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Entenda o que está por trás do embate Bolsonaro e Macron em torno da Floresta Amazônica

Acordo histórico de livre comércio assinado entre Mercosul e União Europeia, que vinha sendo desenhado há 20 anos, pode ter ajudado a definir tom do presidente francês

27 ago 2019 - 17h56
(atualizado às 18h38)
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SÃO PAULO - Para entender a posição da França em relação às queimadas na Amazônia é preciso retroceder ao dia 28 de junho. Nessa data, Mercosul e União Europeia assinaram um acordo histórico de livre comércio - e que vinha sendo desenhado há 20 anos. Em linhas gerais, o tratado permite a entrada de produtos agrícolas brasileiros no mercado europeu e, consequentemente, no francês.

A expectativa é de que esses produtos irão chegar mais baratos à Europa e, consequentemente, abalar os agricultores locais. Isso porque, embora seja uma potência agrícola, o modelo francês é baseado em pequenas propriedades (e muitas delas familiares) - e a consequência desse modelo é que o produtor francês não teria escala de produção para competir com o produto brasileiro.

Assim, desde o início, a assinatura do tratado de livre comércio criou um problema doméstico para o presidente francês, Emmanuel Macron. Além dos agricultores, o ascendente partido verde da França também se opôs ao acordo de forma bastante enfática. Os "verdes franceses" acusam o Brasil de não cumprir as mesmas regras e exigências ambientais impostas a produtores da Europa - o que resultaria em vantagem comercial e preços mais baixos. Se o carimbo "prejudicial ao meio ambiente" colar nos produtos nacionais, as vantagens competitivas de produção e preço tendem a derreter.

Os presidentes do Brasil, Jair Bolsonaro, e da França, Emmanuel Macron, vêm trocando farpas desde que a crise de incêndios florestais na Amazônia tomou as manchetes do mundo
Os presidentes do Brasil, Jair Bolsonaro, e da França, Emmanuel Macron, vêm trocando farpas desde que a crise de incêndios florestais na Amazônia tomou as manchetes do mundo
Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil e François Mori/AP / Estadão

A grita dos "verdes" tem sido bastante amplificada nos últimos anos. É o grupo político que mais tem crescido no continente europeu ( fazendo contraponto entre a esquerda e a extrema direita). Nas últimas eleições francesas, os verdes se transformaram na terceira maior força. Outros países europeus, como a Alemanha, também assistem ao crescimento dos partidos ligados às questões ambientais.

A França tem eleições municipais no ano que vem. Macron está precisando correr para se consolidar entre os "verdes" e os agricultores - dois grupos de pressão com muita força política.

Neste contexto, as queimadas e o comportamento do governo brasileiro ofereceram a "brecha" que Macron precisava para atender a uma demanda de política interna por mais protecionismo. Não que o presidente francês esteja alheio às questões éticas de defesa da floresta, mas o xadrez político local também tem peso na definição da velocidade e do tom em que ele tem se movimentado.

O primeiro movimento público para chamar atenção para a situação da Amazônia ocorreu na quinta-feira, 22, quando ele foi ao Twitter e publicou que a "nossa casa está em chamas", pedindo ações pela região. A mensagem ajudou a moldar a repercussão global que ganhou força ao longo daquele dia, e onde se juntaram artistas, atletas e celebridades. A crise global estava formada.

Apesar de ter usado uma imagem antiga, como o Estado mostrou, a tese do presidente francês estava baseada em dados verdadeiros: o número de queimadas neste ano é atipicamente alto. A crise escalou ainda mais quando Macron mencionou o risco que a situação das queimadas poderia representar ao acordo entre os blocos econômicos.

Ao oferecer ajuda financeira ao governo brasileiro, via G-7, Macron pressiona ainda mais o governo brasileiro e, ao mesmo tempo, acena para o seu público doméstico. Ao ser acusado de intervencionista, imperialista e outros que tais, Macron se defende com a geografia: a França, por meio da Guiana francesa, também faz fronteira com a Amazônia.

Enquanto isso, no Brasil, Bolsonaro optou por mandar as Forças Armadas para combater o fogo, ao decretar uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), em que até 44 mil militares poderão ser empregados. O clima entre as partes não arrefeceu entre as partes, em parte por causa da ofensa praticada por Bolsonaro contra a mulher do francês.

No fim de semana, o presidente brasileiro reagiu com risadas a um comentário em que um seguidor da sua página no Facebook postou fotos dos dois chefes de Estado com suas respectivas primeiras-damas, afirmando que o mandatário francês teria inveja de Bolsonaro porque sua esposa é 24 anos mais velha do que ele. O presidente brasileiro nega ter ofendido Brigitte.

Macron reagiu. "Bolsonaro fez comentários extremamente desrespeitosos sobre minha mulher", afirmou Macron, durante uma coletiva de imprensa do G-7, o grupo dos países mais ricos do mundo, em Biarritz, na França. "O que eu posso dizer? É triste, mas é triste primeiro por ele e pelos brasileiros. Como tenho uma grande amizade e respeito pelo povo brasileiro, espero que tenham rapidamente um presidente que se comporte à altura." Agora, Bolsonaro diz que só recebe os recursos prometidos pelo G-7 se o francês retirar o que ele classificou como insultos.

Estadão
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