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Cúpula do Clima tem algumas promessas, mas não o suficiente

Ideia era que líderes se comprometessem a fazer mais do que prometeram no Acordo de Paris

24 set 2019 - 06h11
(atualizado às 08h10)
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NOVA YORK - Uma conferência que começou com uma garota magrinha e pequena de 16 anos fazendo acusações fortes e emotivas de que os líderes mundiais estão roubando seus sonhos e sua infância com palavras vazias tinha de se esforçar muito para conseguir atender as altas expectativas. Algumas coisas foram prometidas, mas ainda não o bastante.

A Cúpula do Clima da ONU realizada nesta segunda-feira, 23, foi convocada pelo secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, para que os países trouxessem planos concretos para combater as mudanças climáticas. A ideia era que líderes se comprometessem a fazer mais do que prometeram no Acordo de Paris, visto que as metas apresentadas em 2015 colocam o planeta em direção a um aquecimento de cerca de 3ºC em média até o final de 2100. O objetivo do acordo é ficar bem abaixo de 2ºC, preferencialmente em 1,5ºC.

Greta Thunberg fala durante reunião da ONU
Greta Thunberg fala durante reunião da ONU
Foto: Lucas Jackson / Reuters

Guterres abriu a conferência lembrando que a "natureza está brava". "A gente se engana se achar que conseguimos enganar a natureza. Porque a natureza sempre revida. E em todo o mundo natureza está rebatendo com fúria", disse. Por vários dias ele afirmou que não teria voz quem apenas viesse com discursos bonitos, mas quem tivesse ações. Foi nesse espírito que Brasil, Estados Unidos, Japão ficaram de fora das declarações oficias.

"Há um custo para tudo, mas o maior custo é não fazer nada. O maior custo é subsidiar uma indústria de combustíveis fósseis que está morrendo, construindo cada vez mais usinas a carvão e negando o que é claro como o dia. Que estamos em um buraco climático profundo e para sair, precisamos primeiro parar de cavar. Afinal, é senso comum doar trilhões em dinheiro dos contribuintes para a indústria de combustíveis fósseis para impulsionar furacões, espalhar doenças tropicais e aumentar conflitos?"

Guterres foi seguido de uma jovem brasileira, a estudante de Direito Paloma Costa, de 27 anos, e pela adolescente sueca Greta Thunberg, que fez o seu mais emotivo e forte discurso desde que começou a fazer greves escolar às sextas-feiras, há pouco mais de um ano, para cobrar o governo sueco a ser mais efetivo no combate às mudanças climáticas.

Em um discurso de pouco menos de 3 minutos, Greta questionou os líderes: "como ousam" não fazer o que lhes cabe? "Tem gente sofrendo, tem gente morrendo. Ecossistemas inteiros estão entrando em colapso. Estamos no começo de uma extinção em massa e tudo o que vocês conseguem falar é dinheiro e contos de fada sobre um crescimento econômico eterno. Como vocês ousam?", disse parecendo ela mesma estar a ponto de cair em lágrimas.

É uma menina, afinal de contas, que em pouco mais de um ano se tornou a voz mais ativa e influente contra as mudanças climáticas. Tornou-se um símbolo de esperança por ser alguém que critica de modo muito preciso, que diz o que no mundo diplomático ninguém fala. Ou quando fala, traz de fato muita promessa vazia, como ela pontuou. Ainda assim, é o peso de um modo nas suas costas.

Na sexta-feira, na grande greve pelo clima que fez os jovens tomarem as ruas em várias partes do mundo, Greta disse em Nova York que não estava sacrificando seus estudos, faltando às aulas para tirar selfies com políticos e ouvir deles que a admiram. Ela disse querer ver ação.

Alguns líderes que se seguiram a ela trouxeram planos. O presidente da França, Emmanuel Macron, por exemplo, que tem antagonizado com o presidente Jair Bolsonaro, anunciou que não entrará em nenhum acordo comercial com países que tenham políticas contrárias ao Acordo de Paris. Antes do início da cúpula, Macron liderou uma reunião pelo lançamento de uma aliança por florestas tropicais do mundo - das quais a Amazônia é a maior - sem a presença do Brasil, que não enviou representantes para o evento.

Ao final do dia, Guterres apresentou um balanço: 77 países, muitos do mundo industrializado, se comprometeram com emissões líquidas zero (em que plantio de árvores ou tecnologias consigam absorver carbono excedente da atmosfera) até 2050; 70 países anunciaram que vão aumentar suas NDCs (contribuições nacionalmente determinadas - as metas do Acordo de Paris, no jargão da ONU) em 2020, como índia, China e União Europeia. Vários países se comprometeram com mais dinheiro para as finanças climáticas. Mais de cem líderes do setor privado se comprometeram em acelerar seu movimento para a economia verde.

"Eu fiquei tocado com vários exemplos de liderança inspiradora de países que menos contribuem com a crise climática. Os países-ilhas se comprometeram junto a neutralidade de carbono e usarem somente energias renováveis em 2030. Mais de 2 mil cidades prometeram colocar os riscos climáticos no centro da tomada de decisões, criando projetos urbanos inteligentes em relação ao clima. Países como Paquistão, Guatemala, Colômbia, Nigéria, Nova Zelândia e Barbados se comprometerem a plantar mais de 11 bilhões de árvores", disse o secretário-geral.

"Mas ainda temos um longo caminho a cumprir. Ainda não estamos lá. Precisamos de muito para atingir a neutralidade de carbono em 2050 e conter o aumento da temperatura em 1,5ºC até o final do século. Mais planos concretos, mais ambição de mais países e empresas. E mais compromissos em encerrar os subsídios para combustíveis fósseis", disse.

Estados Unidos não trouxeram nenhum plano. O presidente Donald Trump, que nem estava previsto para aparecer na cúpula, entrou por alguns minutos na plenária, enquanto o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, discursava, e logo depois saiu. Ele estava na ONU somente para participar de um evento sobre liberdade religiosa. O Brasil, que estava na reunião representado pelos ministros do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e das Relações Internacionais, Ernesto Araújo, tampouco fez alguma nova promessa.

Salles disse em entrevistas nos últimos dias que o Brasil tem a NDC mais ambiciosa e que, portanto, não vai apresentar novos planos. A meta do Brasil, porém, implica em zerar o desmatamento ilegal da Amazônia em 2030. A promessa foi feita em 2015. De lá pra cá o desmatamento subiu, com estimativas de ter chegado neste primeiro ano de governo Bolsonaro a uma taxa de 10 mil km².

*A repórter viajou a convite da organização No Peace Without Justice. **O repórter viajou a convite da ONU.

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