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Com inseminação artificial, abrigo luta para salvar onças da extinção

Especialistas do País e também dos Estados Unidos aplicam novas técnicas de reprodução assistida em centro de reabilitação de Jundiaí

5 dez 2021 - 17h07
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No Centro de Reabilitação de Animais Silvestres da Associação Mata Ciliar, em Jundiaí (SP), a onça-pintada Bianca, de 8 anos, 53 kg e presas que dão um frio na espinha, só espreita. Parece estranhar tanto movimento. Os tratadores pedem que a gente não fique no raio de visão dela. Mesmo atenta, a felina nem desconfia de que cada gesto aqui, do lado de fora das grades, busca a sobrevivência da sua espécie.

Biólogos e veterinários do Brasil e dos Estados Unidos usam a biotecnologia, mais precisamente novas técnicas de reprodução assistida, para diminuir o risco de extinção de felinos silvestres. Em outubro, foram inseminadas artificialmente duas onças - a própria Bianca, que agora parece sonolenta e se espreguiça ao sol, e a Tabatinga, que quase nunca aparece.

O estudo envolve também as jaguatiricas Acerola, Tereré e Jade, além de Lua, o primeiro animal silvestre nascido na América Latina de uma transferência de embrião, a popular "barriga de aluguel". Isso aconteceu há 14 anos. Agora, ela foi inseminada.

O pulo do gato - ou da onça, no caso - é o uso de sêmen congelado pela primeira vez. Se as fêmeas engravidarem, várias possibilidades se abrem para a conservação das espécies.

Armazenando o material genético em botijões de nitrogênio líquido, a baixíssimas temperaturas, os pesquisadores podem levá-lo a outras regiões. Com isso, a inseminação pode ser feita no hábitat dos animais, sem a necessidade de transporte e cativeiro.

Genética

Fertilizar animais de vida livre também diminui a chance de acasalamento entre parentes, o que pode levar a descendentes com problemas genéticos e de saúde. "Esse é o próximo passo da pesquisa", como explica a veterinária Cristina Harumi Adania, coordenadora de fauna da entidade e especialista em sobrevivência de animais em extinção há mais de 30 anos.

Outra clareira que se abre é o armazenamento do sêmen por tempo indeterminado para futuras inseminações. E o Brasil está no centro dessa discussão. Das 11 espécies de felinos na América Latina, nove estão em território brasileiro.

O estudo ganha urgência por causa da destruição dos hábitats naturais dos felinos. No topo da cadeia alimentar, eles precisam de grandes áreas para caçar, mas elas estão ficando restritas. Cristina explica que vários pesquisadores apontam a onça-pintada como um bioindicador, ou seja, onde tem onça, tem qualidade ambiental. Em vários lugares, no entanto, a onça está pedindo água. O desmatamento da Amazônia totalizou 13.235 km² no período 2020-2021, a maior área desde 2005-2006, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

O Pantanal, outro bioma importante para os felinos, sofre há dois anos com a evolução das queimadas. O ano de 2020, com 21.713 focos, bateu recorde da série histórica do Inpe desde o fim da década de 1990.

"A diversidade genética pode ser oferecida apesar da destruição dos hábitats naturais. Existe uma pontinha de esperança de que os animais possam ser enriquecidos com essa técnica", diz Cristina.

Força-tarefa

Referência na conservação da biodiversidade da fauna e da flora desde 1997, a Associação Mata Ciliar não é um zoológico ou um local de visitação pública. A entidade abriga o Centro de Reabilitação de Animais Silvestres, que recebe animais acidentados, vítimas de tráfico ilegal, de qualquer espécie, com o objetivo de reintegrá-los à natureza. Aqueles que não conseguem retornar permanecem em cativeiro.

O estudo com os felinos conta com a parceria de pesquisadores do Centro de Animais Silvestres do Zoológico de Cincinnati, em Ohio, que desembarcam no Brasil uma vez por ano, e da Universidade Federal do Mato Grosso. Todos se reuniram em Jundiaí para mais uma rodada de estudos.

O resultado da inseminação das onças e das jaguatiricas sai em um mês. Se a gravidez se confirmar, novos felinos vão colocar as garras para fora no início do ano que vem. A gestação de uma onça dura de 80 a 105 dias (cerca de três meses), e pode gerar de um a quatro filhotes.

Mas não é fácil conferir se uma onça está grávida. Só a preparação para o exame de ultrassom dura um mês. É o processo chamado de condicionamento. Todos os dias, de manhã e à tarde, na hora da refeição (carne de frango), os tratadores acariciam a barriga da onça. Mas não é com a mão - ninguém chega perto dos bichos! Tudo é feito através das grades com um pedaço de cano de PVC, uma peça curva, umedecida com gel. A intenção da técnica é simular o contato que o animal terá com o aparelho médico.

"O objetivo é gerar o menor estresse possível no animal. Por isso, a gente vai fazendo com que ele se acostume e não estranhe a hora do exame", explica Volmir Forte Daros, estudante do último ano de Biologia na Unip de Jundiaí e líder dos tratadores de animais.

A inseminação é apenas uma parte do amplo trabalho de biotecnologia aplicada para reprodução dos felinos silvestres. Ao longo de 20 anos, o grupo já trabalhou com 120 animais na coleta de sêmen, transferência de embrião, fertilização in vitro, entre outras técnicas biotecnológicas. Já nasceram três jaguatiricas e uma onça pintada.

Estadão
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