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'Direito de consertar' ganha força na Europa e EUA, mas caminha lentamente no Brasil

Movimento é uma tentativa de tornar o consumo mais consciente e transparente, reduzindo o impacto ambiental

9 nov 2020 - 15h11
(atualizado às 16h38)
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O "direito de consertar" é um movimento que tem ganhado força na Europa e nos Estados Unidos nos últimos anos, mas ainda caminha lentamente no Brasil. Sua intenção é oferecer dispositivos legais ao consumidor para ter acesso ao reparo e também ter mais informações sobre a vida útil do produto. É uma tentativa de tornar o consumo mais consciente e transparente, reduzindo o impacto ambiental.

O Brasil ainda carece de leis específicas por encontrar obstáculos semelhantes ao de outros países em desenvolvimento. "Existe uma questão cultural de descartar o que é velho e comprar o novo. Na Europa você vê uma pessoa usar o mesmo casaco até não poder mais. Aqui é diferente, há uma valorização do novo", afirmou Cristina Helena Pinto de Mello, economista da ESPM e pesquisadora de consumo e desenvolvimento econômico.

Outra dificuldade é que o brasileiro, por questões econômicas, costuma procurar o caminho mais curto e simples quando encontra defeito em um produto. Assim como em outros países latinos, existe um mercado informal de reparo muito forte, com assistências técnicas nem sempre licenciadas.

"De certa maneira, a informalidade inibe um movimento mais organizado que poderia contribuir para melhorar a informação sobre os produtos", afirmou Fernanda Iwasaka, analista de conteúdos e metodologias do Instituto Akatu, organização sem fins lucrativos que trabalha pelo consumo consciente.

Existe ainda uma cadeia produtiva que obriga o consumidor a trocar o produto, conhecida como obsolescência programada, um conceito antigo que já é criminalizado em alguns países europeus. Por exemplo, uma empresa cria um software novo que torna o produto mais lento ou que compromete seu uso e obriga a compra de um novo. "A obsolescência programada virou uma estratégia de algumas marcas para criarem seus próprios mercados. Isso acontece também no mercado de peças", diz Cristina.

No Código de Defesa do Consumidor (CDC) existe apenas um item que trata do assunto, que determina a obrigatoriedade de serem disponibilizadas peças de reposição para o reparo de produtos por um período razoável, mesmo após o produto não estar mais disponível no mercado. No entanto, não há uma definição sobre o que é período razoável.

A França, em 2015, criou uma lei que combate a obsolescência programada, que pune empresas que criam um produto intencionalmente com vida útil reduzida a fim de elevar sua taxa de substituição. A medida obriga as empresas a colocar informações sobre a disponibilidade de peças de reposição e exibição da vida útil do produto.

Nos Estados Unidos, desde 2012, existe uma lei do setor automobilístico que obriga as empresas fornecerem peças e informações de reparos aos consumidores. Há pelo menos 20 Estados americanos com projetos de lei para adotar medidas relacionadas ao direito de consertar.

Um estudo do principal órgão de proteção ambiental da Alemanha, o Umweltbundesamt, mostrou que o primeiro serviço de vida útil da maioria de eletrodomésticos e eletroeletrônicos diminuiu nos últimos anos. A primeira vida útil é definida como o período em que um produto é usado pelo primeiro consumidor. Para grandes eletrodomésticos, como geladeira e máquina de lavar, a primeira vida útil declinou de 14,1 anos em 2004 para 13 anos em 2012/13. O estudo descobriu que uma parcela crescente de eletrodomésticos é substituída ou descartada antes de atingirem uma média de primeira vida útil de 5 anos.

Riscos ambientais

Uma regulamentação sobre o direito de consertar, com mais informações sobre a vida útil de um produto, gera economia financeira e menor impacto ambiental, pois diminuirá o uso de recursos naturais e também gerará menos lixo eletrônico. "É um componente importante na transição para uma economia mais circular em um momento que existe preocupação com a diminuição das emissões de gases por causa do aquecimento global", afirmou Iwasaka.

Um smartphone, por exemplo, possui cerca de 70 elementos químicos diferentes. Soma-se isso a notebooks, rádios, geladeiras, micro-ondas, baterias... Uma pesquisa de 2017 da ONU apontou que o Brasil é o sétimo maior produtor de lixo eletrônico no mundo. O País gera em média 1,5 milhão de toneladas por ano.

Segundo lei brasileira de 2009, a responsabilidade pela destinação final do lixo eletrônico "é solidária entre as empresas que produzam, comercializem ou importem produtos e componentes eletroeletrônicos". Ou seja, era para os produtores se responsabilizarem pelo descarte, mas pouca gente sabe disso.

Estadão
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