Brasil, o esforço é capitaneado pelo programa Criança e Natureza, do Instituto Alana.

"Por que precisamos de movimento para conectar crianças com a natureza, quando é uma coisa tão senso comum, considerando a forma como os seres humanos evoluímos?", questionou Cheryl, abrindo sua apresentação, para na sequência responder: "Mas virou uma coisa sobre a qual as pessoas pararam de pensar a partir do momento em que se achou que era mais seguro manter as crianças dentro de casa, com eletrônicos."

Cidades mais verdes

Com isso, afirma, há um "transtorno de déficit de natureza" - expressão cunhada por seu colega de fundação da rede Richard Louv, autor do livro A última criança na natureza. E a melhor forma para contornar isso, propõe, é trazer a natureza para as cidades.

A ideia é que não é preciso ir até um parque nacional, uma floresta, para retomar esse contato com áreas verdes, mas optar pelo perto, pelo simples. Uma instalação similiar ao Jardim das Brincadeiras, por exemlo, foi feita por Blauth no Sesc Interlagos, na zona sul de São Paulo. A ideia é incrementar espaços, seja com plantios ou com brinquedos, ou mesmo aproveitar o verde que já existe nas cidades.

É no que pensou Lesly Monrat ao organizar um projeto de trilhas com crianças em Florianópolis. "É para lazer em família. Não tem nada de educação ambiental ou algo conduzido. É a criança livre, no seu ritmo, para explorar e descobrir suas potencialidades físicas e emocionais."

Ela conta que sempre recebe famílias que nunca tiveram o menor contato com a natureza. Daí a surpresa de Tatá. "Os pais num primeiro ficam receosos de deixar os filhos soltos, por mão na água, subir em árvore. Mas na hora que confiam, é mágico. E muito natural para os pequenos. Eles vão conhecendo a potência interna que eles têm, mas que a gente enfraqueceu com a vida urbana."

O Jardim das Brincadeiras, apesar de um pouco mais longe da cidade, tem a mesma premissa. Os pais são convidados a ir com os filhos, para também aumentar a conexão familiar, mas a ideia é que eles só fiquem de olho, observando, e deixem a criançada se soltar. E nisso vão vendo verdadeiras mudanças no comportamento da molecada, que desenvolve o físico, o cognitivo, o emocional, o social. Fora uma própria relação diferente com o próprio planeta.

É o caso de Rafaela, que, além de ser bastante tímida, tinha o corpo meio molinho e estava sofrendo de perda auditiva quando a família morava em uma região bastante urbana de Porto Alegre. "Lá a gente não tinha muito contato com a natureza. Viemos para Floripa pra dar isso pra Rafa, para ela ter espaço para ser criança, brincar, e vimos o quanto ela se desenvolveu, ficou mais forte, solta", conta a mãe, Daniele Indati Rodrigues.

Hoje ela se joga, sobe em árvores, em dunas, está com o corpo bem mais firme. E a audição melhorou.

* A repórter viajou a convite da Fundação Boticário

Estadão
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