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Dois dias após flexibilizar regras sobre recifes artificiais, governo revoga item mais polêmico

Artigo abria possibilidade de converter em recifes artificiais estruturas originalmente licenciadas para outros objetivos, mas cuja finalidade original estivesse extinta; isso poderia incluir uma plataforma de petróleo fora de uso

31 dez 2020 - 16h08
(atualizado às 16h25)
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Dois dias após publicar uma nova instrução normativa (IN) com regras mais flexíveis para o processo de licenciamento ambiental da instalação de recifes artificiais no litoral brasileiro, o Ibama revogou nesta quarta-feira, 30, um dos pontos mais polêmicos do documento.

Foi derrubado um parágrafo da IN 28, de 28 de dezembro, que previa a possibilidade de converter em recifes artificiais estruturas que originalmente tivessem sido licenciadas para outros objetivos, mas cuja finalidade original já estivesse extinta, mediante um licenciamento ambiental específico. A normativa foi publicada nesta quarta no Diário Oficial e é assinada pelo presidente substituto do Ibama, Luis Carlos Hiromi Nagao.

Quando o documento original foi publicado, especialistas disseram ao Estadão que aquele artigo trazia um risco grande para a biodiversidade. Eles avaliaram que poderia ser permitido, por exemplo, que uma plataforma de petróleo que já não mais estivesse sendo usada fosse afundada para virar um recife. Mesmo que fosse descomissionado, em vez de o maquinário ser retirado do fundo do mar, ele ficaria lá.

O Ibama foi procurado pela reportagem para explicar a mudança, mas não se manifestou até a publicação desta reportagem.

Aquele foi o item que mais levantou preocupação de especialistas, mas eles alertaram para outros perigos que permanecem em vigor. A normativa possibilita que seja colocado em prática um plano do governo Bolsonaro de instalar recifes artificiais em 128 pontos da costa brasileira. O plano foi elaborado pelo então secretário de Ecoturismo do ministério,Gilson Machado, que depois se tornou presidente da Embratur e, agora, é o ministro do Turismo.

O projeto veio à tona em março deste ano, mas nove meses antes, em junho de 2019, o governo havia revogado uma normativa anterior do Ibama, de 2009, que definia como poderia ser feito esse processo. Sem as normas, não tinha como ter plano.

O documento publicado na segunda redefine o conceito de recife artificial e abre algumas possibilidades que não estavam previstas antes. Na definição da normativa de 2009, constava que o material usado deveria ser inerte e não poluente - expressões que não aparecem agora. A nova regra fala que "considera-se inviável o projeto cuja estrutura do recife artificial contenha quantidade excessiva de materiais perigosos e potencialmente poluidores", sem definir o que é "excessivo".

"Amanhã (sexta, 1) tem início a Década Mundial dos Oceanos. Esperamos que o governo também recue em relação a flexibilização do afundamento de estruturas com contaminantes. Antes, a tolerância era zero. A nova norma continua abrindo brecha para contaminação, desde que não excessiva. É preciso qualificar o que excesso significa", comenta a administradora pública Natalie Unterstell, que coordena o Política por Inteiro.

A iniciativa do think tank Talanoa, que avalia mudanças em políticas públicas do País, fez uma comparação das normativas de 2009 e de 2020 e apontou alguns riscos da mudança, como esse dos poluentes e a falta de regulamentação clara sobre a implantação desses recifes em unidades de conservação (UCs) marinhas.

O regramento anterior previa diretrizes específicas para UCs. A implantação de recifes artificiais nessas áreas dependia de anuência do órgão responsável por sua administração, como o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Da mesma forma, o órgão tinha de se manifestar quando fosse identificada na região onde se pretende instalar o recife a ocorrência de espécies ameaçadas de extinção. As duas regras foram modificadas agora.

O próprio ICMBio tinha se manifestado contrário à ideia, ao identificar que os locais onde o governo pretende plano recifes artificiais atingem área onde vivem 110 espécies ameaçadas de extinção.

Estadão
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