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Câmara pauta votação em regime de urgência de projeto de lei que flexibiliza liberação de agrotóxico

Proposta reduz papel do Ibama e do Ministério da Saúde no controle dessas substâncias e aumenta poder da pasta da Agricultura, segundo especialistas; Frente Parlamentar da Agropecuária diz que texto moderniza legislação antiga

16 dez 2021 - 15h45
(atualizado às 16h07)
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BRASÍLIA - A pedido da bancada ruralista, o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), pautou nesta quinta-feira, 16, para votação em regime de urgência, o projeto de lei 6299/2002, que altera as regras de controle e liberação de novos agrotóxicos no País. A expectativa de deputados ligados ao setor do agronegócio é a de que o projeto vá à votação no plenário ainda nesta quinta. Se aprovado, texto ainda precisa passar no Senado.

O projeto de lei flexibiliza as regras para fiscalização e utilização de agrotóxicos no País e, na avaliação de especialistas, enfraquece a atuação do Ministério da Saúde, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), do Ministério do Meio Ambiente e do Ibama no controle e autorização dessas substâncias. Essa missão passa a ficar concentrada no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

O Ibama e a Anvisa já apontaram em 2018 que a proposta é inconstitucional e possui falhas que prejudicariam a fiscalização dos produtos, colocando em risco a saúde da população. O Ministério da Agricultura e a Frente Parlamentar da Agricultura (nome oficial da bancada ruralista), por sua vez, afirmam que o tema é tratado com "preconceito e ideologia" e que precisa ser modernizado.

"Protocolar um requerimento de urgência urgentíssima para a votação da proposta da nova Lei dos Agrotóxicos no dia 16 de dezembro, assinado por 11 líderes partidários além do relator da comissão especial, mostra bem o descaso de muitos parlamentares para com o meio ambiente e a saúde pública", diz Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima.

Segundo ela, que presidiu o Ibama na gestão Michel Temer, o texto "enfraquece muito o controle governamental sobre esses produtos, escanteia na prática Ibama e Anvisa, elimina exigências hoje presentes na lei, como a vedação de produtos que revelem características teratogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas".

Nos últimos três anos, mesmo com a atual legislação, que é mais rigorosa, o governo de Jair Bolsonaro já aprovou cerca de 1,5 mil novos agrotóxicos. O temor de ambientalistas é que, ao flexibilizar ainda mais a regra, o controle seja completamente exaurido.

"Querer aprovar um projeto com tamanha gravidade no fechar das luzes do ano legislativo só prova o quão danoso ele é para a sociedade e mostra a sanha dos ruralistas e do setor de agrotóxicos em gerar lucro em detrimento da saúde das pessoas e do meio ambiente", diz Mariana Mota, Coordenadora de Políticas Públicas do Greenpeace.

Ao Estadão, a Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) afirma que o PL 6299/02 é discutido há quase 20 anos no Congresso, tendo passado em 2018 pela comissão especial dedicada ao tema, com a participação da sociedade civil e demais setores interessados em oito audiências públicas. "O relatório aprovado pelo Dep. Luiz Nishimori (PL-PR) em 2018 contou com a contribuição de diversas autoridades e parlamentares que participaram da discussão na comissão", declarou a frente.

Segundo a bancada ligada ao agronegócio, a proposta "moderniza uma lei antiga, com quase 30 anos, período em que passou por poucas atualizações, e que não acompanhou a evolução da agricultura brasileira".

"Há cerca de 50 anos o Brasil era importador de alimentos, ao passo que hoje é o terceiro maior exportador do mundo e deve chegar ao primeiro lugar até 2024, de acordo com dados da Organização Mundial do Comércio (OMC). Esse desenvolvimento só foi e será possível com o uso de novas tecnologias nas lavouras brasileiras. Importante dizer que hoje não existe tecnologia distinta para combate de pragas e doenças para o clima tropical brasileiro, responsável por maior proliferação de pragas e doenças", declarou a FPA.

Segundo a bancada do agro, relatório realizado pelo Programa de Análises de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos, da Anvisa, apontou que "quase 99% das amostras de alimentos analisadas, entre o período de 2013 e 2015, estão livres de resíduos de defensivos que representam risco agudo para a saúde".

O deputado Luiz Nishimori nega flexibilização das regras e diz que a nova lei deve ser mais rigorosa e transparente. "Para aprovar uma nova substância, será necessário analisar o risco do produto para o meio ambiente e para a população. Atualmente, a análise de perigo do produto mede apenas a capacidade de causar dano, já a análise de risco prevista na nova lei analisa a toxicidade e da exposição à substância, garantindo mais segurança e eficiência dos produtos no combate de pragas e doenças do clima tropical brasileiro", afirma.

Questionado sobre a liberação no Brasil de produtos que foram banidos na Europa e Estados Unidos, a FPA afirma que há "confusão sobre esta questão" e que isso tem a ver com as condições climáticas. "Pesticidas utilizados no Brasil podem não ser necessários em países cujo inverno rigoroso - muitas vezes com neve - reduz naturalmente as pragas e doenças. Fica difícil a comparação em situações ambientais distintas. Tecnicamente, os patógenos apresentam dinâmica populacional muito diferente, com outros controles biológicos e ambientais. E a demanda por determinado produto varia de acordo com o tipo de praga, de cultura e das condições climáticas, influenciando a análise no registro de pesticidas, Na Europa, por exemplo, não se planta café, nem cana-de-açúcar", afirmou.

Nishimori nega ainda o controle das decisões nas mãos do Ministério da Agricultura. "As competências para análises dos parâmetros de riscos aceitáveis permanecem as mesmas para todos os órgãos. Caberá ao Ministério da Agricultura o parecer final, considerando os pareceres do meio ambiente (Ibama) e da saúde (Anvisa)."

Estadão
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