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'A reforma tributária é uma boa oportunidade para a criação de um imposto sobre a poluição'

Especialista em Economia Ambiental aponta que é preciso alinhar os benefícios e custos individuais aos da sociedade

28 ago 2020 - 13h06
(atualizado às 13h19)
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Para o professor Ariaster Chimeli, da FEA/USP, se antes a conversa sobre a utilização de energia renovável e diminuição de impactos ambientais era mais filosófica, agora há o amadurecimento de discussões que já vinham sendo desenvolvidas. Ao Estadão, ele diz ainda que é "bem tangível" promover o desenvolvimento sem comprometer as gerações futuras.

O que é economia circular?

Existem conceitos que não são tão novos, mas ganham uma nova roupagem. O conceito de economia circular é baseado na ideia de utilização de energia renovável e na diminuição de impactos ambientais e no aumento de reciclagem. É fazer uma economia com menos impacto sobre os recursos naturais e sobre o meio ambiente. Isso não é muito diferente do que se fala há bastante tempo. Antes, a conversa era mais filosófica. A ideia da economia circular é o amadurecimento de discussões que já vinham sendo desenvolvidas.

Quais as diferenças entre economia circular e sustentabilidade?

Nas aulas de Economia do Meio Ambiente, eu evito o termo "sustentabilidade". Nós entendemos o conceito - promover o desenvolvimento sem comprometer o desenvolvimento de gerações futuras -, mas faltam atividades operacionais para responder, por exemplo, a perguntas como "O que eu faço hoje?" Nesse sentido, a economia circular traz uma visão mais pragmática, operacional e objetiva. Ele impõe metas, métricas e questões práticas como diminuição do uso de energia não renovável, por exemplo. Isso é bem tangível.

Como esse conceito está presente na casa das pessoas sob a perspectiva individual?

Quando tomo decisões, eu peso os benefícios e os custos. No caso da poluição, pensamos nessas questões na hora de comprar uma garrafa de água, por exemplo. Mas não internalizamos o custo para outras pessoas. Ela vai parar no oceano ou no aterro sanitário e vai demorar muitos anos para desaparecer. Isso não entra na conta. Por isso, não pensamos duas vezes em comprar. Para modificar esse comportamento, é preciso alinhar os benefícios e custos do indivíduo aos da sociedade. Como? Uma receita clássica é colocar um preço maior, como um imposto. Se ela ficar mais cara que outro recipiente, as pessoas podem migrar para outra coisa. A ideia é alinhar o que é bom ou ruim para o indivíduo e aquilo que é bom ou ruim para a sociedade. Essa é a base para o imposto sobre poluição ou imposto verde. É entender que a gente polui porque é de graça. Se a gente aumentar o preço de poluir, a gente vai pensar duas vezes.

O custo de poluir acaba sendo incorporado ao produto?

Eu consumo minha garrafa d'água e jogo no lixo. Existe um custo que é externo ao indivíduo que tomou a decisão. Esse é o termo "externalidade". Meu carro contribui para a poluição da cidade, existe um custo associado ao consumo do meu carro que será pago por mim e por quem tem doenças respiratórias. Se colocar esse custo na gasolina, ela começa a ficar menos atraente. O imposto tenta trazer para a esfera individual essa externalidade. Essa foi a primeira receita clássica de tentar alinhar o que é bom para o indivíduo ao interesse da sociedade. Mas não podemos esquecer a desigualdade social que existe no País. Esse retorno dos custos deve ser feito de forma diferenciada.

Existem outras formas de alinhar os interesses do indivíduo e da sociedade na questão ambiental?

Existe outra receita que se refere ao mercado. O direito de propriedade não está bem definido. Quando eu compro uma caneta, eu troco o direito de propriedade do dono da loja para o comprador. Nas questões ambientais, o direito de propriedade não está bem definido. De quem é o ar puro ou a água limpa? É de todo mundo, mas também não é de ninguém. Esse economista teve um insight de dizer que esse mercado não vai funcionar se o direito de propriedade não estiver bem definido. Essa é a base dos créditos de carbono. Quando você compra crédito de carbono, você está comprando o direito de poluir. Essa é outra forma de alinhar o que é bom para o indivíduo e o que é bom para a sociedade.

Mas existe uma rejeição intensa à criação de impostos...

Sim. É muito difícil imposto novo. Existe uma rejeição muito grande. Temos poucas experiências de imposto sobre poluição no mundo. Um imposto na folha de pagamento desestimula a contratação. Por outro lado, o governo precisa da arrecadação. A pergunta é "como repor isso?". Impostos sobre a poluição não vão resolver todo o problema, mas ajudam a contrabalançar a receita e contribuem para uma economia mais limpa. Teríamos um ganho para a sociedade, em termos de bem-estar, mas também teremos menos pessoas com problemas respiratórios, melhorando a produtividade de algumas empresas. Não estamos pensando muito estrategicamente no nosso ambiente. É importante alinhar o incentivo da empresa, do indivíduo, do consumidor com a sociedade. Estamos perdendo uma grande oportunidade de introduzir um tipo de imposto sobre poluição.

E as medidas de redução da poluição, por exemplo?

Essas políticas de comando e controle dependem de fiscalização e têm problemas de eficiência. Uma lei indica que você tem de cortar a poluição usando a melhor prática do mercado. Eu instalo um filtro na minha fábrica, corto 70% e estou de acordo com a lei. E os outros 30%? Não existe nenhum incentivo para eu reduzir ainda mais a poluição. Quando eu tenho uma poluição que me coloca um custo, como imposto de poluição, eu estarei sempre querendo minimizá-lo. Falta isso: incentivar o indivíduo - como consumidor ou produtor - a internalizar o dano que ele impõem à sociedade quando ela consome ou produz.

Qual é o impacto da pandemia na economia circular?

Essa é a pergunta que o mundo está fazendo. A resposta não é óbvia. Temos o céu mais limpo nas cidades. Temos indicadores diretos de diminuição da poluição do ar em várias cidades do mundo, assim como queda dos acidentes de trânsito. Isso é positivo e tem relação com a forma como consumimos. Mas temos um custo altíssimo para isso, como o contingente enorme de desempregados. Na Europa, alguns países sinalizam que pensam em forma de forma diferente, com maior espaço para a bioeconomia, com mais investimentos em atividades mais sustentáveis e mais limpas. No Brasil, temos a desigualdade de renda. Vamos adotar esse comportamento ou voltar ao piloto automático? Isso não está claro. Algumas coisas vão mudar, como a adoção do home office. Isso tem impacto na poluição. Mas a escala em que isso vai acontecer é uma grande incógnita. Outra dúvida se refere à resposta do poder público. Vamos incentivar economia mais limpa, com investimento em infraestrutura, ciência e tecnologia e mudança da carga tributária. Isso também não está claro.

Estadão
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