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Pandemia causa maior redução da expectativa de vida nos EUA e na Europa desde a 2ª Guerra

Essas reduções são atribuídas principalmente ao aumento da mortalidade em pessoas com mais de 60 anos e às mortes registradas oficialmente por covid-19 - por causa da subnotificação, o volume desses óbitos pode ser muito maior.

3 out 2021 - 16h28
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EUA foi o país que sofreu a maior queda de expectativa de vida entre as nações consideradas desenvolvidas
EUA foi o país que sofreu a maior queda de expectativa de vida entre as nações consideradas desenvolvidas
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Sob o impacto da pandemia de covid-19, 27 dentre 29 países estudados tiveram uma queda expectativa de vida para ambos os sexos de 2019 a 2020, com exceção das mulheres na Finlândia e de homens e mulheres na Dinamarca e na Noruega.

Mulheres em 15 países e homens em 10 países acabaram com uma expectativa de vida menor ao nascer em 2020 do que tinham em 2015.

E os Estados Unidos sofreram as maiores quedas, com recuos de mais de dois anos para os homens, segundo dados analisados pelos pesquisadores do Centro de Ciências Demográficas Leverhulme, da Universidade de Oxford, no Reino Unido.

Essas reduções, explicam os especialistas, são atribuídas principalmente ao aumento da mortalidade em pessoas com mais de 60 anos e às mortes registradas oficialmente por covid-19 (por causa da subnotificação, o volume desses óbitos pode ser muito maior).

A pandemia teve um "impacto bastante considerável e sem precedentes" nas taxas de mortalidade e expectativa de vida, diz Ridhi Kashyap, professor de demografia social da universidade e um dos principais autores do estudo.

Perdas de mais de um ano são particularmente incomuns. "Isso é algo que realmente não temos desde a Segunda Guerra Mundial para a maior parte da Europa Ocidental, e desde a dissolução da União Soviética, na década de 1990, na Europa Oriental", afirma Kashyap.

Dada a gravidade da pandemia de covid-19, a surpresa não é pela queda generalizada na expectativa de vida, diz o coautor do estudo, Jose Manuel Aburto, mas a "a magnitude da queda".

Os EUA foram particularmente afetados porque as taxas de mortalidade de covid-19 foram altas na população em idade ativa, em vez de se limitarem à população idosa, um padrão visto em vários países do Leste Europeu e até certo ponto na Escócia.

Em comparação, as mulheres na Finlândia e ambos os sexos na Dinamarca e na Noruega mostraram ligeiros aumentos na expectativa de vida, e países como a Estônia e a Islândia tiveram pequenas perdas.

No Reino Unido, onde foi criado um extenso mural colaborativo para lembrar os mortos por covid, a expectativa de vida caiu pela primeira vez em 40 anos
No Reino Unido, onde foi criado um extenso mural colaborativo para lembrar os mortos por covid, a expectativa de vida caiu pela primeira vez em 40 anos
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

No Reino Unido, a expectativa de vida dos homens caiu pela primeira vez em 40 anos. Em geral, esses índices aumentam com o tempo, e as quedas são raras. E isso não deve parar por aí.

Especialistas dizem ainda que outras quedas na expectativa de vida podem ocorrer nos próximos anos, antes que esse indicador comece a se recuperar.

Desigualdade

Outro "resultado alarmante", explica Aburto, é a diferença que existe entre os países, ou seja, a pandemia afetou de forma distinta os países desenvolvidos, assim como várias nações incluídas na pesquisa.

"Os EUA são um país que se considera desenvolvido, mas também são um país com muita desigualdade, e isso se reflete nesse patamar de queda acentuada de expectativa de vida".

Embora o estudo tenha permitido observar que "a maior parte das perdas na expectativa de vida se deveu à mortalidade ocorrida acima de 60 anos", Aburto explica que países como os EUA viram "a mortalidade de adultos jovens também contribuir muito para esse declínio na expectativa de vida".

Para o especialista, diversos motivos podem explicar as diferenças do impacto da pandemia nesses lugares. "Cada país agiu de maneira diferente em relação à pandemia. Por exemplo, houve países que seguiram intervenções não farmacêuticas com mais rapidez e eficácia, como lockdowns, uso obrigatório de máscara e assim por diante".

Além disso, diz Aburto, outro fator fundamental é a qualidade dos serviços de saúde, e "isso também se reflete negativamente no caso dos EUA".

'Efeito de sobrevivência'

Apesar do nome, esses números da expectativa de vida, conhecidos como "expectativa de vida de período", não preveem uma expectativa de vida real. Em vez disso, mostram a idade média que um recém-nascido viveria se as taxas de mortalidade atuais continuassem por toda a sua vida.

E como as taxas de mortalidade da covid-19 não devem continuar a longo prazo, as novas estimativas não significam que um menino nascido em 2020 terá uma vida mais curta do que um menino nascido em 2019.

Indicador de expectativa de vida trata da estimativa média de recém-nascidos em determinados anos
Indicador de expectativa de vida trata da estimativa média de recém-nascidos em determinados anos
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Mas eles fornecem um instantâneo do efeito da pandemia que pode ser comparado ao longo do tempo e entre países e diferentes populações.

E assim que a pandemia acabar e "suas consequências para a mortalidade futura forem finalmente conhecidas, é possível que a expectativa de vida volte a uma tendência de melhora no futuro", diz afirma a estatística Pamela Cobb, do ONS (orgão britânico de estatísticas).

Pode até haver uma recuperação no primeiro ano ou logo depois graças ao que os demógrafos chamam de "efeito de sobrevivência".

"Essencialmente, isso significa que você perdeu uma grande parte de sua população mais frágil e tem agora uma população sobrevivente mais saudável. Então você esperaria matematicamente que houvesse menos mortes no período que se segue", afirma o especialista em avaliação de risco Stuart McDonald, cofundador do Grupo de Resposta de Atuários da Covid-19.

Mas, segundo ele, há ainda uma série de lacunas para análises de longo prazo menos incertas. Por um lado, novas ondas de variantes do coronavírus, covid longa, declínios econômicos e atrasos no tratamento de câncer e outras doenças graves têm o potencial de manter baixa a expectativa de vida no Reino Unido, diz McDonald.

De outro, o avanço dos programas de vacinação, um melhor conhecimento do controle de infecções em massa e um maior foco na saúde podem ajudar na recuperação dos índices de expectativa de vida.

"A expectativa de vida volta à sua trajetória original e continua aumentando ou aumenta do ponto mais baixo? Vou fazer o hedge: acho que é um pouco dos dois. Na minha opinião, e no consenso emergente na profissão atuarial, é que, mesmo em uma base de longo prazo, isso é um resultado negativo líquido, o que significa um crescimento mais lento", conclui McDonald.

Impacto no Brasil

A pesquisa publicada na revista especializada International Journal of Epidemiology analisou informações dos seguintes países: Espanha, Suíça, França, Itália, Finlândia, Suécia, Portugal, Noruega, Islândia, Áustria, Eslovênia, Bélgica, Chile, Grécia, Alemanha, Holanda, Inglaterra e País de Gales, Dinamarca, Estônia, Irlanda do Norte, República Tcheca, Croácia, Polônia, Estados Unidos, Lituânia, Escócia, Eslováquia, Hungria e Bulgária.

Aburto, da Universidade de Oxford, explica que o estudo se concentrou nesses 29 países porque havia dados disponíveis para eles, divididos por idade, e isso permitiu fazer uma análise da expectativa de vida.

O Chile é uma exceção na América Latina em questões de dados de saúde consistentes e de qualidade. "No contexto latino-americano, mesmo que um país forneça informações em tempo, os dados de mortalidade tendem a apresentar falhas que devem ser corrigidas antes de se fazer cálculos comparativos, como essee da expectativa de vida".

Impacto da pandemia e na expectativa de vida foi menor entre as mulheres, um padrão visto ao redor do mundo
Impacto da pandemia e na expectativa de vida foi menor entre as mulheres, um padrão visto ao redor do mundo
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Embora o estudo tenha se concentrado em 29 países, os autores observam que "evidências emergentes de países de baixa e média renda (como Brasil e México), que foram devastados pela pandemia, indicam que as perdas na expectativa de vida ainda podem ser maiores em essas populações".

Em abril de 2021, uma equipe de pesquisadores liderados pela demógrafa Márcia Castro, professora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade Harvard, apontou que o brasileiro perdeu quase dois anos de expectativa de vida em 2020 por causa da pandemia de covid-19.

Em média, bebês nascidos no Brasil em 2020 viverão 1,94 ano a menos do que se esperaria sem o quadro sanitário atual no país. Ou seja, 74,8 anos em vez dos 76,7 anos de vida anteriormente projetados. Com isso, a esperança de longevidade dos brasileiros retornou ao patamar de 2013.

A queda interrompe um ciclo de crescimento da expectativa de vida no país, que partiu da média de 45,5 anos, em 1945, até atingir os estimados 76,7 anos, em 2020, um ganho médio de cinco meses por ano-calendário.

O estudo, ainda em versão pré-print (sem revisão pelos pares), indica também que a pandemia reduziu de modo desigual a expectativa de vida a depender da região do país.

Os pesquisadores descobriram que o Distrito Federal, onde está a capital do país, registrou o pior resultado: ali, a expectativa de vida recuou em mais de 3 anos. O DF foi seguido por três Estados do Norte: Amapá, com queda de 2,98 anos na expectativa de vida, Amazonas, com perda de 2,92 anos, e Roraima, com redução de 2,74 anos. Na outra ponta, entre os Estados que menos perderam na expectativa de vida em 2020, estão vários nordestinos, como Maranhão, Piauí e Bahia, os três abaixo de 1,49 ano de redução na expectativa de vida.

Mas os dados podem ser na verdade piores do que essa estimativa. "A gente sabe que houve muita dificuldade de acesso ao teste de covid-19, subnotificação e muita morte pelo novo coronavírus que não foi registrada dessa maneira", explica Castro.

*Com informações da BBC News Brasil e da BBC News Mundo

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