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Justiça reconhece direito à indenização de noiva de vítima da Vale em Brumadinho

Decisão do Tribunal Superior do Trabalho dá a comerciante isonomia com cônjuges; casal estava junto havia 13 anos

29 abr 2022 - 12h18
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Em 25 de janeiro de 2019, exatamente três horas após o rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho, a comerciante Ketre mandou a última mensagem daquele dia para seu noivo, Djener, funcionário da mineradora, companheiro de uma vida, namorados por 13 anos, amigos durante 15, metade da vida dela até então. O casamento já tinha data, a igreja escolhida, as damas de honra convidadas, o vestido comprado. Daquele momento em diante, ela já não tinha mais forças ou condições.

15:07: Amor

15:07: Eu espero que você responda essa mensagem e entre comigo no altar

15:28: Eu tenho esperança de te ver de novo. Te amo muitooooooooooooo

Ainda assim, no dia seguinte, um sábado, insistiu:

13:40: Djener

13:42: Amo c taí?

13:42: Amor da minha vidaaa

13:43: tai?

O que se seguiu foram semanas e meses de ansiedade que logo se transformaria em depressão. Djner Paulo Las Casas Melo se tornou oficialmente uma das 272 vítimas da tragédia causada pelo estouro da barragem de rejeitos da Vale. O rompimento varreu casas, matou funcionários e moradores da cidade e desfigurou o meio ambiente da região.

Para as famílias restou a dor. Aos pais, mães, irmãos e filhos, a mineradora acenou com a possibilidade de um acordo de reparação financeira. À Ketre Daliane de Menezes Paula, não.

Três anos e três meses após o rumo de sua vida ter sido mudado, no entanto, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) reconheceu, no dia 16 deste mês, o direito da noiva e obrigou a Vale, que recorria de decisão de primeira instância, a indenizá-la por danos morais. Ketre pediu para não ter o valor divulgado. A Justiça considerou não haver dúvidas sobre o relacionamento do casal e destacou que os preparativos para a cerimônia estavam adiantados, com contratações e pagamentos já feitos.

"A negligência da reclamada permitiu que a vida do noivo da autora fosse ceifada prematuramente, retirando de ambos a oportunidade de vivenciarem um dos momentos considerados mais especiais pela sociedade humana", destaca a decisão. "O falecimento abrupto de uma pessoa que se entende da família, dado o vínculo duradouro com a reclamante, configura perda imensurável e incalculável, gerando atribulações, mágoas, aflição e inegável sofrimento íntimo."

"Foi meu primeiro namorado, meu primeiro tudo. Ia me casar…queria ficar junto para sempre…E a Vale me colocou como nada. Por muitas vezes me senti humilhada pela empresa", diz Ketre. "Não é algo para comemorar (a indenização), mas é uma conquista."

Há oito meses, ela tenta reconstruir a vida e fazer planos. Saiu da casa dos pais, foi morar sozinha, em Brumadinho mesmo. Desde o oitavo dia após a tragédia, ela faz acompanhamento psicológico. O tempo, no entanto, passa devagar e encontrar novos significados é um desafio. "Fico pensando por que não encontrei com o Djener no dia anterior da morte. Liguei à noite, mas ele havia feito um turno diferente, estava dormindo…Não tem um só dia que não penso nele."

Até agora, três anos e três meses após o rompimento da barragem de rejeitos, diz a Vale, entre os familiares de trabalhadores falecidos mais de 1,7 mil pessoas fecharam acordos de indenização, com valores que totalizam mais de R$1,1 bilhão. "Todos os empregados, próprios ou terceirizados, mortos no rompimento da B1, já tiveram ao menos um familiar com acordo de indenização firmado", afirma a mineradora.

De acordo com a empresa, "as indenizações trabalhistas seguem os parâmetros dos acordos realizados com o Ministério Público do Trabalho e entidades sindicais, que preveem valores, condições e critérios e possibilitam que as pessoas impactadas negociem voluntariamente suas indenizações. A Vale ainda diz que "estes acordos determinam que pais, cônjuges ou companheiros(as), filhos e irmãos de trabalhadores falecidos recebam, individualmente, indenização por dano moral e material."

Questionada, a empresa não respondeu se há outras pessoas na mesma situação de Ketre e se teria sido possível um acordo que evitasse o desgaste emocional e a reconhecesse como companheira do funcionário da Vale sem ter que acionar a Justiça.

À companheira de Djner resta o tempo para se curar. "Eu havia sonhado com ele pouco antes da barragem romper, estava bonito, iluminado. Agora entendo", diz.

Estadão
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