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'A mudança tem de ser do sistema como um todo', defende John Elkington

Um dos precursores do movimento global pela sustentabilidade prega o 'capitalismo regenerativo como novo conceito'

27 jun 2021 - 15h15
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Ao fazer a palestra de abertura do Summit ESG Estadão, o inglês John Elkington, de 71 anos, considerado um dos precursores do movimento global pela sustentabilidade, ressaltou a importância das atitudes de cada pessoa e de cada empresa, mas lembrou que as iniciativas individuais são insuficientes para enfrentar a crise climática no ritmo que o mundo precisa. "A mudança tem de ser mais ampla, do sistema como um todo. E temos sinais fortes de que isso está acontecendo", disse.

Fundador e líder da consultoria Volans, Elkington decidiu denominar o cargo que ocupa de "polinizador-chefe", pois considera se tratar da síntese perfeita para a sua missão: acelerar a conscientização e as ações de sustentabilidade ao redor do planeta. Ele já fez mais de mil palestras, participou de 70 conselhos de empresas e publicou 20 livros, dos quais o mais recente é Green Swans: The Coming Boom In Regenerative Capitalism (Cisnes verdes: o boom iminente do capitalismo regenerativo, em tradução livre), lançado em abril do ano passado.

"Capitalismo regenerativo" é como Elkington gosta de chamar a nova fase que ele vislumbra, da qual o cisne verde é um símbolo. "Ir daqui para lá não será uma tarefa trivial. Tempos de mudanças perturbadoras derrubam o mercado e as hierarquias políticas, criando ondas de choque que podem durar décadas - até mesmo gerações", escreveu. Leia trechos da entrevista concedida por Elkington no dia seguinte à palestra de abertura do Summit ESG Estadão.

Há uma série de fatores que estão fazendo de 2021 um ano importante para a sustentabilidade. Além de ser o início de uma década considerada decisiva, há todo o aprendizado com as lições da pandemia?

Nenhum ano vê os sistemas mudarem inteiramente, mas pense em 1944, com a realização da conferência de Bretton Woods, ou em 1968, com os protestos estudantis, ou ainda em 1989, quando ocorreu o colapso de grande parte do mundo comunista, e é claro que uma nova ordem se torna muito mais clara a partir desses marcos. As pessoas começaram a perder a confiança no capitalismo, e as consequências disso estão cada vez mais claras. Até os capitalistas estão dizendo que o capitalismo e sua disciplina principal, a economia, devem ser "reinventados", "reimaginados", "redefinidos". A pandemia despertou as pessoas para o fato de que existem crises sistêmicas que nossos governos estão ignorando ou minimizando. Elas começaram a se perguntar: se os governos fracassaram nessa ameaça imediata à saúde humana, como estão se saindo em desafios mais distantes, mas infinitamente mais sérios, como o da emergência climática e o da biodiversidade? A resposta, conforme mostrado novamente pelo encontro mais recente do G-7, é que governos estão falhando em demonstrar a liderança que o século 21 precisa.

O senhor diria que um jovem de 18 anos pode estar se sentindo desesperançado em relação ao futuro?

Ele tem todo o direito de se sentir assustado. Qualquer ser inteligente estaria. Mas a situação está longe de ser de desesperança. Ainda podemos revertê-la, se conseguirmos colocar os líderes certos nos lugares certos. Greta Thunberg está mostrando como os jovens podem chamar a atenção do mundo, mas o desafio agora é passar dos protestos à ação efetiva e oportuna. Algumas empresas estão fazendo isso, mas dependem da ação governamental sustentada. Os mercados precisam ser remodelados para entregar as mudanças necessárias no sistema. Um exemplo são os subsídios aos combustíveis fósseis, que devem ser eliminados.

O senhor afirmou em sua palestra no Summit ESG Estadão que o greenwashing (falsa adesão ou adesão deturpada aos princípios de sustentabilidade) nem sempre ocorre por maldade, mas também por desconhecimento. Como diferenciar um do outro?

Eu não aprovo greenwashing, mas entendo que pelo menos parte disso é um sinal de excesso de entusiasmo, juntamente com compreensão limitada. Uma resposta perfeitamente humana. Mas, ainda que eu entenda por que o greenwashing acontece, ele continua sendo mortalmente perigoso, pois mina a confiança do público naquilo que empresas, governos e outras instituições estão dizendo e fazendo. Então, a primeira vez que uma empresa faz greenwashing, devemos explicar onde está o erro e incentivá-la a não errar novamente. Se o erro volta a ser cometido, torna-se um motivo justo para ataques.

O Brasil tem um governo que está claramente desalinhado com os princípios da sustentabilidade. É possível que o país evolua nesse tema mesmo assim? A iniciativa privada e a sociedade civil podem carregar essa bandeira?

Populismo e nacionalismo são um desastre para a sustentabilidade, onde quer que eles surjam. São visões que transformam a política em algo mais tribal, de curto prazo, e reduzem a transparência, permitindo a corrupção e a ineficiência grosseira. Não é coincidência que os governos populistas odeiem a livre imprensa nem que sejam tão incompetentes. Eles não trabalham por seus países. Substituem ações efetivas no mundo real por atitudes arrogantes e exibicionistas. O setor privado e os cidadãos podem carregar a bandeira, experimentando soluções regenerativas, mas essas iniciativas são restringidas pela falta de ação governamental eficaz. Que investidor estrangeiro sensato investiria nos ativos de capital natural do Brasil, se o governo continua a permitir e encorajar sua destruição? Da perspectiva das gerações futuras, a gestão Bolsonaro é um desastre - como foi a de (Donald) Trump nos Estados Unidos e são as de Johnson no Reino Unido, (Recep Tayyip) Erdogan na Turquia, (Narendra) Modi na Índia e (Xi) Jinping na China. Como Hitler, Mussolini ou Stálin, essas pessoas podem parecer que estão levando as coisas adiante, mas, muitas vezes, estão favorecendo resultados que ninguém imaginou que poderiam acontecer. Quanto tempo vai levar antes de vermos uma guerra na América do Sul desencadeada pela contínua mudança climática e uma tentativa desesperada de proteger nossos recursos naturais restantes?

Por fim, duas curiosidades: o que significa o nome da sua empresa, Volans, e que tipo de reação curiosa o senhor já enfrentou ao se apresentar com o cargo de "polinizador-chefe"?

Quando eu estava procurando um nome para a nova empresa, em 2008, eu queria uma palavra curta e, idealmente, com um significado alinhado à missão. Volans é um termo científico usado para animais, mas não pássaros, que voam, como alguns peixes, esquilos e até lagartos. É também o nome de uma constelação e eu gosto da ideia de usar as estrelas para navegar. Na primeira década da empresa, o peixe voador foi o nosso símbolo, até que um artista brasileiro que mora na Rússia, Silvio Rebêlo, criou o nosso emblema do beija-flor, um pássaro incrível: é o principal polinizador, tem uma enorme resistência e pode voar em qualquer direção, incluindo para trás. Quanto ao cargo de "polinizador-chefe", fui o primeiro do mundo, embora o Financial Times tenha feito chacota. No geral, no entanto, a resposta é extremamente positiva.

Estadão
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