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Gasto com a Copa também gera reclamações entre cientistas

O primeiro laboratório nacional com tecnologia mais moderna do mundo assustou pelo valor, mas vai custar menos que um estádio. Para chefe da SBPC, Helena Nader, é a ciência a chave para o desenvolvimento do Brasil

26 jul 2013 - 13h06
(atualizado às 13h06)
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A presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Helena Nader
A presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Helena Nader
Foto: Antonio Cruz / Agência Brasil

Reunidos em Recife até esta sexta-feira, pesquisadores brasileiros discutem como fazer a ciência avançar no País, no 63º encontro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, SBPC. Helena Nader, bióloga, cientista há mais de 30 anos e presidente da instituição desde 2011, não quer tirar recursos dos esportes – só quer que a ciência seja tratada da mesma forma.

Em entrevista por telefone, Nader disse que educação básica no Brasil é "muito ruim", mas que, na universidade, o País forma pesquisadores competitivos, que quase nunca retornam depois de uma temporada de estudos no exterior.

DW Brasil: Qual a maior preocupação da sociedade científica no Brasil de hoje?

Helena Nader: É a legislação vigente hoje para a ciência. Nós estamos sob a égide de uma lei que não é voltada para a ciência: é uma lei geral, voltada para compras no sistema público. Para se comprar qualquer equipamento, ou reagentes, é necessário fazer pregão, diversas licitações... E às vezes é preciso comprar um equipamento para uma determinada pesquisa. São legislações que estão travando e burocratizando toda a ciência brasileira. É o maior entrave na vida do pesquisador.

Nós temos problemas no sistema de importação – as importações acabam levando meses, em alguns casos até um ano. Eu até comento que acho que é fantástico o que o Brasil já conseguiu fazer na ciência apesar de todo o esforço para o País não andar para frente (risos).

Na opinião da senhora, o Brasil tem condições de formar bons pesquisadores?

Para formação o Brasil está muito bem. Tanto que a grande maioria dos nossos estudantes que vão para fora do País – seja durante a graduação, na pós ou no doutorado –, é convidada a permanecer. Isso acontece, provavelmente, por causa do funil da seleção para se entrar na universidade brasileira.

Apesar da expansão da universidade pública no Brasil e do financiamento para estudo em universidades privadas, o número de brasileiros que chega às universidades é pequeno. A gente tem uma forte seleção e aqueles que entram são altamente competitivos.

A ciência no Brasil também está sendo feita em institutos de pesquisa ligados a diversos ministérios, como no Inmetro. O que nós não temos estruturado ainda como uma norma no País é a investigação no setor produtivo, nas empresas. Claro que existem exceções, como a Petrobras, que desenvolveu toda a tecnologia de exploração do Pré-Sal, a Embraer, que investe em doutores e pós doutores para fabricar aviões reconhecidos no mundo. Mas ainda não existe uma cultura de se fazer pesquisa na indústria. Mas está acontecendo uma tentativa de se reverter esse quadro.

Isso explica a pouca inovação no Brasil?

A inovação não é feita na universidade. A universidade é parceira, mas quem faz a inovação é o setor produtivo. Esse quadro está começando a mudar, mas leva tempo. A Alemanha mesmo tem uma grande história para a produção que o País tem nessa área de inovação.

As universidades no Brasil também são recentes, a institucionalização da carreira do professor é recente, aconteceu nos últimos 60 anos. E os financiamentos mais constantes começaram a acontecer nos últimos 15 anos. A ciência brasileira, há 30 anos, era muito periférica.

Agora precisamos do envolvimento do empresariado brasileiro com a produção da tecnologia e inovação. Mas isso vai levar tempo. Inovação leva pelo menos, dependendo da área, de 5 a 10 anos.

As universidades brasileiras são competitivas em relação às demais?

Não. Ainda estamos aquém do que o Brasil precisa. Precisamos de muito mais investimento. Nos últimos 10 anos, o Brasil começou a fazer o que na Europa e nos Estados Unidos já é uma tradição: laboratórios nacionais ou interPaíses. Ou seja, em vez de se ter um equipamento de grande porte localizado para um grupo, esse equipamento fica disponível nos chamados laboratórios nacionais.

O primeiro grande exemplo que deu certo no Brasil foi o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS). Ao redor dele cresceram outros laboratórios nacionais, como o de Nanotecnologia, o de Bionergia... Estamos discutindo a construção de outros, não se pode concentrar tudo em uma região. Pensamos que o desenvolvimento tem que atingir a inclusão social, então ele precisa acontecer em todas as regiões do País.

Esses laboratórios nacionais podem levar o Brasil a um novo patamar?

Sem dúvida, assim como o Brasil pautou a agricultura tropical – e eu digo isso com muita felicidade, que nós somos os melhores. Ninguém acreditava que o solo do cerrado servisse para plantação de soja. Mas com pesquisa e tecnologia provou-se o contrário. Hoje o País produz soja com alta produtividade.

Isso foi a ciência: houve um investimento na Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária], nas universidades e escolas de agronomia. Nós queremos agora agregar valor aos produtos brasileiros. No caso da soja, por exemplo, ainda exportamos apenas os grãos. Mas temos uma agricultura que permitiu mudar o padrão de alimentação do povo brasileiro, que hoje tem uma mesa muito mais farta. Na década de 60 o leite tinha que ser importado!

Houve uma mudança via ciência, e o Brasil está reconhecendo isso. Mas precisamos melhorar. A educação pública básica ainda está muito ruim e o País reconhece isso. Mas o Estado brasileiro incorporou que é fundamental ter a ciência como aliada para dar um salto econômico.

A senhora apoia a participação do Brasil em grandes projetos internacionais milionários, como o Observatório Europeu do Sul (ESO, na sigla em inglês), uma organização de pesquisa em astronomia que poderia custar até 255 milhões de euros em dez anos ao País?

Não acho uma contradição que o Brasil queira fazer parte. A aprovação depende do Congresso Nacional. É um grande investimento. É muito mais que o gasto no LNLS que ainda está sendo construído. Mas acho que o Brasil tem que entrar. Tudo o que fará o País avançar na ciência, obviamente, vai receber o apoio da SBPC.

Mesmo que o País tenha ainda tanto o que fazer, por exemplo, na educação básica?

Eu sei. Mas isso não quer dizer que o Brasil agora só tenha que investir em educação básica. Porque isso seria cometer erros do passado. Demoramos muito para atingir o padrão que temos hoje. Eu não posso só investir em um ponto e esquecer o resto. O que falta no Brasil é a iniciativa privada acreditar que precisa investir em ciência. Também faltam doações, o que é muito comum na Europa e nos Estados Unidos.

A gente lutou muito para os recursos do Pré-Sal fossem investidos em educação. Nós defendemos que os royalties devem ser investidos da seguinte maneira: 70% para ensino básico, 20% para o superior e 10% para ciência e tecnologia. Ainda não desistimos.

De onde poderiam vir os recursos para o ESO?

O País tem recursos. Um País que decidiu que vai ser sede da Copa do Mundo e que constrói tantos estádios... Alguns gastos são mais elevados que a construção da linha de luz síncrotron, que será a mais moderna do mundo. Para atender às especificidades internacionais, o projeto do LNLS está orçado em 650 milhões de reais. Ou seja, menos que um estádio de futebol.

Eu não quero tirar dos esportes, acho que o esporte é importante, ele constrói cidadania. Mas eu quero ser tratada igual, só isso. A presidente Dilma tem feito um discurso que mostra que ela está acreditando em ciência.

A senhora está falando do Ciência sem Fronteira? Como a senhora mesmo disse, muitos estudantes vão para o exterior e não voltam. Vai chegar o momento em que o Brasil vai brigar para recrutar todos esses cientistas de volta?

Eu acho que o programa Ciência sem Fronteira vai dar um grande impacto no País. Eu espero estar viva e com a cabeça boa para, daqui a dez anos, poder falar sobre esse impacto. Falei para a presidente: "A senhora foi muito criticada porque o programa aconteceu muito rápido. Mas se a senhora tivesse tentado montar o programa perfeito nunca teria começado. A senhora fez o que devia, montou e agora está trocando pneu com o carro andando."

Agora, eu adoraria que o Brasil se preocupasse em recrutar os cientistas brasileiros espalhados pelo mundo. Mas ainda vai levar um tempo. Eu seria leviana se dissesse que isso já está para acontecer. Nós temos que melhorar muito. Se a legislação não mudar, se não resolvermos os problemas para importar e a infraestrutura, e se não tivermos os laboratórios nacionais, o indivíduo que está hoje produzindo na Europa e nos Estados Unidos não vai querer voltar.

É um processo. Se tivermos um projeto de Estado, e não de governo, a gente poderá mostrar um novo panorama, com uma legislação pró-ciência. Podemos oferecer o sol que brilha o ano todo, a ausência de terremotos, um País que recebe todos de braços abertos e convidar todos para vir fazer ciência aqui.

Deutsche Welle A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas.
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