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Asteroides assassinos estão escondidos em plena vista. Uma nova ferramenta ajuda a identificá-los

Pesquisadores construíram algoritmo que pode escanear imagens astronômicas antigas em busca de rochas espaciais despercebidas, ajudando a detectar objetos que poderiam um dia colocar a Terra em perigo

7 jun 2022 - 05h10
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Ed Lu quer salvar a Terra dos asteroides assassinos. Ou pelo menos, se houver uma grande rocha espacial cruzando nosso caminho, Lu, um ex-astronauta da Nasa com doutorado em física aplicada, quer encontrá-la antes que ela nos atinja - espero que com anos de aviso prévio e uma chance para a humanidade desviá-la.

A Fundação B612, um grupo sem fins lucrativos que Lu ajudou a fundar, anunciou a descoberta de mais de 100 asteroides. (O nome da fundação é uma referência ao livro infantil de Antoine de Saint-Exupéry "O Pequeno Príncipe": B612 é o asteroide doméstico do personagem principal.)

Isso por si só não é digno de nota. Novos asteroides são relatados o tempo todo por observadores do céu em todo o mundo. Isso inclui amadores com telescópios de quintal e pesquisas robóticas que examinam sistematicamente os céus noturnos.

O que é notável é que a B612 não construiu um novo telescópio nem fez novas observações com os telescópios existentes. Em vez disso, os pesquisadores financiados pela B612 aplicaram uma tecnologia computacional de ponta a imagens de anos atrás - 412.000 delas dos arquivos digitais do National Optical-Infrared Astronomy Research Laboratory, ou NOIRLab - para filtrar asteroides dos 68 bilhões de pontos de luz cósmica capturados nas imagens.

"Esta é a maneira moderna de fazer astronomia", disse Lu. A pesquisa se soma aos esforços de "defesa planetária" realizados pela Nasa e outras organizações ao redor do mundo.

Hoje, dos cerca de 25.000 asteroides próximos da Terra com pelo menos 140 metros de diâmetro, apenas cerca de 40% foram encontrados. Os outros 60% - cerca de 15.000 rochas espaciais, cada uma com o potencial de liberar a energia equivalente a centenas de milhões de toneladas de TNT em uma colisão com a Terra - permanecem indetectáveis.

A B612 colaborou com Joachim Moeyens, um estudante de pós-graduação da Universidade de Washington, e seu orientador de doutorado, Mario Juric, professor de astronomia. Eles e colegas do Instituto de Pesquisa Intensiva de Dados em Astrofísica e Cosmologia da universidade desenvolveram um algoritmo capaz de examinar imagens astronômicas não apenas para identificar os pontos de luz que podem ser asteroides, mas também para descobrir quais pontos de luz nas imagens tiradas em noites diferentes são na verdade o mesmo asteroide.

Em essência, os pesquisadores desenvolveram uma maneira de descobrir o que já foi visto, mas não notado. Normalmente, os asteroides são descobertos quando a mesma parte do céu é fotografada várias vezes durante uma noite. Uma faixa do céu noturno contém uma infinidade de pontos de luz. Estrelas e galáxias distantes permanecem no mesmo arranjo. Mas objetos que estão muito mais próximos, dentro do sistema solar, movem-se rapidamente e suas posições mudam ao longo da noite.

Os astrônomos chamam uma série de observações de um único objeto em movimento durante uma única noite de "tracklet". Um tracklet fornece uma indicação do movimento do objeto, mostrando aos astrônomos onde eles podem procurá-lo em outra noite. Eles também podem pesquisar imagens mais antigas para o mesmo objeto.

Muitas observações astronômicas que não fazem parte das buscas sistemáticas de asteroides inevitavelmente registram asteroides, mas apenas em um único momento e local, não em múltiplas observações necessárias para montar tracklets.

As imagens do NOIRLab, por exemplo, foram obtidas principalmente pelo Telescópio de 4 Metros Victor M. Blanco no Chile como parte de um levantamento de quase um oitavo do céu noturno para mapear a distribuição das galáxias no universo.

As partículas adicionais de luz foram ignoradas porque não eram o que os astrônomos estavam estudando. "Elas são apenas dados aleatórios em imagens apenas aleatórias do céu", disse Lu.

Mas para Moeyens e Juric, um único ponto de luz que não é uma estrela ou uma galáxia é um ponto de partida para seu algoritmo, que eles chamaram de Recuperação de Órbita Heliocêntrica sem Tracklet, ou THOR.

O movimento de um asteroide é precisamente ditado pela lei da gravidade. O THOR constrói uma órbita de teste que corresponde ao ponto de luz observado, assumindo uma certa distância e velocidade. Em seguida, calcula onde o asteroide estaria nas noites subsequentes e anteriores. Se um ponto de luz aparecer nos dados, pode ser o mesmo asteroide. Se o algoritmo puder conectar cinco ou seis observações em algumas semanas, esse é um candidato promissor para uma descoberta de asteroides.

Em princípio, há um número infinito de órbitas de teste possíveis para examinar, mas isso exigiria uma eternidade impraticável de cálculos. Na prática, como os asteroides estão agrupados em torno de certas órbitas, o algoritmo precisa considerar apenas alguns milhares de possibilidades cuidadosamente escolhidas.

Ainda assim, calcular milhares de órbitas de teste para milhares de asteroides em potencial é uma tarefa gigantesca de processamento de números. Mas o advento da computação em nuvem - vasto poder computacional e armazenamento de dados distribuído pela Internet - torna isso viável. O Google contribuiu através de sua plataforma Google Cloud.

"É um dos aplicativos mais legais que já vi", disse Scott Penberthy, diretor de inteligência artificial aplicada do Google.

Até agora, os cientistas vasculharam cerca de um oitavo dos dados de um único mês, setembro de 2013, dos arquivos do NOIRLab. O THORcalculou 1.354 possíveis asteroides. Muitos deles já estavam no catálogo de asteroides mantido pelo Minor Planet Center da União Astronômica Internacional. Alguns deles haviam sido observados anteriormente, mas apenas durante uma noite e o tracklet não foi suficiente para determinar com confiança uma órbita.

O Minor Planet Center confirmou 104 objetos como novas descobertas até agora. O arquivo NOIRLab contém sete anos de dados, sugerindo que existem dezenas de milhares de asteroides esperando para serem encontrados.

"Acho incrível", disse Matthew Payne, diretor do Minor Planet Center, que não esteve envolvido no desenvolvimento do THOR. "Acho muito interessante e também nos permite fazer bom uso dos dados de arquivo que já existem."

Atualmente, o algoritmo está configurado para encontrar apenas asteroides do cinturão principal, aqueles com órbitas entre Marte e Júpiter, e não asteroides próximos da Terra, aqueles que podem colidir com nosso planeta. Identificar asteroides próximos da Terra é mais difícil porque eles se movem mais rápido.

Observações diferentes do mesmo asteroide podem ser separadas no tempo e na distância, e o algoritmo precisa realizar mais cálculos numéricos para fazer as conexões.

"Com certeza vai funcionar", disse Moeyens. "Não há razão para que não possa. Eu simplesmente não tive a chance de experimentar."

O THOR tem a capacidade não apenas de descobrir novos asteroides em dados antigos, mas também de transformar observações futuras. Tomemos, por exemplo, o Observatório Vera C. Rubin, anteriormente conhecido como Large Synoptic Survey Telescope, atualmente em construção no Chile.

Financiado pela National Science Foundation, o observatório Rubin é um telescópio de 8,4 metros que irá examinar repetidamente o céu noturno para rastrear o que muda ao longo do tempo.

Parte da missão do observatório é estudar a estrutura em larga escala do universo e detectar estrelas explosivas distantes, também conhecidas como supernovas. Mais perto de casa, ele também detectará uma infinidade de corpos menores que um planeta zunindo ao redor do sistema solar.

Vários anos atrás, alguns cientistas sugeriram que os padrões de observação do telescópio Rubin poderiam ser ajustados para que pudesse identificar mais tracklets de asteroides e, assim, localizar com rapidez mais asteroides perigosos e ainda não descobertos. Mas essa mudança teria retardado outras pesquisas astronômicas.

Se o algoritmo THOR provar que funciona bem com os dados do Rubin, então o telescópio não precisaria examinar a mesma parte do céu duas vezes por noite, podendo cobrir o dobro da área.

"Isso, em princípio, pode ser revolucionário, ou pelo menos muito importante", disse Zeljko Ivezic, diretor do telescópio e autor de um artigo científico que descreveu o THOR e o testou contra observações.

Retornar ao mesmo ponto no céu a cada duas noites, em vez de quatro, pode beneficiar outras pesquisas, incluindo a busca de supernovas. "Esse seria outro impacto do algoritmo que nem tem a ver com asteroides", disse Ivezic. "Isso está mostrando bem como a paisagem está mudando. O ecossistema da ciência está mudando porque o software agora pode fazer coisas que 20, 30 anos atrás você nem sonharia, nem pensaria."

Para Lu, o THOR oferece uma maneira diferente de atingir os mesmos objetivos que ele tinha uma década atrás. Naquela época, a B612 estava de olho em um projeto ambicioso e muito mais caro. A organização sem fins lucrativos iria construir, lançar e operar seu próprio telescópio espacial, chamado Sentinel.

Na época, Lu e os outros líderes da B612 ficaram frustrados com o ritmo lento da busca por rochas espaciais perigosas. Em 2005, o Congresso aprovou um mandato para a Nasa localizar e rastrear 90% dos asteroides próximos da Terra com diâmetros de 140 m ou mais até o final de 2020. Mas os legisladores nunca forneceram o dinheiro que a Nasa precisava para realizar a tarefa, e o prazo passou com menos da metade desses asteroides encontrados.

Arrecadar US$ 450 milhões de doadores privados para financiar o Sentinel foi difícil para a B612, especialmente porque a Nasa estava considerando um telescópio espacial próprio para encontrar asteroides.

Quando a National Science Foundation autorizou a construção do observatório Rubin, a B612 reavaliou seus planos. "Poderíamos rapidamente dizer: 'Qual é a diferença na resolução de um problema que existimos para resolver?'", disse Lu.

O observatório Rubin fará suas primeiras observações de teste em cerca de um ano e estará operacional em cerca de dois anos. Dez anos de observações do Rubin, juntamente com outras pesquisas de asteroides, podem finalmente atingir a meta de 90% do Congresso, disse Ivezic.

A Nasa está acelerando seus esforços de defesa planetária. Seu telescópio de asteroides, NEO Surveyor, está em fase preliminar, com o objetivo de ser lançado em 2026.

E ainda este ano, sua missão Double Asteroid Redirection Test lançará um projétil em um pequeno asteroide e medirá o quanto isso muda a trajetória do asteroide. A agência espacial nacional da China está trabalhando em uma missão semelhante.

Para a B612, em vez de disputar um projeto de telescópio que custa quase meio bilhão de dólares, é possível contribuir com empreendimentos de pesquisa menos caros, como o THOR. Na semana passada, ela anunciou que recebeu US$ 1,3 milhão em doações para financiar novos trabalhos em ferramentas computacionais baseadas em nuvem para a ciência de asteroides. Também recebeu uma doação da Tito's Handmade Vodka que corresponderá a até US$ 1 milhão de outros doadores.

A B612 e Lu agora não estão apenas tentando salvar o mundo. "Somos a resposta para uma curiosidade sobre como a vodka está relacionada aos asteroides", ele disse. / TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

Estadão
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