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Como fazer uma poção de amor cientificamente comprovada

A biomédica Sophie Ward se propôs a realizar a tarefa onírica, com a ajuda de neurocientistas, antropólogos evolucionistas, historiadores afrodisíacos e um cientista olfativo

5 jun 2022 - 21h39
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Tubo de laboratório em forma de coração
Tubo de laboratório em forma de coração
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

O que nos faz sentir apaixonados? E podemos fazer algo para nos sentirmos assim agora mesmo?

Sou uma entusiasta da biomedicina e da neurociência e me propus a tarefa de fazer uma poção do amor cientificamente comprovada.

Vamos começar pelo início.

Os humanos são obcecados pelo amor. Mas por que sentimos isso? Por que o amor existe?

"Os humanos são uma espécie incrivelmente cooperativa, não porque nos amamos, mas porque temos que sobreviver", diz Anna Machin, antropóloga evolucionária da Universidade de Oxford que investiga a ciência por trás de nossos relacionamentos mais próximos.

Sua teoria é que "em um mundo ideal, todas as espécies seriam solitárias porque é muito, muito difícil cooperar umas com as outras".

"Mas desenvolvemos redes sociais muito complexas, onde não apenas amamos amantes, mas também crianças, família, amigos, animais de estimação, Deus, etc. Portanto, precisamos fazer três coisas principais:

  • sobreviver,
  • perdurar, encontrar comida, construir abrigo, aprender uma grande quantidade de informações
  • e criar nossos filhos incrivelmente dependentes.

"O problema é que viver com outras pessoas é realmente difícil."

"Primeiro de tudo, você tem que existir dentro de uma hierarquia muito rígida, e isso significa que você gasta muito do seu tempo monitorando onde todo mundo está."

"Além disso, as pessoas às vezes não são muito legais. Mentem, trapaceiam e roubam."

"Então, ser cooperativo é muito estressante."

"Então, no nível mais básico, o amor é um suborno biológico formal que a evolução criou para garantir que vamos começar e depois investir e manter os relacionamentos de que precisamos para sobreviver."

E para nos subornar, a biologia juntou-se à química.

Os primeiros ingredientes

Utensílios para preparar poção
Utensílios para preparar poção
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Existem quatro substâncias químicas principais que são responsáveis pelo sentimento de amor.

"Quando você começa um relacionamento, naquele momento em que você se sente atraído por alguém, são liberadas oxitocina e dopamina, que são muito importantes nessa fase."

"A ocitocina reduz suas inibições para iniciar novos relacionamentos sociais, acalmando o centro do medo do seu cérebro, a amígdala".

A ocitocina é provavelmente a mais estudada das quatro substâncias químicas principais. É coloquialmente chamada de "droga do amor", mas na verdade as outras três substâncias são igualmente cruciais quando se trata de amor.

"A dopamina é a recompensa química do seu corpo, mas quando ela é liberada em relação à atração e ao amor é para te motivar a fazer um esforço - ir conversar com a pessoa que você gostou. A oxitocina é incrível, mas se é liberada sozinha pode fazer você se sentir tão relaxado que não consegue fazer nada."

Então, vamos colocar esses dois produtos químicos no caldeirão. E há um terceiro que também é crítico no início de um relacionamento: a serotonina.

"Achamos que está associado aos aspectos obsessivos do amor."

"No começo de uma relação, você simplesmente fica obcecado: você fala constantemente sobre essa pessoa, você quer estar com ela o tempo todo. Mesmo em um relacionamento de longo prazo, você precisa estar vagamente obcecado por seu parceiro para se incomodar em coordenar seu dia com ele ou perguntar como ele está."

Mas temos um problema.

Os efeitos são de longa duração
Os efeitos são de longa duração
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

"O amor humano pode durar décadas, e a oxitocina e a dopamina são ótimas, mas nos tornamos tolerantes a elas, e seus efeitos não duram muito."

Precisamos de algo mais.

A principal substância química de ligação que sustenta o amor humano de longo prazo é a beta endorfina.

"Ele faz isso por ser altamente viciante."

"Quando você interage com alguém que você ama - você o toca, você ri, você o abraça - você recebe uma dose enorme de endorfinas beta e sente euforia, calor, alegria, segurança... esses sentimentos de estar apaixonado. E então, quando você se afasta deles, você experimenta a síndrome de abstinência, que o força a voltar para satisfazer esse desejo irresistível".

"Funciona exatamente da mesma maneira que qualquer opiáceo."

Ok, temos: ocitocina relaxante, dopamina vigorosa, serotonina obsessiva e beta endorfina viciante... devemos adicionar afrodisíacos?

O desejo

"Há muitas evidências anedóticas ao longo da história sobre os efeitos dos afrodisíacos. Mas a evidência científica não tende a apoiá-la", diz a Dra. Kate Lister, enfatizando que "é muito difícil medir em laboratório".

"Se você considera algo afrodisíaco, provavelmente é: o efeito placebo está bem documentado", acrescenta a historiadora do sexo e autora de A Curious History of Sex.

Uma ideia antiga é que, para aguçar a luxúria, deve-se aquecer o corpo com alimentos picantes ou com alto teor de gordura
Uma ideia antiga é que, para aguçar a luxúria, deve-se aquecer o corpo com alimentos picantes ou com alto teor de gordura
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Ela diz que muitos "afrodisíacos" obtiveram esse status porque se parecem um pouco com o formato dos genitais: aspargos, cenouras, até chifres de rinoceronte fálicos ou então ostras, mamão ou figo, que evocam a vulva.

Então Kate achou que era uma boa ideia incluir alguns deles na poção. Ela também nos deu outras ideias.

"Sabe o que eles tinham no século 16 fora dos bordéis? Ameixas secas cozidas porque achavam que era bom para a libido. Outro é o tiramisu. Sua origem é muito debatida, mas dizem que foi feito para ser comido em bordéis italiano para dar energia aos clientes."

Evitar a todo custo

Estamos listando ingredientes, mas seria uma pena se acidentalmente incluíssemos um que estragasse tudo. Há algo que deve-se evitar?

"Ao longo da história, acreditava-se que, se você quisesse suprimir os impulsos sexuais, precisava comer comida sem graça e chata", diz Lister. "É daí que vêm os cereais de flocos de milho".

"John Harvey Kellogg, o inventor, fez parte de uma brigada anti-masturbação no final do século 19 e início do século 20, e essa foi uma das razões pelas quais ele criou o cereal de flocos de milho."

Não, obrigada
Não, obrigada
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Ok, nossa poção só admite sabores vibrantes e intensos. Mas e os aromas?

E os cheiros?

"Como os odores podem afetar a excitação sexual nunca foi estudado cientificamente, apesar do número de perfumes por aí", diz o neurologista e psiquiatra Alan Richard Hirsch, diretor neurológico da Taste and Smell Treatment and Research Foundation em Chicago.

"Então, fizemos um estudo original que analisou estudantes de medicina que foram apresentados a todos os tipos de aromas, perfumes e colônias diferentes. Depois medimos o fluxo sanguíneo peniano".

"Como aroma de controle, que achávamos que não teria efeito, usamos o cheiro de pãezinhos de canela assados. E os pãezinhos de canela tiveram um efeito maior do que todos os perfumes juntos!"

A partir daí, Alan montou um experimento maior estudando homens da população geral de Chicago com idades entre 18 e 64 anos.

"Experimentamos todos os tipos de perfumes e muitos alimentos e descobrimos que...

  • O perfume nº 1 que aumentou o fluxo sanguíneo peniano foi uma combinação de lavanda e torta de abóbora
  • O nº 2 foi donuts e alcaçuz preto
  • O nº3 foi torta de abóbora e rosquinhas."

Parece estranho, por que será que esses sabores provocaram mais excitação?

"A melhor teoria que surgiu foi que, em nosso passado evolutivo, as pessoas tendiam a se reunir em torno de lugares onde havia comida, e em torno da comida elas teriam mais chances de encontrar um parceiro."

E as mulheres?

Torta de abóbora unissex?
Torta de abóbora unissex?
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Alan fez outro estudo e descobriu que o perfume que mais afetava a excitação sexual feminina era uma combinação de doce de alcaçuz e pepino.

Claro, não é tão simples. Cada indivíduo responde de forma diferente.

"Também fizemos o estudo em Chicago; pessoas de outros lugares provavelmente têm referências hedônicas olfativas completamente diferentes."

O importante é que o poder do olfato é real.

"Muitas vezes apelamos para o visual, que é mediado pela parte lógica do cérebro, enquanto o cheiro é pura emoção."

Neuroquímicos, afrodisíacos, aromas... está faltando mais alguma coisa?

De acordo com o professor de psicologia social da Universidade Anglia Ruskin, Viren Swami, definitivamente sim.

A sua decisão

"Muitas vezes nos esquecemos disso, talvez não tanto atração, mas amar e manter relacionamentos também é uma escolha. Escolhemos estar apaixonados. Escolhemos nos comportar com amor e escolhemos cuidar de outras pessoas", diz o autor de Atração explicada: a ciência de como moldamos nossos relacionamentos.

Menina pintando coração
Menina pintando coração
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

"As pessoas que se concentram em coisas como genes e neurociência nos absolvem dessa responsabilidade dizendo: 'Não é você, você não tomou uma decisão consciente. É o seu cérebro dizendo que você se sente assim'."

"Mas mesmo que haja um sentimento inicial que não pode ser controlado, no final das contas, escolhemos nos apaixonar."

Viren lembrou as palavras de Erich Fromm, autor de The Art of Loving, que disse: "O amor não é um sentimento, mas uma prática".

"O amor por si só é inútil."

"Se você está sentado em casa sozinho e apaixonado, então ótimo, mas e daí? Mas se você sair para o mundo e disser: 'Eu amo essa pessoa, ou esse grupo de pessoas, ou minha comunidade ou ecologia ou animais ou qualquer outra coisa, então vou fazer isso por eles', você está mostrando amor e é muito mais significativo."

Isso está ficando um pouco filosófico, mas ele está certo: vamos adicionar alguns desses maravilhosos ingredientes abstratos à poção.

Uma colherada de livre-arbítrio, para começar, pois não somos apenas uma bola pré-programada de neuroquímicos, uma boa pitada de altruísmo, um toque de gentileza, uma xícara de comunicação, etc.

Ah, e uma última coisa importante!

Os últimos ingredientes
Os últimos ingredientes
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

"O outro ingrediente que eu diria é - e isso também remonta a Erich Fromm - que não faz sentido amar outras pessoas se você não se ama primeiro."

Bebida pronta!

Então vamos relembrar...

Esses ingredientes abstratos foram adicionados à mistura de tiramisu, figos e ameixas cozidas, cujas duvidosas propriedades afrodisíacas são reforçadas por um poderoso coquetel neuroquímico de oxitocina, dopamina, serotonina e beta endorfina.

E acrescentei algumas fatias de torta de abóbora para os cavalheiros e alcaçuz para as damas, para dar aquele cheiro sexy que procuramos.

No final, é claro, a mistura não é melhor do que o tônico de mosca espanhola triturada servido pelos gregos antigos ou os suspeitos bolos de sedução medievais feitos de suor, sangue e outros fluidos corporais.

Mas embora eu nunca esperasse poder engarrafar o amor, talvez possamos aproveitar a receita.

Libere esses neuroquímicos dançando, abraçando, vivendo, rindo e amando. Reconheça que, embora o amor seja um vício, também é uma escolha, portanto, seja empático com os outros e gentil consigo mesmo... e coma alimentos que se assemelham à genitália, se tiver vontade.

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