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Era da tecnologia é marcada pela multitarefa e pelo estresse

10 jun 2010 - 13h25
(atualizado às 13h42)
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Matt Richtel
NYT - San Francisco

Quando uma das mais importantes mensagens de e-mail de sua vida chegou à sua caixa de entrada, anos atrás, Kord Campbell nem percebeu. E não apenas por um ou dois dias, mas por 12 dias. Terminou por encontrá-la quando estava vasculhando mensagens velhas. Uma grande empresa estava interessada em adquirir a companhia de internet iniciante que ele havia fundado.

Kord Campbell, em sua mesa em casa, tem três monitores, um laptop, um iPad e um iPhone
Kord Campbell, em sua mesa em casa, tem três monitores, um laptop, um iPad e um iPhone
Foto: Chang W. Lee / The New York Times

A mensagem havia escapado à sua atenção em meio ao dilúvio de informações eletrônicas que recebia: duas telas de computador repletas de mensagens de e-mail, mensagens instantâneas, janelas de chat, um navegador de web e códigos de software que ele estava escrevendo.

Embora tenha conseguido salvar a transação de US$ 1,3 milhão, depois de pedir desculpas pela demora à empresa interessada, Campbell continua a sofrer os efeitos da enxurrada de dados. Mesmo depois que se desconecta, continua a ansiar pelo estímulo que recebe dos aparelhos eletrônicos, e termina por esquecer de coisas como jantares marcados com amigos; também enfrenta dificuldades para concentrar suas atenções em sua família.

Sua mulher, Brenda, se queixa de que "parece que ele já não consegue mais viver plenamente o momento". É isso que os computadores causam ao cérebro.

Cientistas dizem que tentar equilibrar os estímulos propiciados por e-mails, telefonemas e outras informações que chegam pode mudar a maneira pela qual as pessoas pensam e se comportam. Dizem que nossa capacidade de manter o foco está sendo solapada por surtos de informações.

Estes terminam por se combinar a um impulso primitivo de reagir a oportunidades e ameaças imediatas. O estímulo provoca excitação ¿ uma injeção de dopamina - e os pesquisadores dizem que isso pode viciar. Quando o estímulo está ausente, a pessoa se entedia.

Embora muita gente diga que realizar múltiplas tarefas simultaneamente ajuda a produtividade, as pesquisas demonstram o contrário. As pessoas que mais se dedicam a realizar múltiplas tarefas simultâneas são na verdade as que têm mais problemas para manter o foco e excluir as informações irrelevantes, de acordo com os cientistas, e sofrem mais estresse.

E os cientistas estão descobrindo que, mesmo depois que as tarefas múltiplas foram concluídas, o pensamento fraturado e a falta de foco persistem. Em outras palavras, o cérebro também funciona assim com os computadores desligados.

O uso da tecnologia pode beneficiar o cérebro de certas maneiras, dizem os cientistas. Estudos com o uso de imagens magnéticas demonstram que os cérebros de usuários de internet se tornam mais eficientes na busca de informações. E os jogadores de determinados videogames ganham em acuidade visual.

Em termos mais amplos, celulares e computadores transformaram nossas vidas. Permitem que pessoas escapem de seus cubículos e trabalhem em qualquer lugar. Reduziram distâncias e cuidam de inúmeras tarefas corriqueiras, o que libera tempo para atividades mais interessantes.

Para o bem ou para o mal, o consumo de mídia, em formas variadas como e-mail e TV, explodiu. Em 2008, as pessoas consumiam três vezes mais informação ao dia do que era o caso em 1960. E elas desviam sua atenção constantemente. Os usuários de computadores no trabalho mudam de janela ou verificam e-mails ou outros programas cerca de 37 vezes por hora, de acordo com novas pesquisas.

A interatividade ininterrupta é uma das mais significativas mudanças já ocorridas no ambiente humano, disse Adam Gazzaley, neurocientista da Universidade da Califórnia em San Francisco.

Campbell, 43, chegou à idade adulta ao mesmo tempo em que surgiam os computadores pessoais, e usa tecnologia de maneira mais pesada que a média das pessoas. Mas os pesquisadores dizem que os hábitos e as dificuldades de Campbell e sua família exemplificam aquilo que muitos experimentam - e o que muito mais gente virá a experimentar, caso as tendências atuais persistam.

Para ele, as tensões parecem cada vez mais agudas, e os efeitos mais difíceis de superar. Os Campbell recentemente se mudaram do Oklahoma para a Califórnia, a fim de criar uma empresa de software. A vida de Campbell gira em torno de computadores.

Ele às vezes dorme com o iPhone ou laptop sobre o peito, e entra online assim que acorda. Ele e sua mulher Brenda, 39, depois se encaminham à ordeira cozinha da casa de quatro dormitórios que a família aluga em Orinda, um subúrbio próspero de San Francisco, onde ela faz o café da manhã assistindo ao telejornal em um canto da tela do computador, enquanto ele ocupa o resto da tela verificando e-mails.

Já surgiram sérios problemas porque Campbell costuma, em períodos de dificuldade emocional, se refugiar nos videogames. Nas férias da família, ele enfrenta dificuldades para deixar seus aparelhos de lado. Quando toma o metrô para San Francisco, sabe que passará 221 segundos sem conexão enquanto o trem percorre um túnel.

Connor, 16, o alto e polido filho do casal, recentemente teve as primeiras notas C de sua vida escolar, de acordo com a família devido à distração que os aparelhos eletrônicos lhe causam. Lily, 8, sua irmã, brinca, como a mãe, e diz que o pai prefere a tecnologia à família.

"Eu adoraria que ele se desconectasse completamente, se envolvesse completamente", diz Brenda Campbell, que acrescenta que o marido fica "ranzinza até receber sua dose" (de internet). Mas ela prefere não tentar forçá-lo a mudar. "Ele adora. A tecnologia é parte integrante de sua personalidade", diz. "Se eu odiasse a tecnologia, odiaria o meu marido; e ela também é parte da personalidade do meu filho".

Conexão constante

Com as mudanças dos computadores, mudou também a compreensão humana sobre o cérebro. Até 15 anos atrás, os cientistas acreditavam que o cérebro parasse de se desenvolver depois da infância. Agora compreendem que as redes neurais continuam a se desenvolver, sob a influência de fatores como a capacidade de aprendizado.

Não muito tempo depois que Eyal Ophir chegou à Universidade Stanford, em 2004, ele começou a imaginar se a concentração excessiva em tarefas múltiplas simultâneas não poderia estar gerando mudanças em uma característica cerebral por muito tempo vista como imutável: o fato de que os seres humanos só podem processar uma única corrente de informações de cada vez.

Meio século atrás, testes demonstraram que o cérebro mal era capaz de processar duas correntes de pensamento, e que não era capaz de tomar decisões simultaneamente quanto a ambas. Mas Ophir, estudante que se tornou pesquisador, acreditava que os praticantes das tarefas múltiplas simultâneas talvez estivessem reordenando seus cérebros de modo a lidar com essa carga.

Ophir, como outros pesquisadores nos Estados Unidos que estão estudando as alterações que a tecnologia causou no cérebro, ficou surpreso com suas descobertas.

Os objetos de teste foram divididos em dois grupos: os classificados como adeptos das tarefas múltiplas simultâneas, com base em respostas a perguntas sobre como usam a tecnologia, e os demais.

Em um teste criado por Ophir e colegas, os participantes se sentavam diante de um computador e contemplavam por breve período uma imagem de retângulos vermelhos. Depois, lhes era mostrada uma imagem semelhante e perguntado se algum dos retângulos havia se movido. A tarefa era simples, até que os pesquisadores acrescentaram uma reviravolta: retângulos azuis foram acrescidos à imagem, e os usuários foram instruídos a ignorá-los.

Os adeptos das tarefas múltiplas simultâneas se saíram muito pior do que o outro grupo, nessa situação, em termos de reconhecer se os retângulos vermelhos haviam mudado de posição. Em outras palavras, eles enfrentaram problemas para filtrar e eliminar os dados sobre os retângulos azuis - a informação irrelevante.

Os adeptos das tarefas múltiplas simultâneas também demoraram mais que os demais na transição de tarefa a tarefa, como diferenciar primeiro vogais de consoantes e depois números pares de ímpares. Os adeptos das tarefas múltiplas simultâneas se saíram igualmente pior em problemas de equilibrismo.

Outros testes em Stanford, um centro importante para esse tipo de pesquisa cada vez mais popular, demonstraram que os adeptos das tarefas múltiplas simultâneas tendiam a buscar novas informações em lugar de aceitar uma recompensa por terem colocado em uso informações mais antigas mas mais valiosas.

Os pesquisadores afirmam que essas constatações apontam para uma dinâmica interessante. Os adeptos das tarefas múltiplas simultâneas parecem mais sensíveis que os demais participantes aos insumos informativos.

Os resultados também demonstram um dos mais velhos conflitos do cérebro, que pode estar sendo intensificado pela tecnologia. Parte do cérebro funciona como central de controle, ajudando uma pessoa a se concentrar e determinar prioridades. Partes mais primitivas do cérebro, como as que processam a visão e os sons, exigem que ele preste atenção a novas informações, e bombardeiam a torre de controle quando estimuladas.

Os pesquisadores afirmam que existe motivação evolutiva para essa pressão exercida sobre o cérebro. As funções cerebrais inferiores alertam as pessoas quanto a perigos, como por exemplo a proximidade de um leão, o que sobrepuja objetivos como a construção de uma choupana. No mundo moderno, o ruído de uma mensagem de e-mail que chega ao computador pode superar o objetivo de escrever um plano de negócios ou jogar bola com os filhos.

Melina Uncapher, neurobióloga na equipe de pesquisas de Stanford, disse que ela e outros pesquisadores não tinham certeza de que os adeptos confusos das tarefas múltiplas simultâneas não fossem simplesmente pessoas propensas a distração, e que teriam problemas para manter a concentração em qualquer era. Mas acrescentou que a ideia de que a sobrecarga de informações causa distração vinha sendo confirmada por volume cada vez maior de pesquisas.

Um estudo da Universidade de Califórnia em Irvine constatou que pessoas cujas atividades sofrem interrupções por mensagens de e-mail reportam estresse significativamente mais elevado, se comparadas àquelas que podem se concentrar sem interrupção.

E já foi demonstrado que os hormônios do estresse afetam adversamente a memória de curto prazo, disse o Dr. Gary Small, psiquiatra da Universidade da Califórnia em Los Angeles.

Pesquisas preliminares demonstram que algumas pessoas conseguem alternar facilmente entre múltiplos influxos de informação. São os "supertaskers", que representam menos de 3% da população, de acordo com cientistas da Universidade do Utah.

Outras pesquisas demonstram que o uso do computador propicia vantagens neurológicas. Em estudos com o uso de imagens magnéticas, Small observou que os usuários de internet em geral demonstram mais atividade cerebral que os não usuários, o que sugere que seus circuitos neurais se tornam maiores.

Na Universidade de Rochester, pesquisadores constataram que os jogadores de certos videogames rápidos conseguem acompanham o movimento de 30% mais objetos do que os não jogadores. Eles afirmam que os jogos podem melhorar a reação e a capacidade de distinguir detalhes em meio a um acúmulo de dados.

Há debate muito intenso entre os cientistas para determinar se a influência da tecnologia sobre o comportamento e o cérebro é boa ou ruim, e até que ponto ela existe.

"Em resumo, o cérebro está condicionado a se adaptar", disse Steven Yantis, professor de ciências cerebrais na Universidade Johns Hopkins. "Não há dúvida de que passa por constantes alterações", acrescentou. Mas disse que era cedo demais para dizer se as mudanças causadas pela tecnologia diferiam materialmente de mudanças ocorridas no passado.

Ophir não gosta de classificar como boas ou ruins as mudanças cognitivas, embora seu impacto sobre o poder de análise e a criatividade o preocupe.

E ele não está preocupado apenas com os outros. Pouco depois que ele começou a estudar em Stanford, um professor o agradeceu por ser o único aluno da classe que prestava completa atenção, sem usar o celular ou o laptop.

Mas ele recentemente começou a usar um iPhone e sentiu seus atrativos de imediato, mesmo quando está brincando com a filha. "A mídia está me mudando", disse. "Sinto aquele sininho interior que me ordena verificar mensagens de texto e e-mail". "Preciso me esforçar para suprimi-lo", acrescenta.

Tradução: Paulo Migliacci ME

The New York Times
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