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Ativista indígena Txai Suruí relata ameaças após a COP, mas fala em esperança: 'Vamos reconstruir'

Estudante de 24 anos ganhou notoriedade após fala em conferência na Escócia. 'Sou esperançosa. Tem gente que acredita numa floresta em pé, viva', disse ao Estadão

6 jan 2022 - 10h10
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Após chamar a atenção do mundo com sua fala na Conferência do Clima (COP 26), na Escócia, a ativista indígena Txai Suruí quer dar continuidade aos esforços de preservação e conscientização ambiental no Brasil. Ela relata ter sofrido ameaças e intimidações após ganhar notoriedade, mas destaca que trabalha para "reconstruir aquilo que foi destruído".

"Eu sou, sim, esperançosa. Nossa luta é sobre esperança. Porque tem gente que acredita numa floresta em pé, viva. E que isso não significa que a gente seja contrário ao desenvolvimento, nem contra a qualidade de vida. Muito pelo contrário, porque dentro da floresta há muita qualidade de vida", disse ela ao Estadão.

Estudante de Direito, ela tem apenas 24 anos, mas sua voz já está sendo ouvida em fóruns internacionais de grande relevância. Filha do cacique Almir Suruí e da indigenista Ivaneide Bandeira Cardozo, criada na comunidade Terra Indígena Sete de Setembro, uma reserva indígena em Cacoal, município de Rondônia, ela surpreendeu o mundo ao falar na abertura da COP 26, em Glasgow, no dia 1° de novembro.

Em discurso de 2 minutos e 5 segundos, falado na língua inglesa, Txai vestia roupas típicas, ostentava um cocar de penas coloridas e tinha o rosto pintado quando atraiu a atenção de duas centenas de líderes internacionais para os danos à floresta, entre eles gente como o primeiro ministro britânico Boris Johnson e o secretário geral da ONU, António Guterres, que ouviram atentamente as palavras em defesa do meio ambiente e dos direitos humanos dos povos indígenas da Amazônia.

"Precisamos tomar outro caminho com mudanças corajosas e globais. Não é 2030 ou 2050, é agora", disse a ativista na oportunidade. "Os povos indígenas estão na linha de frente da emergência climática, por isso devemos estar no centro das decisões que acontecem aqui. Nós temos ideias para adiar o fim do mundo. Vamos frear as emissões de promessas mentirosas e irresponsáveis; vamos acabar com a poluição das palavras vazias, e vamos lutar por um futuro e um presente habitáveis", afirmou Txai, observada pela plateia, em transmissão direta da abertura da COP 26 na Escócia.

Txai, cujo nome indígena em paiter suruí é Walelasoetxeige Suruí, é de um grupo que fala mondé, uma língua do tronco tupi. Os paiter suruí tiveram o contato oficial, da Funai, somente em 1969. Dados do Instituto Socioambiental (ISA) mostram que o povo da região foi contatado pelos sertanistas Francisco Meirelles e Apoena Meirelles no então acampamento da Funai, fundado um ano antes, em 7 de setembro de 1968.

"Os suruí só passaram a morar de forma permanente no posto em 73, quando vieram buscar assistência médica em razão de uma epidemia de sarampo que matou cerca de 300 pessoas", informa o histórico da tribo, segundo o ISA.

A voz de Txai repercutiu não só entre os líderes europeus. Provocou também a reação do presidente Jair Bolsonaro e seus aliados no Brasil, que tem registrado recordes de desmatamento no seu governo. "Levaram uma índia para atacar o Brasil", disse o presidente a apoiadores dele em Brasília.

Mas Txai rejeita a declaração de Bolsonaro. Para ela, não houve "ataque algum ao País". A seguir, leia entrevista da líder suruí.

Como avalia a repercussão ao seu discurso na COP 26?

Falando do meu discurso, acho que foi uma repercussão ótima. Maior do que eu esperava. Eu não esperava essa repercussão que teve.

Você tem denunciado ameaças e pressões sofridas contra sua posição na COP 26. Que tipo de ameaças são essas?

Recebi muitas mensagens de ódio, de racismo, misóginas, nas redes sociais. Depois que retornei para minha casa, meu Estado, alguns acontecimentos preocupantes aconteceram. Por exemplo: eu estava voltando do mercado, com meu marido, e fomos seguidos na volta para casa, Um carro começou a seguir a gente. Meu marido percebeu e me puxou para o outro lado da rua. Mas o carro deu ré e foi também para o outro lado da rua e ficou andando bem devagar, acompanhando a gente, do nosso lado. Foi assustador. Foi claramente uma intimidação. Neste mesmo dia, foram dois homens na casa da minha mãe perguntar por nós, se a gente já tinha voltado de viagem.

Você comunicou isso para alguma autoridade brasileira?

Não. Eu comuniquei só para as organizações parceiras, que cuidam disso, que fazem o trabalho de proteger ativistas. Mas durante a própria COP, a ONU, e até gente que era do governo brasileiro ligou oferecendo proteção. Mas falei para eles que achava que não era necessário lá, porque lá a gente estava seguro. O problema seria quando a gente voltasse para casa. Aí, sim, seria perigoso.

E aqui, no Brasil, vocês não receberam nenhuma proteção de Polícia Federal, por exemplo?

Não.

Você é filha de família indígena, seu pai, Almir Suruí, é um líder da comunidade em Rondônia. Você conhece o cotidiano das aldeias desde criança, como tem mostrado até em redes sociais. Mas você gosta de rap urbano e já disse ser fã do Mano Brown. O que exatamente liga você à realidade do Capão Redondo (SP)?

O que liga Txai a Mano Brown é a resistência. Independente das diferentes linguagens que a gente está falando, eu, daqui, dos territórios indígenas, ele lá, falando da zona urbana, mas todos nós estamos falando de uma guerra territorial, onde a gente é explorado. Assim como o nosso povo é explorado, ainda que em locais diferentes, somos todos vulnerabilizados. E estamos nessa luta por resistência, para mudar essas realidade. Para que nosso povo pare de ser explorado, pare de ser morto. O que nos liga é resistência.

Você acredita ser possível alcançar sucesso nessa ação de preservação ambiental no Brasil atual? Ou você está pessimista?

Olha, uma coisa que a gente mostrou lá na COP foi que, apesar desse governo, com essa política anti-indígena, anti-ambientalista, que vai contra o que está todo mundo colocando, o Brasil mostrou que tem pessoas comprometidas com a agenda climática. A gente teve uma participação da sociedade civil lá. Tivemos o movimento negro presente. Isso mostrou que há pessoas com compromisso com a agenda climática para mudar essa realidade e essa crise que estamos vivendo. A gente tem de fazer nosso trabalho de base para mudar isso. Temos um trabalho para reconstruir aquilo que foi destruído. Eu sou, sim, esperançosa. Nossa luta é sobre esperança. Porque tem gente que acredita numa floresta em pé, viva. E que isso não significa que a gente seja contrário ao desenvolvimento, nem contra a qualidade de vida. Muito pelo contrário, porque dentro da floresta há muita qualidade de vida.

Você trabalha com jovens, criou um movimento e organiza ações de militância jovem. Qual é a sua formação acadêmica?

Sou estudante de Direito. Estou no último ano. O Direito me ajuda muito no meu trabalho.

Já tinha viajado ao Exterior antes da COP 26? Para onde você foi?

Sim, tinha participado da COP passada, já acompanhei meu pai para fora do país. Ele representou o Brasil na ONU e em vários espaços internacionais.

Qual é a história da Terra Indígena Sete de Setembro, onde fica, quantos habitantes tem e qual é o tamanho dela?

A Terra Indígena Sete de Setembro começa em Cacoal e vai até o Mato Grosso. A gente tem lá aproximadamente 1,8 mil pessoas. Lá vive o povo paiter suruí. Paiter significa "gente de verdade", na língua tupi-mondé. Temos 30 aldeias. Nosso povo sempre foi conhecido pela sua forma de trabalhar olhando para o futuro. Tivemos uma parceria com o Google, fomos os primeiros indígenas do Brasil a trabalhar com crédito de carbono. Sempre tivemos uma visão visionária, de buscar soluções sustentáveis, que mantenham a floresta em pé.

Vocês produzem lá na Sete de Setembro?

Sim, trabalhamos agora com café, com uma parceria com a Três Corações. Nosso café é de agroflorestas para não ser monocultura. A gente tem nosso reflorestamento, que já está dando frutos. A gente entendeu que estamos num ponto no qual não se pode só proteger a floresta, mas temos que devolver o que tiramos dela. Olha, o que estamos vendo no País é incentivo para invadirem as terras indígenas. E isso também acontece na Terra Indígena Sete de Setembro. A gente tem problemas com garimpo, com arrendamento de terras. Todas as TI estão sendo atacadas. Não é só a minha. Mas, agora no final do ano, a gente conseguiu reverter uma proposta do governador do Estado, que queria acabar com duas Unidades de Conservação. A gente pediu a inconstitucionalidade da lei. Conseguimos reaver as duas unidades. É uma luta.

Como é essa exploração do café?

A gente tem nosso próprio selo de produto. Quem quiser localizar o produto, tem como localizar nos mercados. A gente está começando a vender nossa castanha. É um fruto de uma árvore sagrada do povo paiter suruí. A gente colhe e vende mostrando que conseguimos preservar a árvore, que é protegida por lei, mas que muitas vezes é derrubada. A gente sabe que ganha muito mais coletando a castanha do que derrubando a árvore.

Estadão
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