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Símbolo da redemocratização, Constituição completa 30 anos

5 out 2018 - 05h56
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Depois de 21 anos de ditadura militar, Carta de 1988 emergia da luta pelo retorno da democracia e avançava na garantia de direitos fundamentais. Mesmo criticada, firmou-se como pilar do Estado democrático brasileiro.Marco na redemocratização da sociedade brasileira e frequentemente apontada como uma das mais avançadas do mundo, a Constituição de 1988 completa 30 anos a dois dias de uma eleição marcada por uma campanha polarizada, que chegou a questionar a própria Carta Magna em meio a declarações de defesa da ditadura militar.

Bem diferente era a situação em 1988, quando a Constituição foi promulgada: a democracia recém-alcançada era o anseio de uma população que havia saído às ruas para pedir justamente o retorno do direito de votar para presidente, negado ao longo de duas décadas de domínio dos militares sobre a política brasileira.

Naquele tempo, o processo constituinte simbolizava a ruptura com o autoritarismo do governo militar, além de ser uma experiência política inédita por causa da abertura à participação de todos os setores da sociedade, o que se verificou em 72 mil sugestões de cidadãos.

A Constituição era vista como um dos pilares da fundação de uma sociedade democrática brasileira. "A persistência da Constituição é a sobrevivência da democracia", afirmou o então presidente da Assembleia Constituinte, Ulysses Guimarães, ao promulgar a lei fundamental, há exatos 30 anos.

A Constituição de 1988 é responsável por assegurar direitos fundamentais, como a liberdade de expressão e o direito à livre manifestação, e por nortear políticas públicas em áreas sociais, como o Sistema Único de Saúde (SUS) e a Previdência Social. Pela primeira vez, o direito à educação era encarado como sendo de todos. A defesa do direito de estudar já existia nas constituições anteriores, mas a gratuidade era só para quem comprovassem carência de recursos.

O texto constitucional também garantiu direitos essenciais para os trabalhadores, ao incluir e ampliar o que estava previsto pela CLT, de 1943, como o 13º salário e o aviso prévio. A jornada de trabalho passou de 48 para 44 horas semanais, e o salário-mínimo foi unificado em todo o país.

A Constituição de 1988 também foi um marco importante para o direito do consumidor, cuja proteção passou a ser um dever do Estado. Além disso, ela fortaleceu e tornou independente o Ministério Público Federal. Outro avanço foi a proposta que tornou, pela primeira vez, o racismo um crime inafiançável, imprescritível e passível de pena no Brasil. E isso sem falar no artigo 5º, que determina que "homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações".

Críticas à Constituição

Mas ela nunca esteve livre de críticas. Uma delas é o seu tamanho: a Carta Magna brasileira tem 250 artigos e é a segunda mais extensa do mundo, atrás apenas da indiana. Para o professor de Direito constitucional Cristiano Paixão, da UnB, isso não é necessariamente um problema.

"A ideia de que uma constituição boa é sucinta é um mito. Em geral, usa-se como parâmetro a constituição dos EUA, que é cheia de casuísmos, embora tenha uma história importante. Mas não há nada que indique que a Constituição de 1988 seria melhor se fosse mais enxuta", afirma.

Outra crítica é a quantidade de emendas: a Carta Magna já foi modificada 99 vezes, a um ritmo médio de três emendas por ano. As alterações vão da possibilidade de reeleição para presidente da República, governadores e prefeitos à instituição de um teto para os gastos públicos para os próximos 20 anos, passando por temas inusitados, como a disposição sobre práticas esportivas que utilizam animais, como a vaquejada.

Um terceiro aspecto frequentemente criticado é a regulamentação dos seus 382 dispositivos originais, cujas leis específicas definiriam como o que estava previsto seria implementado. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e é um exemplo dos 263 pontos já regulamentados. Mas há 119 sem regulamentação.

A prolixidade e o detalhismo do texto constitucional podem ser explicados pela multiplicidade de anseios, expectativas e interesses de vários segmentos da sociedade à época. Houve, por exemplo, lobby em favor dos direitos da mulher, ainda que elas fossem apenas 26 dos 559 constituintes. Graças a isso, 80% das propostas contidas na Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes foram incluídas no texto final. Questões polêmicas, como a descriminalização do aborto, ficaram de fora, mas outras, como o direito à licença-maternidade de 120 dias, foram incorporadas.

O grande número de políticas públicas no texto constitucional também ajuda a explicar a quantidade de emendas. Por outro lado, embora a aprovação de emendas constitucionais no Congresso seja mais difícil do que a de projetos de leis comuns, não há tantas dificuldades como as observadas em outros países.

"Vamos dizer que a compensação pela prolixidade é a facilidade do emendamento", diz o professor da Fundação Getúlio Vargas Claudio Couto. "Ela já dura 30 anos sendo muito criticada e muito emendada. A crítica, na democracia, é normal, serve para corrigir imperfeições e apontar caminhos. O caminho normal é continuar havendo críticas e atualizações", avalia.

Apesar das várias mudanças ao longo dos últimos 30 anos, a quantidade de propostas de alteração que não avançaram foi bem maior, diz Nikolay Bispo, coordenador do Núcleo de Justiça e Constituição da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas.

"Talvez a Constituição tenha sido muito emendada, mas, dentro do universo total de propostas, poucas passaram. Uma hipótese para isso é que, quando se constitucionaliza muito a gestão pública, existe a necessidade de muitas emendas", afirma.

Uma nova Constituição?

Em meio à crise política atual, a elaboração de uma nova constituição surgiu como tema das campanhas presidenciais. Primeiramente ela foi aventada pelo candidato à vice de Jair Bolsonaro (PSL), general Hamilton Mourão, como possível de ser feita apenas com "notáveis", sem a presença de representantes eleitos pelo povo. A afirmação foi criticada como sendo antidemocrática.

Mas a ideia consta também do programa de governo de Fernando Haddad (PT), que afirma querer criar "as condições de sustentação social para a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte livre, democrática, soberana e unicameral, eleita para este fim nos moldes da reforma política que preconizamos". O candidato não detalhou o que exatamente ele pretende com essa proposta.

Durante solenidade da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em comemoração aos 30 anos da data, o ex-presidente da entidade, Marcus Vinicius Coelho, lembrou que a Constituição nasceu como uma "cercadura para impedir o retorno do regime autoritário" e pediu que os candidatos à Presidência respeitem a Carta Magna, bem como o resultado das urnas.

A ideia de redigir outra Constituição também provocou reações no Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro Marco Aurélio de Mello falou em menosprezo dos políticos com o texto constitucional. "Por isso que se fala tanto em redigir outra constituição", afirmou.

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, classificou o documento de 1988 de "marco extraordinário" na defesa dos direitos fundamentais e na estabilidade das instituições.

"O país nunca viveu um período de normalidade democrática tão longa, e, em razão disso, temos hoje uma sociedade mais plural, onde a dignidade da pessoa humana e a liberdade das pessoas é assegurada com a maior plenitude", afirmou.

Para Cristiano Paixão, da UnB, não se troca de Constituição como se troca de governo. "Só há condições para uma nova constituição diante de uma mudança muito radical do sistema político ou da sociedade. Nós vivemos até agora uma saudável alternância de poder pela via eleitoral. Isso faz parte da normalidade constitucional. Não vejo as condições ou mesmo a necessidade de um novo texto constitucional", conclui.

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