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Agropecuária e desmatamento produzem 23% de gases-estufa

Novo relatório do IPCC destaca as relações entre o uso do solo e as mudanças climáticas

8 ago 2019 - 05h12
(atualizado às 07h51)
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Desmatamento e agropecuária respondem por mais de 20% das emissões de gases de efeito estufa responsáveis pelo aquecimento global. A perda da vegetação, por sua vez, faz o planeta absorver cada vez menos o CO2 em excesso que está na atmosfera, minando ainda mais sua capacidade de combater as mudanças climáticas em curso.

Essa é uma das principais conclusões do novo relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU), divulgado na manhã desta quinta-feira, 8, em Genebra - o primeiro focado no uso da terra. As fotos distribuídas ao longo deste texto trazem alguns dos principais pontos do documento.

Imagens aéreas mostram área desmatada na Amazônia
27/07/2017 REUTERS/Bruno Kelly
Imagens aéreas mostram área desmatada na Amazônia 27/07/2017 REUTERS/Bruno Kelly
Foto: Reuters

A divulgação do documento deve aumentar a pressão internacional sobre países como o Brasil, em que a produção agrícola tem um papel econômico crucial e o desmatamento está em alta.

"A terra exerce um importante papel no sistema climático", disse um dos autores do relatório, Jim Skea, co-presidente de um dos grupos de trabalho do IPCC, em comunicado enviado à imprensa. "A agricultura, o desmatamento e outros tipos de uso da terra respondem por 23% das emissões de gases estufa. Ao mesmo tempo, processos naturais da terra (como a fotossíntese) contribuem para a absorção de praticamente 30% das emissões de CO2 resultantes da queima de combustível fóssil e da indústria."

Metade dessas emissões é de responsabilidade de desmatamento. Considerando somente o gás metano, a agricultura é responsável por metade das emissões. O setor é responsável por 3/4 das emissões globais de óxido nitroso por causa do uso de fertilizantes.

A exploração atual de recursos naturais não tem precedentes na história da humanidade. Atividades humanas afetam mais de 70% de toda a superfície terrestre que não é coberta de gelo. E cerca de 1/4 está sujeita à degradação induzida pela humanidade.

"Para conter o aquecimento do planeta a menos de 2°C (meta do Acordo de Paris), as emissões por queima de combustíveis fósseis têm de cair; só cuidar do uso da terra não vai solucionar o problema", explica o meteorologista Humberto Barbosa, da Universidade Federal de Alagoas, autor do capítulo sobre degradação do uso da terra do relatório. "Mas atacar essa questão pode ajudar muito no esforço geral."

O relatório estima que de um quarto a um terço do potencial terrestre é usado para a produção de alimentos, fibras e energia. A degradação da terra, por sua vez, a torna menos produtiva e reduz sua capacidade de absorver carbono. Atualmente, segundo o relatório, 500 milhões de pessoas já vivem em áreas que experimentaram um processo de desertificação entre 1980 e os anos 2000. Para manter a segurança alimentar do planeta, sobretudo diante do aumento da população, a produção de alimentos terá que ser cada vez mais eficiente.

O novo relatório do IPCC discute também as opções de adaptação e mitigação para o setor de uso da terra, levando em conta formas de também combater a desertificação e a degradação da terra e ao mesmo tempo aumentar a segurança alimentar.

Se na maioria dos casos, agir contra as mudanças tem múltiplos co-benefícios, contribui positivamente com o desenvolvimento sustentável e colabora com essas questões, em alguns casos, pode haver alguma competição por terra.

"O relatório destaca que a humanidade vai ter de fazer opções difíceis entre a necessidade de expandir o tamanho das florestas para capturar CO2 da atmosfera, aumentar a produção de biocombustíveis para ajudar na redução das emissões, aumentar a produção de alimentos e reduzir drasticamente o desmatamento", comenta o físico Paulo Artaxo, professor da USP e autor do segundo capítulo do documento.

"Se aplicadas na escala para remover CO2 da atmosfera no nível de várias gigatoneladas por ano, o plantio de florestas, o reflorestamento e uso da terra para fornecer matéria-prima para bioenergia poderia aumentar muito a demanda por conversão de terras", escrevem os autores no sumário executivo.

Papel da agropecuária

Para Artaxo, o documento coloca pressão sobre os países em desenvolvimento tropicais - área do planeta onde é possível reflorestar mais rapidamente. O texto não cita nenhuma nação especificamente, mas o pesquisador acredita que a mensagem está clara.

"No caso do Brasil, por exemplo, fica uma pressão para que o País cumpra sua própria meta feita junto ao Acordo de Paris de reduzir o desmatamento ilegal a zero e de reflorestar 12 milhões de hectares de terra até 2030. Isso é fundamental", diz o físico.

Artaxo pontua ainda que o relatório coloca na berlinda as enormes emissões do setor agropecuário.

"Antes não era tão explícito, mas agora mostrou o elefante na sala que é a produção de alimentos. Levanta a peteca de que o setor tem de tomar mais cuidado com suas emissões. E, mais uma vez, para o caso do Brasil, deixa claro que a agricultura de baixo carbono é fundamental para o País. É estratégico. Se o Brasil quiser continuar sendo um líder na produção agrícola, terá de mudar a tática e investir no baixo carbono. E as emissões de metano das centenas de milhões de bois e vacas do País terão de ser diminuídas."

A engenheira Suzana Kahn Ribeiro, presidente do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas da Coppe, concorda com o colega. "Há um desconhecimento completo do atual governo em relação aos benefícios competitivos que o País teria se migrasse para uma agricultura de baixo carbono", afirmou a especialista.

"Somos o país mais megadiverso do mundo, temos mais de 70% das espécies do planeta, 20% da água superficial do planeta está no nosso território; isso tudo pode nos levar a um patamar de potência, mas precisamos ter uma visão mais moderna da bioeconomia". diz.

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