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Governo retira militares e corta recursos do Ibama e ICMBio para fiscalizar Amazônia

Limitações de verba podem comprometer o andamento de fiscalizações e o apoio de serviços essenciais para o trabalho dos agentes que estão em campo

12 fev 2021 - 23h01
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Na última quarta-feira, 10, quando o vice-presidente Hamilton Mourão anunciou que o governo daria fim, a partir de abril, à ação dos militares em fiscalizações na Amazônia, não houve surpresa entre membros da área ambiental do governo e especialistas do setor. Com os cofres do governo esvaziados, a debandada militar já era esperada e, agora, caberá aos agentes do Ibama e do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) prosseguirem com as ações de fiscalização, monitoramento e proteção da floresta. A questão é como fazer isso.

Nos últimos anos, os recursos federais dedicados à preservação ambiental e combate às queimadas caiu regularmente. Nos dois últimos anos, porém, esse estrangulamento se acentuou e, confirmada as previsões para 2021, o Brasil deverá voltar a ser notícia internacional.

As limitações de verba podem comprometer o andamento de fiscalizações e o apoio de serviços essenciais para o trabalho dos agentes que estão em campo, como se viu no ano passado, quando o Ministério do Meio Ambiente (MMA)? chegou a declarar que não tinha mais recursos para pagar contas básicas de combustível para caminhonetes e helicópteros.

O Estadão reuniu dados sobre os recursos que foram dedicados pelo Ministério do Meio Ambiente ao Ibama e ao ICMBio, nos últimos anos. A disponibilidade desse dinheiro depende, diretamente, daquilo que o Ministério da Economia está disposto a liberar. As informações foram compiladas pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), a partir de dados oficiais do programa Siga Brasil, e corrigidas pela inflação até o mês de dezembro.

No Ibama, o orçamento usado na "prevenção e controle de incêndios florestais", uma das áreas mais sensíveis da fiscalização era de R$ 49,9 milhões em 2019. No ano passado, caiu para R$ 40,2 milhões. Para 2021, porém, o valor previsto é de apenas R$29,7 milhões. Nas ações de controle e fiscalização ambiental em geral, o Ibama contava contou com R$ 111,8 milhões em 2019, mas viu essa cifra encolher para R$ 67,4 milhões no ano passado. Neste ano, o órgão chegou a solicitar R$ 83 milhões. Ainda assim, trata-se de uma cifra inferior ao que o órgão dispunha em 2017 e 2018, por exemplo, quando o repasse para essas operações foi de R$ 97 milhões e R$ 99 milhões, respectivamente.

O drama financeiro também traça uma paisagem nada animadora no horizonte do ICMBio. Em 2019, o órgão contou com R$ 180,3 milhões para bancar a sua principal ação de fiscalização e gestão das unidades de conservação federais. Em 2020, esse orçamento encolheu R$ 116,3 milhões. Para 2021, no entanto, o que está previsto, na melhor das hipóteses, são R$ 96 milhões, praticamente metade do que recebeu dois anos atrás. Em 2017, por exemplo, essa mesma área do Instituto Chico Mendes contou com repasse autorizado de R$ 243,5 milhões.

Nesta semana, ao falar sobre o fim da operação militar Verde Brasil 2, o vice-presidente Hamilton Mourão disse que, em um ano de atuação, a empreitada militar terá consumido R$ 410 milhões. Mourão comemorou os resultados e disse que "não é uma operação extremamente cara". O fato é que, para além dos recursos destinados à Verde Brasil 2, as Forças Armadas receberam R$ 530 milhões oriundos de acordos que a Petrobrás fez no âmbito da Lava Jato e que, por decisão do Supremo Tribunal Federal, deveriam ser empregados na proteção da Amazônia.

A reportagem questionou o ministro do MMA, Ricardo Salles, sobre o enxugamento de recursos dos órgãos ligados a seu ministério. O ministro disse que depende de autorização do ministro da Economia, Paulo Guedes, para tentar recompor, ao menos, o mesmo volume de 2020. "Estamos aguardando a aprovação do orçamento pela pasta da Economia, isso não depende de nós. Todos reconhecem a importância do meio ambiente para o País e a economia, então que liberem os recursos", disse.

Questionado sobre o assunto, o Ministério da Economia informou que "o Projeto de Lei Orçamentária Anual de 2021 ainda está em tramitação no Congresso Nacional, portanto, não está definido o orçamento de nenhum órgão público".

No ano passado, as ações de fiscalização do Ibama contaram com o apoio de R$ 50 milhões repassados ao órgão pela Operação Lava Jato. Neste ano, porém, não há novo repasse, apesar de o Ibama ter gasto apenas R$ 31 milhões desses recursos em 2020. O MMA chegou a anunciar, por duas vezes, as operações de fiscalização na floresta, no auge da seca, sob alegação de falta de verba para contas básicas e operacionais.

Condições mínimas

Para Suely Araújo, especialista sênior de políticas públicas da organização Observatório do Clima, o retorno da coordenação de fiscalização ambiental para os órgãos do setor era necessário, mas é preciso assegurar condições mínimas de trabalho para os órgãos ambientais.

"Os resultados claramente insatisfatórios da atuação dos militares na Verde Brasil 2, especialmente quando computados com o alto custo dessa operação, mostram quais são os órgãos que têm expertise e condições de liderar nesse tema", comentou Araújo.

Ex-presidente do Ibama, ela afirma que os recursos previstos na proposta orçamentária de 2021 para Ibama e ICMBio são claramente insuficientes, lembrando que eles se destinam a operações em todo o Brasil. "As organizações da sociedade civil estão pressionando para que os parlamentares auxiliem nesse sentido e, na votação do orçamento em março, aumentem os valores nas principais ações."

Paralelamente, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade apresentada ao Supremo Tribunal Federal pelos partidos Rede, PSOL, PT e PSB pede que sejam tomadas ações efetivas do governo, com objetivo de destravar R$ 2,9 bilhões paralisados e sem uso do Fundo Amazônia. Maior fundo de apoio à proteção da floresta, a iniciativa bancada com recursos da Noruega e Alemanha está paralisada há quase dois anos, desde que o governo levantou dúvidas sobre a iniciativa e o uso de seus recursos.

Fusão

Desde o fim do ano passado, um grupo de trabalho formado por militares escolhidos pelo MMA avalia a fusão do Ibama e do ICMBio, sob o argumento de que a união dos órgãos poderia melhorar a gestão ambiental e reduzir custos. A reportagem apurou que, depois de quatro meses de trabalho, não houve nenhum resultado palpável que comprovasse benefícios dessa integração. Na semana passada, o prazo de trabalho do grupo foi renovado por mais 120 dias.

As análises concluíram que poderiam aglutinar algumas áreas, com a de tecnologia, por exemplo, além de funções administrativas, mas a maioria seria apenas realocada em outras divisões. O ICMBio é o órgão responsável pelas unidades de conservação federais e foi criado em 2007, a partir da cisão de uma área do Ibama. A autarquia do MMA cuida de 334 unidades protegidas em todo o País. Já o Ibama é responsável pela fiscalização ambiental em todo o País e processos de licenciamento federais, entre outras funções.

Estadão
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