PUBLICIDADE

Deputados dos EUA discutem impacto de crise na Amazônia em comércio com Brasil

Colunista do 'Estado', Monica de Bolle participou de audiência nesta terça-feira, 10

11 set 2019 - 11h58
Compartilhar
Exibir comentários

WASHINGTON - Deputados americanos discutiram nesta terça-feira, 10, a política ambiental do governo Jair Bolsonaro, os incêndios na Amazônia e como os Estados Unidos podem contribuir para a preservação da floresta, durante audiência no Comitê de Relações Exteriores da Câmara. Parlamentares e especialistas manifestaram preocupação com o desmatamento no País, mas sinalizaram que negociações de um acordo comercial entre os dois países não devem ser barradas pela crise ambiental.

A colunista do Estado e economista Monica de Bolle foi uma das convocadas a participar do debate no Comitê de Relações Exteriores da Câmara intitulado "Preservando a Amazônia: um imperativo moral compartilhado". Ela defendeu que a relação entre os governos do Brasil e dos EUA sirva para impulsionar o esforço de conservação da floresta "antes que seja tarde demais".

"Os incêndios na Amazônia não são apenas uma 'tragédia', mas uma oportunidade para o governos do Brasil e dos Estados Unidos para parar de negar as mudanças climáticas e cooperar em estratégias de preservação e desenvolver maneiras sustentáveis de usar seus recursos naturais", disse a economista.

O governo americano, do presidente Donald Trump, tem sido o mais importante aliado de Bolsonaro no debate internacional sobre a situação da Amazônia. Desde que o aumento das queimadas virou pauta internacional e a política ambiental de Bolsonaro passou a ser questionada por líderes europeus, o Brasil conta com o apoio e o alinhamento com os EUA.

Trump retirou os EUA do acordo climático de Paris e já disse que o aquecimento global é uma invenção dos chineses. Durante o G-7, o americano se opôs à decisão de destinar verba para a Amazônia, seguindo um pedido de Bolsonaro para que o tema não fosse tratado no encontro sem a presença do Brasil. O movimento para debater a situação na floresta fora encabeçado pelo presidente francês, Emmanuel Macron.

"O aumento do desmatamento precede a vitória eleitoral do presidente Bolsonaro. Mas o desmantelamento de agências ambientais do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) sob sua vigilância e sua retórica passada e presente sobre questões ambientais encorajam agricultores, madeireiros e outros a se envolverem em um comportamento predatório na floresta", disse Monica. "Por outro lado, a atenção internacional aos incêndios na Amazônia dá uma oportunidade de retornar e aprimorar políticas para promover estratégias de desenvolvimento sustentável no região."

Senadores democratas chegaram a enviar uma carta ao representante de comércio americano pedindo a suspensão de tratativas comerciais com o Brasil até que a situação das queimadas na Amazônia fosse solucionada. Brasil e Estados Unidos trabalham em um acordo de liberalização de comércio. A ideia é facilitar trâmites, aumentar relação comercial e investimento.

O chanceler Ernesto Araújo tem reunião no Departamento de Estado, em Washington, nesta semana, quando deve tratar do tema. A ideia de um acordo de comércio tem sido desenhada pelos dois lados, mas ainda não ganhou caráter oficial. Os EUA costumam comunicar o Congresso quando dão início formal às tratativas para um acordo.

No debate desta terça, no entanto, mesmo entre democratas - oposição a Trump -, não houve sinalização de que a questão ambiental possa ser um impeditivo para um futuro acordo com o Brasil. o deputado democrata Albio Sires disse não ver a imposição de condições ao acordo como a saída para os americanos exercerem pressão sobre o Brasil. "Vamos trabalhar juntos, vamos encontrar uma solução, o que podemos fazer juntos para isso. Nesse momento, essa (condições) não é uma boa abordagem", afirmou.

O deputado democrata Dean Phillips, que também participou do debate, disse a jornalistas que ainda não tem uma posição formada sobre a necessidade de incluir condições a respeito de política ambiental para aprovação de um possível acordo. "Há desafios no uso desses instrumentos, mas temos que olhar todas as opções", afirmou Phillips.

Apesar disso, Monica de Bolle pondera que acordos recentes firmados inclusive na gestão do republicano Donald Trump incluíram previsões sobre proteção ao meio ambiente. É o caso do USMCA - o novo Nafta, renegociado entre Estados Unidos, Canadá e México. "Dentro desse acordo (USMCA) houve um resgate daquele capítulo que antes pertencia ao TPP, que o Trump resolveu sair logo no primeiro dia depois da posse dele. O capitulo inteiro sobre meio ambiente foi mais ou menos reproduzido dentro do novo Nafta", afirmou a economista a jornalistas.

"Tanto do lado republicano quanto do lado democrata existe uma preocupação grande com essas questões de meio ambiente e, sendo assim, qualquer acordo que venha a ser firmado com o Brasil, seja um acordo de facilitação de comércio ou algo mais ambicioso, vai conter essas normativas, essas exigências. Isso é comércio no século 21", disse Monica.

O ex-diplomata e diretor do International Conservation Caucus Foundation (ICCF), William Millan, e o presidente e fundador do Earth Innovation Institute, Dan Nepstad, também foram ouvidos. Nepstad defendeu que as conversas sobre um acordo comercial entre Brasil e Estados Unidos continuem, mas "incorporando medidas para reconhecer e, eventualmente, recompensar os agricultores em conformidade com a lei; reconhecendo os governos estaduais que estão progredindo no combate ao desmatamento por meio de novas parcerias".

Atual encarregado de negócios da embaixada do Brasil nos EUA, o diplomata Nestor Forster avaliou que os presentes convergiram na avaliação de que o protecionismo comercial não é o caminho para impulsionar a proteção ambiental. "Ninguém ali subscreveu a ideia de ter um pré-requisito (para acordos comerciais), ao contrário, foi a visão de estimular quem observa a legislação brasileira. Foi uma discussao muito rica", afirmou Forster, em resposta ao Estado sobre o debate. "De 1990 a 2018, a produção de carne cresceu 140% e a área da pastagem diminuiu 15%. O comércio internacional estimula essa produção boa, sustentável", afirmou o embaixador.

Impacto do desmatamento preocupa

Cinco democratas e três republicanos compareceram à sessão, presidida por Sires. Todos demonstraram preocupação com os impactos do desmatamento na Amazônia. "Eu quero chamar atenção para o que está acontecendo na Amazônia e isso não é uma audiência para atacar alguém, mas sobre as preocupações que temos sobre a floresta e o que podemos fazer para continuar preservando, porque isso é importante para o mundo", disse o democrata.

"O Brasil é um país soberano, eu respeito isso. Mas há implicações. A política ambiental não é mais apenas política doméstica, é política internacional", afirmou Phillips.

O republicano Francis Rooney, presente na sessão, falou em achar um equilíbrio entre a proteção da Amazônia e a "necessidade do Brasil se desenvolver". "Eu acho que a Amazônia é importante para o Brasil e o mundo e uma das coisas sobre as quais falamos hoje é como equilibrar melhor o impacto positivo que a Amazônia tem nas mudanças climáticas e no mundo, sem comprometer a capacidade dos brasileiros de desenvolver seu país e prosperar para suas famílias", afirmou o republicano.

O especialista Dan Nepstad destacou que o Brasil alcançou "enormes avanços na conservação da floresta amazônica" com uma estratégia interministerial lançada em 2004. "Essa redução no desmatamento foi alcançado pela expansão da rede de florestas protegidas, demarcação de territórios indígenas, aumento da fiscalização e suspensão de créditos de agricultura em áreas com alto desmatamento. Contudo, o desmatamento anual vem crescendo lentamente desde 2012", afirmou Nepstad.

Uma das questões levantadas foi sobre a relação do Brasil com a China - e a compra de soja pelos chineses. As exportações brasileiras de soja foram beneficiadas pela queda de braço entre Washington e Pequim, que buscou no País uma alternativa para as tarifas impostas por Trump. "Minha preocupação é se com todos esses chineses comprando soja isso pode implicar em mais desmatamento", afirmou Sires.

Estadão
Compartilhar
TAGS
Publicidade
Publicidade